ABRASCO encaminha posicionamento sobre MP 557 ao Ministério da Saúde

Do Site da ABRASCO – 17/05/2012

A ABRASCO, por intermédio do GT de Gênero e Saúde, encaminhou seu posicionamento ao Ministério da Saúde sobre a MP 557, que trata do Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para a Prevenção da Mortalidade Materna. Para saber mais, leia abaixo o documento na íntegra:

Em resposta a? solicitac?a?o feita pela coordenadora da a?rea te?cnica de Sau?de da Mulher, Dra. Esther Vilela, viemos a seguir expor a posic?a?o da Associac?a?o Brasileira de Sau?de Coletiva (ABRASCO) sobre a portaria que dispo?e sobre o Sistema Nacional de Cadastro, Vigila?ncia e Acompanhamento da Gestante e Pue?rpera para Prevenc?a?o da Mortalidade Materna.

A mortalidade materna e? um grande problema de sau?de no mundo e no Brasil. No caso brasileiro, apesar do avanc?o conseguido nas u?ltimas de?cadas, ainda estamos longe de atingir a meta do mile?nio e nos u?ltimos dez anos o decre?scimo da taxa sofreu uma desacelerac?a?o em sua reduc?a?o, estando bem abaixo da me?dia mundial de queda (0,6%). E? importante que a dina?mica da mortalidade materna e suas relac?o?es com o sistema de sau?de e a sociedade sejam detalhadamente observadas, para que as ac?o?es objetivando sua diminuic?a?o tenham a efetividade desejada. Tambe?m achamos importante, como organizac?a?o do movimento civil com de?cadas de luta pela redemocratizac?a?o do Brasil e construc?a?o do SUS, que sejam consideradas a posic?a?o sobre o tema das organizac?o?es dos movimentos de mulheres, profissionais e do Conselho Nacional de Sau?de, que escreveu detalhado documento sobre o assunto.

Baseados nestes princi?pios, e no intenso debate realizado ate? o momento, apontamos como principais pontos de nossa contribuic?a?o sobre a portaria em questa?o:
A portaria na?o traz medidas efetivas para atingir seus objetivos, de “aprimorar a qualidade da atenc?a?o ao pre?-natal, parto e puerpe?rio e contribuir para ampliar o acesso de gestantes e pue?rperas aos servic?os de sau?de, notadamente nas gestac?o?es de risco”, porque:
1. E? uma medida isolada, fragmenta?ria, que duplica esforc?os e recursos e que na?o se articula com uma poli?tica integral de sau?de da mulher.
2. Apesar de reconhecermos avanc?os em relac?a?o a? formulac?a?o anterior, como a retirada da refere?ncia ao “nascituro”, a portaria segue reiterando e tendo como seu principal elemento o cadastro de TODAS as gestantes atendidas nos estabelecimentos de sau?de. O SUS ja? dispo?e de um sistema sofisticado de registro de informac?a?o, inclusive para acompanhamento especi?fico do pre?-natal, parto e puerpe?rio, o SIS-Prenatal.

Desde 1997, o Conselho Nacional de Sau?de aprovou resoluc?a?o que torna a morte materna um evento de notificac?a?o compulso?ria no Brasil que se efetivou, de fato, a partir de 2004, quando foi estabelecido o Pacto Nacional pela Reduc?a?o da Morte Materna. O cadastro compulso?rio de gestantes fere o direito individual e foca a poli?tica na vigila?ncia de indivi?duos sauda?veis. Se a vigila?ncia sobre os adoecimentos objetiva controlar a disseminac?a?o de doenc?as epide?micas ou a diminuic?a?o/ erradicac?a?o de altas taxas daquelas ende?micas, a vigila?ncia sobre indivi?duos, ale?m de na?o atender aos objetivos da portaria, encerra riscos de quebra de sigilo, direito a? informac?a?o e recusa das mulheres e coerc?a?o de seus direitos reprodutivos e sexuais.

3. Alternativamente, uma mais detalhada coleta de dados e vigila?ncia, ale?m de treinamento e supervisa?o das ac?o?es realizadas pelos estabelecimentos de sau?de e secretarias municipais e estaduais de sau?de em relac?a?o ao pre?-natal, parto e puerpe?rio, com transpare?ncia, participac?a?o e controle da sociedade civil organizada pode ter algum efeito na direc?ao desejada. As principais causas de mortalidade materna necessitam, para sua reduc?a?o, de um efetivo cumprimento, pelos estabelecimentos de sau?de, das leis, normas te?cnicas, protocolos e orientac?o?es de servic?o em vige?ncia que ja? contemplam todos os procedimentos de rotina, no a?mbito das unidades ba?sicas de sau?de, hospitais e maternidades. Sua efetiva e consistente implementac?a?o e? um elemento necessa?rio para o atendimento qualificado do pre?- natal, parto e puerpe?rio.

