Gilson Carvalho concede entrevista sobre a LC 141 e sobre a fixação de 10% do orçamento da União para o setor da saúde

O médico Pediatra e de Saúde Pública Gilson Carvalho concede entrevista à revista “Médico das Gerais”
5/5/12
– A Lei Complementar nº 141, da forma como foi publicada, representa a bandeira pela qual vinham lutando as entidades ligadas à saúde? O senhor avalia a aprovação da Lei como uma conquista?

A LC 141 representa a mais flagrante derrota da saúde pública brasileiras. Ela tinha um objetivo que era elevar os gastos federais com a saúde. Tudo o mais era periférico inclusive com muita coisa já definida em outras leis. Perdemos.

– Em que pontos a LC avançou e atendeu às exigências daqueles que defendiam a necessidade de regulamentação da EC 29?
A análise das vitórias da LC 141 é como fazer o “jogo do contente”. Vem sendo usado pelo Governo para, ostensivamente, ludibriar os que não entendem ou pouco acompanham. “Tivemos várias vitórias”, dizem eles!

Entre estas vitórias comemoradas pelo Governo estão: a definição do que são e o que não são ações e serviços de saúde; as responsabilidades pelo planejamento ascendente; mais mecanismos de transparência e visibilidade. Tudo isto, de alguma maneira já estava nas leis existentes e na CF. Diremos: melhorou, aprimorou as definições. Lamentavelmente o essencial não foi feito.

– O que a regulamentação não resolveu? Quais são suas principais críticas à LC?
A principal crítica já dita anteriormente foi não ter atingido o principal objetivo que era definir os 10% da Receita Corrente Bruta de recursos federais para a saúde. O Governo decidiu não aportar mais recursos para a saúde sob a justificativa de que o problema da saúde é de gestão e eficiência. Vedar os olhos e não ver que existe uma multicausalidade que tem que ser enfrentada nas várias frentes.

– Ao definir o que são ações e serviços de saúde, a regulamentação vai gerar mais verba para o setor?
Este é um dos engodos. A definição essencial já estava aí posta na legislação. A CF já definiu que pagar inativos é função de previdência e não saúde. A Lei 8080, Art.3 já definiu o que são condicionantes e determinantes de saúde que não devem ser financiados pelos poucos recursos da saúde: salário, emprego, lazer, educação, cultura, habitação, alimentação, meio ambiente, transporte, etc. Isto condiciona e determina a saúde mas não é uma ação e serviço típico de saúde preceito constitucional para se gastar o dinheiro da saúde. As três esferas de governo podem resgatar muito pouco dinheiro para a saúde ao se reafirmar em que pode ou não ser gasto o dinheiro da saúde. O Ministério da Saúde já descobriu como burlar. Como deve aplicar em saúde o mesmo empenhado no ano passado, corrigido pela variação nominal do PIB já definiu que as despesas contrabandeadas (remédios pagos e serviços de saúde próprio de servidores) serão tiradas do orçamento de 2012… mas, também, tirada da base de cálculo. Tira de cá e tira de lá e fica tudo como antes. Acho que atitudes como esta fazem parte do cinismo administrativo que reina nas esferas e em alguns de seus órgãos. Seis por meia dúzia na base de levar vantagem!!!

– O senhor é um crítico da forma como os recursos mínimos foram definidos na Lei, fixando porcentagens de gasto para municípios e Estados, mas estabelecendo, para a União, o valor empenhado no ano anterior mais a variação nominal do PIB. Por que essa forma não é a ideal?
Primeiro considerando é quanto a assimetria da base de cálculo para entes federados iguais. Para a união um percentual do PIB, para estados e municípios um percentual da receita. Segundo, a “esperteza” de quem definiu o parâmetro da União, pois a receita dela cresce acima do crescimento do PIB. Tem correlação, mas tem diferença significativa. No ano de 1995 foi de mais de 11% da receita e no ano de 1997 foi de mais de 10%. O que se pretendeu com a EC-29 foi, minimamente, manter este patamar, colocando isto em texto constitucional para que não fosse modificado ao sabor dos governantes. Não conseguimos emplacar a proposta pois o governo dizia ser impossível os 10% (que já vinha sendo aplicado anteriormente) e, matreiramente, definiu com a base aliada que daí em diante seria não um percentual da receita, mas do PIB. Nos anos seguintes o orçamento da saúde passou a ser, a cada ano, um percentual menor da receita chegando por vezes a pouco mais de 6% e nos últimos anos 7%. Tiraram-nos de um patamar e nos colocaram num patamar abaixo e ainda querem que comemoremos.

