Bons negócios, sim, mas e a sociedade?
Por Carlos Octávio Ocké-Reis (O Globo)
A gigante americana UnitedHealth Group comprou a maior operadora de planos de saúde brasileira por R$ 10 bilhões. Os negócios vão muito bem, mas até onde vai esse mercado? Uma vez americanizado o nosso sistema de saúde, mais exacerbada será sua segmentação, privatização e terceirização. Consolidaremos o modelo do managed care , criticado hoje nos EUA?
Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Lei 9.956/98, zelar pela defesa do consumidor e pela concorrência regulada, na tentativa de reestruturar o mercado, visando à redução das práticas oligopolistas e à eliminação dos abusos econômicos.
Uma vez que as ações e os serviços de saúde são definidos como relevância pública na Constituição, a Agência foi desenhada para ser orientada em defesa do interesse público, seguindo, à sua maneira, a tradição das legislações antitruste. Nessa linha, são atribuições do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – a análise, o julgamento de fusões e aquisições e as ações de prevenção e de repressão às infrações contra a ordem econômica.
A regulamentação do mercado de planos de saúde pode, assim, contar com instrumentos de defesa da concorrência e com próprio o Código de Defesa do Consumidor. Mas as normas acabaram determinando mudanças substantivas na estrutura do mercado, dentre as quais a concentração, a centralização e a internacionalização das operadoras, e não existe consenso acerca dos possíveis efeitos colaterais desse fenômeno. Há quem analise que, em certos ambientes regulatórios, a existência de extenso número de usuários na carteira dos planos de saúde garantiria melhor atendimento, cobertura e preço.
No caso brasileiro, ao contrário, suspeita-se que a influência dos oligopólios comprometa o custo e a qualidade da atenção médica privada; aumente o gasto dos empregadores com salários indiretos; reduza o nível de investimento na rede; promova a adoção de práticas gerenciais de ajustamento de risco – que acabam prejudicando a cobertura de doentes crônicos e idosos. Pior: amplie os escandalosos subsídios federais (renúncia de arrecadação fiscal), que subtraem os recursos da saúde e concentram renda.
Embora a aquisição da Amil pela United tenha sido aprovada pela ANS, o Ministério da Saúde deveria avaliar melhor os impactos da internacionalização sobre a concorrência e os consumidores. Deveria arguir a constitucionalidade dessa medida, uma vez que a decisão da Advocacia-Geral da União não é definitiva. O artigo 199 da Constituição, afinal, virou letra morta? Realmente faria mais sentido para o SUS que esse setor fosse organizado a partir do regime de concessão, a exemplo do setor elétrico.
Obama tentou convencer os EUA sobre a necessidade de se criar um seguro público para competir com os planos privados. Parece que as autoridades brasileiras não entenderam o recado: o Estado seria um parceiro mais confiável e previsível da sociedade do que o poderoso mercado de planos – para incrementar a qualidade e ampliar o acesso do sistema de saúde.
Carlos Octávio Ocké-Reis é economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)