4. A classificac?a?o de “gestac?o?es de risco” e fatores de risco individualiza situac?o?es sociais e econo?micas que precisam ser enfrentadas, para que sejam efetivas, na?o apenas a partir de cada mulher individualmente, mas a partir de ac?o?es sobre os determinantes estruturais dos agravos e mortes, as “causas das causas”. Sabe-se da desigualdade existentes no perfil das mortes maternas de mulheres negras e brancas, ou moradoras de diferentes regio?es do Brasil. E? necessa?rio um enfrentamento direto destas condic?o?es, e uma fatorac?a?o individual dos “riscos”, que nunca eliminara? a causa
das causas, reduz a potencialidade de queda da taxa de mortalidade materna no Brasil.

5. O acesso, como colocado, e? um elemento muito fra?gil. Na?o basta a mulher chegar ao servic?o, e? preciso ser atendida e bem atendida, dentro dos protocolos vigentes, e a portaria na?o estabelece mecanismos para isto. O principal problema na assiste?ncia ao pre?-natal e parto no Brasil na?o e? o acesso, que tem aumentado consideravelmente, mas a qualidade da atenc?a?o prestada, especialmente no que se refere ao uso excessivo de procedimentos e intervenc?o?es nas gestac?o?es e partos de baixo risco (veja-se a alarmante taxa de cesa?reas e sua contribuic?a?o para a mortalidade materna) e a falta de assiste?ncia e intervenc?a?o adequada quando ha? necessidade de maior complexidade de atenc?a?o. Procedimentos simples e que ja? esta?o legislados, como a Lei do Acompanhante, apesar de terem grande efetividade, na?o sa?o
mencionados nem garantidos por esta portaria em sua nova versa?o. 6. O aborto inseguro, uma das importantes causas de mortes e morbidade em
mulheres, na?o e? abordado na portaria. 7. O Comite? de mortalidade materna, instrumento que ja? esta? implantado em boa parte
do pai?s deveria ser reforc?ado, mas sua articulac?a?o com a atual proposta na?o fica clara e sa?o criadas comisso?es com funcionamento paralelo, delegando a investigac?a?o dos o?bitos maternos aos setores de epidemiologia dos hospitais.

E? louva?vel o interesse do governo federal em reduzir a morte materna, trage?dia evita?vel ainda presente em nosso pai?s. Mas queremos reiterar o ja? exposto no documento redigido pelo CNS e propor que, para que este objetivo seja atingido:
a) A atenc?a?o a? sau?de seja qualificada, com a observa?ncia de protocolos ja? existentes para a atenc?a?o de condic?o?es graves na gestac?a?o como os quadros hipertensivos (principal causa de morte), assim como a prevenc?a?o, o diagno?stico precoce e o manejo das hemorragias e infecc?o?es.
b) A vigila?ncia a? sau?de deve incorporar a vigila?ncia sobre os servic?os, atrave?s do registro transparente das taxas de intervenc?o?es no parto (cesa?rea, episiotomia, forceps, induc?o?es, kristeller, etc.) e seus potenciais desfechos adversos.
c) Efetiva implementac?a?o dos programas de atenc?a?o ao parto de mulheres sauda?veis por enfermeiras obstetras e obstetrizes, em Centros de Parto Normal plenamente integrado ao sistema,
d) A atenc?a?o a? integralidade da assiste?ncia, como a garantia de acompanhantes de escolha da mulher conforme previsto em lei federal, a garantia de privacidade na assiste?ncia, e o combate a todas as formas de racismo e outras formas de viole?ncia institucional vividas pelas mulheres e amplamente documentadas em pesquisas,
e) As poli?ticas e os orc?amentos pu?blicos devem estar orientados a garantir o direito de todas e cada uma das mulheres a? sau?de integral;
f) O direito das mulheres a? vida precisa ser assegurado, tanto quando decidem ter como quando resolvem interromper uma gravidez.

Associac?a?o Brasileira de Sau?de Coletiva
Sa?o Paulo, 14 de maio de 2012