O que mais machuca é que houve uma jogada de mestre na época desta definição feita no Governo FHC com a expertisse do Malan e do Serra. Esta previsto na emenda constitucional os 10% das receitas da União, Estados e Municípios. Com o “golpe” a União, ao colocar como padrão o PIB, desonerou-se inicialmente à metade do devido e hoje a praticamente 1/3. De outro lado, para compensar esta retirada de recursos federais, onerou os estados em mais 20% (de 10% da sua receita para 12%) e os municípios em mais 50% (de 10% da sua receita para 15%). As peças se encaixaram perfeitamente. A União no conforto de uma obrigação a menos. Os estados numa obrigação acima do que esperavam e consequentemente no início a maioria e agora apenas alguns descumprindo sua obrigação. Os municípios que já vinham colocando mais recursos em saúde pela omissão da união e dos estados e pela contínua pressão da população, sempre atingiram o mínimo e nos últimos anos ao invés de 15% têm colocado em média 20% de sua receita o que significa 30% a mais que o mínimo.

– Nos últimos anos, foram revelados diversos Estados brasileiros que usavam verba da saúde em outros setores. Alguns alegam que o orçamento é apertado demais para o uso de 12% exclusivamente nessa esfera. Isso é um problema real? Como ficará essa questão com a publicação da Lei?

Realmente foi a esfera de governo mais difícil de se enquadrar nos parâmetros da EC-29. União se enquadrou logo porque se paradigmou a menor. Os municípios, pressionados na linha de frente do atendimento, já vinham colocando a mais e continuam o fazendo.
Os estados, realmente, inflaram suas despesas para melhorar o cumprimento da EC-29. Uma ocorrência primeira foi a de não contabilizar todas as receitas e a seguir inflar as despesas. As despesas mais contrabandeadas foram: pagamento de aposentados da saúde não com recursos da previdência, mas com os da saúde; pagamento de despesas com saneamento até mesmo tarifado o que já estava vedado na Lei 8080 desde 1990; recursos transferidos à administração de outras secretarias como aqueles do sistema prisional; dos serviços de saúde dos militares; dos programas sociais de prevenção à desnutrição; serviços de saúde próprios de funcionários públicos etc.
Alguns municípios também fazem isto ou cometem outras irregularidades não cabe negar.
O grande problema do passado e que continuará existindo será de como identificar de imediato qualquer irregularidade deste montante de financiamento e aplicar sanções que levem à correção imediata.

-O senhor acredita ser necessária a criação de um novo imposto, como a CSS?
Hoje defendo que não deve ser criado nenhum novo imposto ou contribuição. O governo federal deve fazer suas opções políticas. Recursos existem pois já existiram e só se pede que continuem gastando com saúde o que já se gastou (mínimo de 10%) e que sempre teve antes da EC-29. Uma das opções políticas é a importância e prioridade que se dá ao pagamento da dívida. A estimativa é que se gaste neste ano cerca centenas de R$bi, quando a saúde apenas pleiteou mais R$30 bi!!!

Depois de vencida esta primeira etapa de resgate do débito histórico com a saúde a sociedade vai ter que discutir as saídas a médio e longo prazo se quiserem ter um sistema de saúde universal e integral como aquele definido na CF.

