Revista Saúde em Debate, Vol. 39, Especial

Editorial

 

O direito à saúde consagrado na Constituição Federal de 1988 vem, desde o início de sua implantação, confrontando-se com interesses políticos de grupos da sociedade contrários às políticas universalistas e à presença do Estado nas políticas sociais. O resultado da presença e força desses grupos se expressa no fato de que, ao final dos anos 1990, o sistema de saúde brasileiro criado para ser único e regido pelo interesse público encontrava-se francamente fragmentado e com um setor privado fortalecido e ampliado.

Ao longo dos últimos anos, o cenário não se modificou, e, desde o início de 2015, é possível perceber alterações nos rumos das políticas públicas consolidadas no Brasil nas duas últimas décadas. A crise instalada no País possui diferentes dimensões entre as quais sobressai uma crise política que coloca em cheque a coalização que sustentou os governos nos últimos 12 anos. Ainda que sob os efeitos contraditórios dos dois projetos em curso – a convivência de formas neoliberais e intervencionistas de atuação do Estado –, essa coalizão permitiu, por meio de políticas redistributivas e aumento do salário mínimo, a redução da pobreza e das desigualdades de renda da população.

O convívio entre esses grupos políticos e suas respectivas ideologias parece ter atingido a condição de tensão extrema, e as exigências se explicitam nas mudanças que vêm sendo realizadas no conjunto dos direitos sociais consagrados na Constituição Federal, entre os quais a saúde se destaca.

A politica econômica que prevaleceu resultante desse tenso cenário é a que favorece o mercado financeiro com elevadas taxas de juros, ajustes fiscais e, consequentemente, encolhimento dos investimentos públicos. O desemprego e o acirramento das desigualdades são reflexos e repercussões imediatas dessa política, que na saúde se traduzem em piora nos padrões de mortalidade e de morbidade.

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que já vem sofrendo um crônico subfinanciamento, a tendência é de agravamento ainda maior, e isso significa que há riscos de retrocesso nos avanços conquistados. O melhor cenário é aquele que dificilmente incluirá os avanços necessários à sua consolidação como sistema universal e de qualidade.

Mas qual o papel da investigação e da produção de conhecimentos da área de Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde (PPG) no momento atual? A trajetória da área de PPG confunde-se com a construção do próprio campo da saúde coletiva, descrito na literatura como um híbrido de saberes e práticas. Essa área se diferencia pelo engajamento ético-político dos estudos conduzidos, tendo em vista a proposição de alternativas para melhoria dos sistemas e serviços e para a consolidação da saúde como um direito de todos os cidadãos.

Nesse momento, renovam-se as expectativas das contribuições de pesquisas desenvolvidas em políticas, planejamento e gestão, em diferentes contextos (internacional, nacional, regional e local), para a compreensão e o enfrentamento dos problemas vividos no SUS. E é com este espírito, de convocação ao debate, à reflexão crítica e à proposição de alternativas, que a revista ‘Saúde em Debate’ reúne nesse suplemento importantes trabalhos da pós-graduação acadêmica em saúde coletiva no Brasil.

 

Boa leitura!

 

Ana Maria Costa
Diretora Nacional do Cebes

 

A ideia deste suplemento é o resultado da parceira entre o Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Os temas tratados, examinados sob diferentes abordagens e lentes metodológicas, abrangem desde o cenário internacional até o nacional, envolvendo tanto aspectos da macro quanto da microgestão. A riqueza e a diversidade do campo são ilustradas em análises que englobam as relações entre Estado, sociedade, políticas e sistemas de saúde, e as formas de organização e prestação da atenção à saúde.