Seguridade Social: “Do mínimo de informação ao máximo de especulação”
Reportagem da Folha de S. Paulo (11/1), intitulada “Gasto com seguridade social caiu pela 1ª vez em 12 anos”, o jornalista Gustavo Patu informa que os gastos federais com a seguridade social caíram no ano passado, como proporção da renda nacional, pela primeira vez em 12 anos. Em 2008, mesmo com recordes sucessivos da arrecadação de impostos, a trajetória do gasto social foi interrompida. “A conta da seguridade passou de menos de 10% para o equivalente a 13% do PIB em 2007, e a despesa total da União subiu de 14,5% para pouco mais de 18% do PIB”, informa.
Ainda segundo o jornalista, no ano passado, a seguridade consumiu R$ 372 bilhões, conforme registros quase idênticos do sistema de acompanhamento dos gastos federais oferecido pelo Senado e da ONG Contas Abertas, especializada no setor. “O montante, ainda sujeito a ajustes, equivale a algo entre 12,6% e 12,9% do PIB”, calcula. Para ele, a queda do gasto como proporção do produto não significa, necessariamente, piora dos serviços sociais, mas trata sim de um deslocamento de prioridades, uma vez que a receita e a despesa dos governos sobem com o PIB e, no caso brasileiro, em ritmo até superior ao da renda nacional. Ou seja, para Gustavo Patu, a seguridade perdeu espaço no orçamento.
Na análise do economista Guilherme Delgado, aposentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a afirmação de que a despesa com seguridade social teria caído em 2008, supostamente de 13% do PIB em 2007 para uma estimativa – que é preliminar – entre 12,6% e 12,9% do PIB, é ambígua. “Do jeito que esta notícia está apresentada, a informação tanto pode estar correta como incorreta”, pressupõe. Isso porque, explica, “não são apresentados quaisquer dados, critérios de mensuração e decomposição desse orçamento”.
Para Guilherme, que é consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a matéria é totalmente especulativa e muito pouco informativa. O fato de o orçamento da seguridade social crescer menos que o PIB, quando o PIB teria crescido acima de 5% em 2008, precisa ser analisado sob o prisma dos direitos sociais e funcionais, “que estão albergados nesse orçamento e lhe imprimem uma conotação fortemente demográfica”.
Outra matéria da Folha de S. Paulo sob a manchete “Gasto com assistência social aumenta 16% em relação a 2007”, publicada também no dia 11/1, fomenta ainda mais o debate: enquanto os benefícios previdenciários e a saúde contribuíram para a redução da fatia da seguridade no orçamento da União, a assistência social manteve no ano passado o crescimento acelerado de gastos dos últimos anos. “As despesas assistenciais chegaram aos R$ 28,8 bilhões, um aumento de 16% sobre o volume do ano anterior”, mostrou a reportagem ao afirmar que foi prioridade do governo Lula os gastos com a assistência social, impulsionada pelos programas Benefício de Prestação Continuada e Bolsa Família.
Na análise de Guilherme, há que fazer primeiramente uma distinção conceitual entre o Bolsa Família, “que tem a cara do governo Lula”, e os chamados Benefícios de Prestação Continuada (BPC). “Estes últimos são um direito social constitucionalizado”, explica. O gasto social nesse caso depende da demanda de idosos e inválidos na “linha da pobreza” de l/4 de salário mínimo de renda-per-capita. “Aliás os BPCs, assim como os demais benefícios pagos pelo INSS, tendem a impactar a despesa do sistema tanto pelo salário mínimo quanto pela evolução dos ‘estoques de benefícios em manutenção’”, salienta.
Segundo o economista, os BPCs devem crescer entre 2,6% a 3,0% ao ano, que é o patamar mínimo de crescimento em termos reais (crescimento físico) do conjunto dos benefícios pagos pelo INSS. “Isto devidamente ponderado pelo incremento real do salário mínimo dá o parâmetro do crescimento dos gastos previdenciários e assistenciais”, diz. Junto, calcula, correspondem a cerca de 8,0 do PIB.
Para ele, a reportagem misturou várias informações: dados em proporção do PIB com valores em reais nominais. “Eu creio que a grande imprensa continua nessa matéria sobre seguridade social, como em tantas outras de interesse geral, operando com a técnica do mínimo de informação ao máximo de especulação”, conclui.