Dia mundial sem tabaco: o Brasil e o mundo

campanha-anti-tabagismo1Por Luís Bernardo Delgado Bieber, Diretor-Executivo do Cebes

Este texto deveria ter sido escrito e publicado há mais tempo, há quase seis meses, por ocasião do dia mundial sem tabaco, marcado para 31 de maio de cada ano. Mas, como o assunto não foi tratado na ocasião, conviria mais esperar outro momento em que o assunto se tornasse oportuno. E essa ocasião é justamente esta semana, em que se realiza, entre 11 e 17 de novembro de 2012, em Seoul, na Coréia do Sul, a COP 5 – 5 ª Conferência dos Estados-Parte da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Framework Convention on Tobacco Control – FCTC).

Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs que o dia mundial sem tabaco tivesse por tema a interferência da indústria do tabaco (Tobacco Industry Interference). Tratava-se de apontar as influências desse setor na vida das populações sob o aspecto cultural, na produção científica, na pauta da imprensa, mas, sobretudo, certamente na atuação regulatória dos Estados.

Estranhamente, o Brasil, que ocupou posição de destaque e liderança internacional no âmbito da Convenção-Quadro e das políticas para o controle do tabaco, não adotou, em seu território, o tema mundialmente estabelecido. Não houve, em 2012, qualquer referência à influência da indústria do tabaco sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo país. Como se no Brasil não houvesse lobby por parte desse setor para influenciar o desenvolvimento das ações governamentais! Ou pior, como se a tentativa de influenciar suas políticas não fosse um problema para o país, fosse algo a que o Brasil estivesse imune.

No Brasil, optou-se por falar que o ato de fumar tanto faz mal para o fumante quanto para o planeta, que o cigarro (assim como os outros produtos derivados do tabaco) não combina com a saúde do planeta, nem com a do fumante.

Em 2012, o Brasil sedou, mais uma vez no Rio de Janeiro, uma Conferência das Nações Unidas para tratar da questão ambiental (Rio +20). O tema desenvolvido no país sobre o dia mundial sem tabaco busca, de maneira bastante evidente, unir a questão do vício individual de fumar com o grande tema ambiental que estava para ser discutido em poucas semanas no Brasil, pela uso da metáfora que aproxima a “saúde do indivíduo” da “saúde do planeta”. (Não se pode deixar de reconhecer que o dia mundial sem tabaco, 31 de maio, antecedeu em poucas semanas a realização da Conferência Rio +20, que ocorreu na segunda quinzena de junho de 2012.)

Não se quer aqui, nem de longe, afirmar uma menor relevância para a questão ambiental, sobre a qual, aliás, o CEBES já marcou o seu posicionamento. Mas se o fracasso da Rio +20 já de há muito se podia vislumbrar, certamente não seria a campanha do dia mundial sem tabaco que iria por o trem da Conferência ambiental de volta nos trilhos. Não apenas não se deu maior visibilidade ao tema no Brasil, como se perdeu a oportunidade de, seguindo os outros países signatários da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, apontar que a indústria do tabaco tem por estratégia tentar influir nas ações governamentais e na vida das sociedades, para garantir os seus lucros de correntes do livre exercício de suicidar-se lentamente pelo fumo.

Sob qualquer perspectiva, e em especial para a saúde pública, é importante observar que a indústria do cigarro não traz qualquer benefício ao fumante e, inclusive, ao país (a questão fiscal, relativa ao recolhimento de impostos pela indústria tabageira, é de enorme complexidade e não caberia nesta breve análise). O cigarro – assim como os outros produtos derivados do tabaco –, como diz o ex-Ministro da Saúde José Agenor Álvares da Silva, é o único produto que, se utilizado exatamente de acordo com as instruções do seu fabricante, mata o seu usuário.

Trata-se, portanto, de um setor produtivo que não tem o mais mínimo benefício para a sociedade, mas apenas prejuízos, não apenas para os fumantes (ativos e passivos), para a sociedade como um todo que se vê obrigada a arcar com as despesas decorrentes dos custos de tratamento com os pacientes acometidos por várias doenças decorrentes do (mau-) hábito de fumar (e aqui, também, apenas de passagem, registre-se que não se quer culpabilizar o paciente, que é uma pessoa doente que precisa de tratamento e apoio, mas apontar para o anacronismo e a verdadeira impossibilidade ética de um setor econômico que descaradamente aufere lucros com o adoecimento e a morte das pessoas). Tanto assim que a própria Convenção-Quadro estabelece com clareza em seu artigo 5.3 que os interesses da indústria do tabaco e os da saúde pública são definitivamente inconciliáveis.

Enfim, ao submeter o tema da agenda mundial para o controle do tabaco às vicissitudes da agenda política interna, ainda que decorrentes do esforço de conferir visibilidade a um tema ainda maior (a questão ambiental), o Brasil perdeu a oportunidade de acompanhar os demais países numa conjuntura extremamente favorável a apontar a estratégia lobista da indústria do tabaco junto ao Estado e à sociedade, uma vez que o tema da interferência desse setor nos países já estava dado pela própria OMS. Contudo, mais do que isso, o Brasil, com sua postura, não deixou de sinalizar para o restante do mundo que ele mesmo tem encontrado dificuldade em resistir ao forte lobby da indústria do cigarro.

Infelizmente, porém, a credibilidade do Brasil, construída ao longo dos últimos anos, é algo que levou muito tempo para ser construída e que pode ser destruída em instantes. Agora resta apenas esperar que a COP 5 possa representar, se não um momento de recuperação da credibilidade da atuação do Brasil, no cenário mundial do controle do tabaco, a ocasião de confissão de sua derrota perante essa indústria.