Novos desafios para a participação social na Saúde do Trabalhador

imagesEnsaio de Heleno Rodrigues Corrêa Filho

Inicialmente faço a ressalva de que pessoas de outros países e mesmo brasileiros que estudaram história e ciências sociais estranham o termo “Controle Social” utilizado no SUS como sinalizador da potencialidade do cidadão controlar o estado. Essa expressão teve uso corrente durante a 2a Grande Guerra Mundial como proposta nazi-fascista de que o estado controlaria os cidadãos e, portanto o estado faria o “Controle Social”. Tem sido muito difícil neutralizar essa estranheza ao explicar o SUS e a Saúde do Trabalhador para estudiosos de fora das áreas da saúde.

A ST depende nos anos após a 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador em 2005 da organização da representação popular nos Conselhos de Saúde e principalmente da atuação sindical unitária, por meio de suas Centrais Sindicais, nos corpos de representação direta e democracia participativa intersetoriais que lidam com o campo.

Essa evolução histórica da ST se dá em um ambiente político que tensiona as relações capital e trabalho para além dos arranjos que estavam em vigor até o final do século XX. A passagem da primeira década do século XXI encontra os brasileiros imersos em um conflito social interno ao país. Se por um lado existe um intenso avanço político da organização popular e dos mecanismos representativos estimulados pelos governos após 2003, por outro lado a crise econômica internacional e os agentes financeiros internos pressionam o estado por contrair políticas públicas de direitos sociais.

Fora do crescimento macroeconômico que o Brasil conseguiu manter entre 2003 e 2012, o Estado Brasileiro tem retirado financiamento da Saúde Pública por pressões de lobbies bem sucedidos sobre o Congresso Nacional e sobre os poderes Executivo e Judiciário. Os programas sociais sofrem pressões por contração de recursos humanos, financeiros e de infraestrutura com forte pressão para que a antiga ordem neoliberal da privatização, terceirização e financeirização prevaleça.

Existe, portanto uma dualidade conflituosa percorrendo as pressões populares para ampliar cobertura dos serviços de saúde e dos direitos sociais com equidade, quando a língua falada pela mídia corporativa e global é pela pressão política para extinguir direitos sob a hipótese da ‘igualdade de oportunidades’ destinando os mais fracos ao poço da ausência da capacidade de consumo.

Por outro lado o Brasil tem aprofundado relações internacionais que sustentaram o crescimento macroeconômico reforçando laços com os países não alinhados à potência econômica dos EUA, em particular da Europa, do Oriente Médio, do Sul do Equador e da América do Sul. O grupo do Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul (BRICS) e o grupo MERCOSUL (Brasil-Argentina-Bolívia-Peru-Equador-Venezuela) são exemplos de diplomacia econômica progressiva e não alinhada que garantiu independência para não sucumbir o país à crise decretada pelo Banco Central Europeu e pelo FMI na Zona Europeia do Euro.

Se por um lado o Brasil é forte nas relações multilaterais, os tratados são ainda fracos e sujeitos a manobras diplomáticas e militares de sabotagem e criação de barreiras comerciais pelos grandes bancos e suas corporações internacionais. O cenário internacional é de crise, o da economia nacional é de resistência, e o dos trabalhadores é de intensas perdas de direitos de longo prazo nos campos trabalhista, previdenciário e social.

rasileiros migraram intensamente para fora do país desde a crise econômica de 1982 até 2004. O fluxo migratório se inverteu após aprofundamento da crise econômica de 2008 com desemprego em massa nos EUA e na Europa.

Com a descoberta de reservas petrolíferas na plataforma continental brasileira de ordem equivalente às do Iraque ocupado e em guerra, associada com o crescimento forte dos empregos nos setores de serviços, construção civil e setor primário, os trabalhadores internacionais passaram a buscar refúgio e novas oportunidades no mercado de trabalho brasileiro.

As leis brasileiras em vigor até 2012 são de franco apoio à circulação de capitais desregulados que foram aprofundadas no período 1992-2003. Também em 2012 o Congresso Nacional Brasileiro discute reformulação do Código Penal criando apreensão entre os defensores dos direitos de livre trânsito dos trabalhadores com garantias de direitos sociais nos países vizinhos, especialmente os que esperam a abertura de fronteiras do MERCOSUL e possivelmente da UNASUL.

