Hospitais particulares: máxima gentileza, mínima eficiência
Por Christiane Marcondes – Portal Vermelho – 24/7/12
Um amigo meu costumava fazer essa proposta brincalhona — “máxima gentileza, mínima eficiência” — quando deparava com clientes difíceis e mau-humorados na área em que atuava: comunicação. Dava certo e ninguém morria. Já em hospitais, pode ser perigoso adotar a mesma sistemática e, no entanto, foi isso que observei recentemente em uma saga que fiz por hospitais particulares.
É nítido o excelente treinamento dos funcionários, mas é triste perceber que ele encobre desde a dificuldade de atender à demanda – filas de pessoas que assustam com suas fisionomias desconsoladas– até a incompetência no diagnóstico.
Ouvir mais o paciente durante a consulta, regra que os extintos médicos de família adotavam, é impossível, então, o jeito é fazer exames. E o paciente como cobaia vai de cubículo a cubículo. Os que chegam primeiro ganham o privilégio de se sentar nas escassas cadeiras enquanto muitos outros ficam horas em pé, abandonados como mobília velha a não ser que alguém desmaie ou se enfureça e acabe com a inércia da nossa conhecida obediência em massa.
Nesse cenário de filas nos corredores, os banheiros são muito requisitados, e eu me pego questionando: por que doentes e acompanhantes vão a um único banheiro? Muitas vezes, nem há banheiros exclusivos para homens e mulheres.
A rede de contaminação se agrava com o trânsito dos inquietos. Uma vez ultrapassada a primeira porta, que é a da triagem, muitos começam a circular à vontade. Os pobres atendentes e enfermeiros não podem assumir o papel de vigilantes, então o caos se instala.
No hospital que eu frequentei uma semana como acompanhante neste mês de julho, houve dias em que fui orientada a sair do local pela ala da pediatria depois de passar por áreas insalubres. Por que não saem todos pelo saguão central evitando novos contatos com doentes, sobretudo crianças?
Unidade de terapia intensiva
Finalmente a pessoa que eu estava acompanhando, diagnosticada como portadora de arritmia cardíaca, foi internada na Unidade de Terapia Intensiva. Até onde meu leigo conhecimento de ambiente hospitalar alcança, a unidade de Terapia Intensiva teria que ser instalada em espaço reservado. Anos atrás, quando visitei uma delas, havia sempre vidros separando um doente do outro e era através deles que os familiares se comunicavam com o doente.
Nesse hospital em questão, a UTI é um grande salão com leitos separados por portas divisórias que nem chegam ao teto e ficam sempre abertas. Para chegar ao destino final, o meu familiar passou com maca primeiramente por uma UTI de doenças respiratórias – havia pessoas com máscaras quando atravessei esse saguão — e depois finalmente atravessou outra porta para alcançar a unidade cardiológica.
Se você tiver um mínimo de senso crítico, como eu, se fará nova pergunta: não é melhor poupar os cardíacos do contato com moléstias contagiosas?
Sim, mas não há espaço, não há dinheiro para reformas, não há equipe suficiente na maioria dos hospitais da rede privada.
Confraternização de bactérias
O cenário da UTI piora na hora da chegada da família para a meia hora de visita, que se estende por quase duas horas em função de haver um só médico que percorre todos os leitos dando “o boletim diário” de cada interno.
No dia em que visitei a UTI, lotada de gente com suas bolsas, celulares, espirros e tosses, havia uma senhora que foi “ressuscitada” pela equipe. Extraordinário, os médicos são bons, mas não era o caso de isolá-la? Ignorância minha ou uma mulher com gravíssimo problema de saúde poderia sucumbir a uma gripe forte nessa fase de lenta recuperação?
Na minha imaginação, bactérias circulavam de lá para cá e o que eu mais queria era tirar meu parente adoentado de lá. Mas não, há sempre mais exames a serem feitos mesmo que ele tenha recebido alta na UTI.
Um dos motivos alegados para a permanência: ele tem um rim de tamanho menor que o normal. Achei que o médico subestimou minha inteligência. Retruquei: “Mas isso é congênito, não é?”.
Sim, o médico confirmou com a cabeça. Pois se ele nasceu com esse rim diminuto e nunca teve nenhum problema, então por que manter o paciente mais 48 horas naquele ambiente, dali por diante no quarto?
Tenho dois palpites: o primeiro é que as filas para os exames são tão grandes que eles precisam de um número igualmente grande de horas para poderem encaixar os pacientes.
O segundo é que pode haver uma orientação para indicar exames e internações com o propósito de aumentar a folha de pagamento dos convênios. Aqui me sinto a própria Julia Roberts no filme “Teoria da Conspiração”. Exagerei? Talvez, mas em sistema econômico que se rege pelo capital e não pelo humano, justo e ético, tudo é possível.
Levei minha questão ao Dr. Mario Scheffer, professor do Departamento de Medicina da USP e coordenador da pesquisa Demografia Médica no Brasil (2011). Ele foi curto e claro na resposta: “Se os hospitais estão fazendo mais exames para obterem mais dinheiro é uma informação que não tenho, porque focamos a desproporcionalidade do número de usuários em relação à expansão da rede”, garantiu.
Já é um bom começo trabalhar contra essa desproporção. Agora é torcer para que o Brasil pegue o rumo certo na encruzilhada da saúde senão o país que está comemorando o envelhecimento da população terá que lamentar a perda da qualidade de vida do idoso. E o enriquecimento do mercado de planos de saúde e home care.
Fonte: Portal Vermelho