Pesquisadores da ENSP comentam suspeita de Ebola no país

Os funcionários da Fiocruz tiveram um dia atípico nesta sexta-feira. Quem entrou pela portaria da Avenida Brasil pôde ver a grande quantidade de carros de jornais e redes de televisão; em todas as unidades, o assunto que tomou conta das conversas foi o africano suspeito de estar contaminado com o vírus Ebola, transferido para o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Foram cumpridas à risca todas as determinações do protocolo firmado pelo Ministério da Saúde e referendado por orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em meio aos acontecimentos, o Informe ENSP conversou com pesquisadores da Escola, que analisaram as repercussões do caso.

Para o pesquisador da ENSP e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplica e Saúde Coletiva, Sergio Rego, fica evidente o despreparo da imprensa para lidar com esta situação. “Hoje, jornais de grande circulação nacional já divulgaram o nome do paciente e, pasmem, sua documentação. Trata-se de um refugiado; e não deveria ter seus dados expostos”, repreendeu ele. Rego disse ainda que corremos o risco de, mais uma vez, culparmos as vítimas em vez de as protegermos. “Quantas pessoas podem deixar para procurar assistência mais tardiamente com medo de terem suas vidas expostas por jornais e TVs irresponsáveis? A reflexão ética deve fundamentar as decisões tomadas em todas as instâncias de forma responsável, para não gerar mais problemas e pânico”, defendeu o pesquisador.

 

País está preparado para a doença

O infectologista e pesquisador da ENSP Fernando Verani vê ainda outra grave consequência para o alarmismo midiático: “Uma situação de pânico poderá prejudicar o trabalho de investigação de contatos, já que possíveis casos suspeitos poderão não se apresentar às estruturas de saúde por receio de isolamento. Vale ressaltar que o modo de transmissão do vírus, por meio de contato direto com fluidos corporais de um caso, é um fator favorável à contenção do vírus”, disse o pesquisador. Para ele, as ações tomadas desde a detecção do possível caso demonstram que o Brasil está preparado para lidar com o Ebola. “A detecção do caso foi em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no interior do Paraná que, seguindo o protocolo, classificou o caso como suspeito e desencadeou todas as ações necessárias”.

Verani alerta para a necessidade de investigação de possíveis contatos que o suspeito tenha estabelecido: “Essa fase é a mais crítica, já que podemos perder algum contato e com isso se estabelecer a transmissão. Se rigorosamente seguirmos os protocolos de contenção, não teremos uma epidemia, pelo menos não na magnitude da África Ocidental. Lembro que a Nigéria e o Senegal, países com estruturas de saúde mais frágeis do que as nossas, conseguiram conter a transmissão, e não houve mais casos secundários”.

Sobre novas medidas a serem tomadas, ele ressalta que devemos efetivar e intensificar com urgência o treinamento de todos os profissionais de saúde, públicos ou privados, para a possível detecção de um caso suspeito. “Os protocolos foram enviados a todas as estruturas de saúde, mas é preciso que cada estado monitore o nível de preparação, sobretudo nas periferias de grandes cidades onde haja grupos de populações de imigrantes/refugiados da África”. Para o pesquisador, ações devem se voltar não só para detectar um caso suspeito, mas também verificar se há, por exemplo, Equipamento de Proteção Individual (EPI) em todos os níveis das estruturas, dos mais periféricos aos mais especializados.

O vice-diretor de Serviços Clínicos do INI/Fiocruz, José Cerbino Neto – que esteve na Escola recentemente para debater a Doença pelo Vírus Ebola (DVE), no Centro de Estudos da ENSP Miguel Murat -, esclareceu que a população deve manter a calma, pois a transmissão somente se dá pelo contato com sangue, órgãos, fluidos corporais ou secreções (fezes, urina, saliva, sêmen, vômito, sangue). Além disso, ele ressaltou que o vírus apenas torna-se contagioso depois que ocorre o início dos sintomas por parte do doente.

O período de incubação da doença é de 2 a 21 dias. Pessoas que começam a apresentar sinais e sintomas da doença (início súbito de febre, fraqueza intensa, dores musculares, dor de cabeça e dor de garganta, vômitos, diarreia, disfunção hepática, erupção cutânea, insuficiência renal e, em alguns casos, hemorragia tanto interna como externa) neste período específico e são provenientes de um país onde ocorre a transmissão, automaticamente, tornam-se casos suspeitos e passam a ser acompanhados pelos órgão competentes. A partir desta identificação, são adotadas as medidas para proteção dos profissionais de saúde envolvidos no atendimento ao caso. A confirmação dos casos de Ebola é feita por exames laboratoriais específicos que levam 24h para apresentar os resultados. No caso do suspeito isolado na Fiocruz, as amostras de sangue foram mandadas para o Instituto Evandro Chagas no Pará.

 

Brasil precisa reforçar as fronteiras

Na opinião do epidemiologista da ENSP Eduardo Maranhão, no que diz respeito à infecção pelo Ebola, nenhum país no mundo tem a situação completamente sob controle. Ele mencionou a confirmação dos casos nos Estados Unidos e Espanha para exemplificar que, apesar de alguns locais possuírem equipamentos de saúde e estrutura para promover um isolamento mais adequado, como os EUA e a Inglaterra (país considerado bem preparado, segundo ele), ainda há a possibilidade de casos de Ebola.

O pesquisador do Departamento de Epidemiologia da Escola disse que o Brasil está se preparando para montar um sistema de vigilância ágil, acessível, porém destacou ser preciso reforçar não só o controle dos aeroportos, mas também das fronteiras do país. “O aeroporto é um local mais fácil de controlar, apesar de haver a possibilidade de pessoas infectadas chegarem de outros locais além da África. Mas é uma forma de controle. Por outro lado, há várias formas de entrar no país e, se não reforçarmos as fronteiras, poderemos ter dificuldades de maperar o fluxo de um possível paciente com o vírus no país. Se tivéssemos uma vigilância totalmente adequada para problemas mais simples, eu me sentiria mais tranquilo, mas se trata de uma doença que os médicos não têm experiência. Estamos nos organizando, e os casos de Espanha e EUA nos estimulam a ter uma preparação melhor e mais eficaz. Temos que implementar medidas para evitar os casos, mas ainda assim o risco do Ebola existe. É preciso preparo adequado para que a doença não se amplie internamente se ela vier a chegar no Brasil.”

 

Centro de Estudos da ENSP debate a Doença pelo Vírus Ebola (DVE)

No dia 1/10, o Centro de Estudos Miguel Murat da ENSP se reuniu para debater o vírus Ebola. Tendo como tema Doença pelo Vírus Ebola (DVE): desafios para a saúde pública e para a bioética, a atividade contou com as participações do vice-diretor de Serviços Clínicos do INI/Fiocruz, José Cerbino Neto, do representante da Diretoria de Controle e Monitoramento Sanitários da Anvisa, Eduardo Hage Carmo, e do pesquisador da ENSP Sergio Rego.

Confira, abaixo, os melhores momentos da atividade e a íntegra das palestras dos três expositores.

 

 

Ceensp: Doença pelo vírus ebola – Eduardo Hage Carmo

Ceensp: Doença pelo vírus ebola – José Cerbino Neto

Ceensp: Doença pelo vírus ebola – Sergio Rego

 

Fonte: Informe ENSP