A história nos mostra um quadro triste em relação ao uso da saúde para comover o cidadão e recolher mais impostos. É só tomarmos alguns movimentos e vamos ver que os recursos são pedidos para salvar à saúde e logo em seguida usados em outras áreas e novamente buscam a culpada saúde para tirar mais do cidadão. Só lembrando dos últimos: a contribuição da previdência, trinta quarenta anos, atrás subiu 30% para garantir o direito à saúde e nunca foi cumprido; depois da CF a COFINS sai de 2% para 5%; a criação da CPMF; depois o aumento da CSSL; do IOF… Foram engodos coletivos contra o cidadão. Falta-nos cidadania para cobrar dos governos o cumprimento das leis? Continuamos elegendo quem nos engana?

– Como o senhor vê a mobilização de entidades como a AMB, CFM e secretarias municipais de saúde pela fixação de 10% do orçamento da União para o setor?
Não se pode perder a esperança e isto tem que se concretizar em propostas. Logo de imediato o médico gaucho do PMDB Deputado Perondi apresentou no início da legislatura de 2012 a proposta de Lei Complementar mudando o definido na LC 141 para 10% da Receita Corrente Bruta. Logo a seguir, no mesmo dia, o médico paulista do DEM, Deputado Eleuses Paiva, apresentou proposta idêntica. As duas foram apensadas.

Em 3/2/2012, na sede da Associação Médica Brasileira, foi apresentado um projeto de lei complementar para alterar a LC 141 de modo a que a união destine à saúde no mínimo 10% da receita corrente bruta. Esta proposta nasce da Frente Nacional por Mais Recursos para a Saúde uma iniciativa de várias instituições (OAB, APM, CFM, FENAM, FPS, ANM, CONASS, CONASEMS, SES, CEBES, FENTAS, ABRASCO, FBH). Esta proposta está circulando para obter assinaturas de eleitores e se tornar um projeto de iniciativa popular para o que são necessárias assinaturas de 1% do eleitorado nacional.

– Além de maior financiamento, muitos destacam a necessidade de melhor gestão no Sistema Único de Saúde. O senhor concorda? A regulamentação avançou, nesse sentido?
Tenho repetido o que quase virou um mantra que não é bizantino. Defendo que pelo menos cinco áreas sejam modificadas para resolver o problema da saúde pública: mexer no Brasil pois, enquanto a iniquidade for tanta, as pessoas não tiverem acesso permanente à suas necessidades básicas (casa, comida, vestuário,emprego, salário, educação etc.) será impossível pensarmos em saúde apenas, com serviços específicos de saúde; mexer no modelo de fazer saúde: ainda não aplicamos as premissas básicas do SUS onde estão principalmente, a integralidade regulada baseada em ações de promoção (mexer com causas) proteção (mexer com riscos) e recuperação da saúde (mexer com agravos) – enquanto se gastar todo o dinheiro da saúde em recuperação continuaremos tendo muitas ações de recuperação a serem feitas; mexer na gestão e tornar o sistema mais eficiente, área complicada da saúde pública e privada que não se modernizou nos processos gerenciais e administrativos inclusive no uso massivo de processos de trabalho, rotinas e protocolos tudo informatizado; mexer na questão da corrupção endêmica na saúde, pública e privada, presente através dos governos, do complexo industrial-comercial e até mesmo de profissionais de saúde; finalmente mexer no baixo financiamento da saúde trazendo mais recursos.

– Quais são os próximos passos para aqueles que lutam pela melhoria da saúde pública no país?
Acho que os próximos passos para todos nós podem ser sintetizados no descrito acima e que denomino de Lei dos Cinco Mais: mais Brasil, mais saúde-sus; mais gestão-eficiência; mais honestidade e mais dinheiro. Para última luta nosso caminho agora é assinar o projeto de lei de iniciativa popular e cobrar as demais questões.

A revista “Médico das Gerais” é uma publicação da Associação Médica de MG – Conselho Regional de Minais Gerais e Sindicato dos Médicos de MG.