Representantes de entidades de proteção aos migrantes reclamaram da criminalização com penalização imposta aos migrantes que sejam apreendidos trabalhando no Brasil pelo novo Código Penal ainda não aprovado no Congresso, mas em franco processo de preparação. O capítulo décimo quinto (15º) inteiro se dedica a copiar regras de legislação da época da ditadura brasileira contra migrantes considerados adversários políticos somando-as com o que existe de discriminatório e o pior das leis europeias e norte-americanas. O novo código penal persegue migrantes, combate o livre direito de migração, criminaliza e institui a obrigação da delação para os cidadãos nacionais, o que significa incorporação de conceitos ditatoriais. É o que existe de pior em proposta de legislação contra trabalhadores internacionais, fugitivos sociais e migrantes por opção, sendo elaborada por consenso retrógrado no Congresso do Brasil do século XXI. Reforçaram o conhecimento de que as principais forças motoras dos movimentos migratórios são a opressão pela pobreza, pela fome, pelo trabalho indigno, e pela repressão aos direitos de organização popular.

Sobre migrantes brasileiros reclamou-se que eles não podem votar e eleger seus representantes para Câmara e Senado. Igualmente os migrantes não podem votar no Brasil. Alterar essa injustiça contra direitos sociais significaria emendar a Constituição Brasileira de maneira a reconhecer os direitos dos emigrantes bem como dos imigrantes.

A Conjuntura Internacional
O mundo produtivo dos países ricos em capital financeiro e capital industrial atravessa um ciclo destruidor da capacidade produtiva acumulada para elevar margens de lucro e concentrar riqueza.
Todos os continentes atravessam a eclosão de guerras locais e de alta intensidade, genocídios para além das minorias, desemprego, retirada de direitos, repressão à migração, expatriação do poder decisório dos governos nacionais.

O modelo político predominante é o da prioridade de pagamento de dívidas com os grandes bancos em prejuízo das garantias de emprego e de vida. As corporações financeiras ameaçam com migração internacional de capitais os países que se recusem a submeter suas populações aos desejos de concentração financeira. Em vários países as corporações manobram a imprensa e judiciário para derrubar governos legítimos sem as aparências dos golpes de estado protagonizado por forças militares. A direita renasce das cinzas da democracia.

Os países centrais tentam asfixiar os países que tentam se insubordinar impondo bloqueios militares e “acordos bilaterais” por fora das Organizações e dos Pactos de blocos Multilaterais.

O modelo econômico predominante é o de governos nacionais de coalizão partidária fraca de centro ou centro esquerda são asfixiados pela luta econômica nos mercados desregulados.

O Brasil em particular busca resistir às pressões das finanças internacionais e dos grupos rentistas de dentro do país. O comércio brasileiro se fixou no cenário internacional como exportador de commodities animais (carne), vegetais (agroenergia), minerais (minérios de baixo e altíssimo valor), e armas (fuzis, bombas de fragmentação, tecnologias de repressão em massa). Ao exportar commodities como item principal de sua balança comercial externa passa a exportar indiretamente a água potável limpa e os recursos energéticos de que o país dispõe. São esses os bens mais escassos fora do Brasil que estamos sendo forçados e vender de forma barata e não planejada, deixando o país seco, sujo, esburacado e sem planos sociais para as futuras gerações.

A pressão dos capitais internacionais que buscam lucro rápido pressionam a infraestrutura da produção econômica nacional pela deterioração social das garantias de vida e de saúde. A nova produção tem como fonte a ser consumida e esgotada: _ Águas limpas e potáveis; Energia Suja; Terras férteis e com biodiversidade; Etnias e minorias. Todos os danos são considerados “males necessários” (palavras de Juiz do STF; de representantes do agronegócio; de representantes dos agrotóxicos, que chegam a parecer que sejam uma só pessoa).

A tentativa de RESISTIR dos Governos dos BRICS e de acordos multilaterais não alinhados com as grandes potências como o MERCOSUL e a UNASUL busca criar infraestrutura produtiva por meio do estímulo à atividade econômica interna, sem, no entanto mudar a essência do modelo internacional imposto.
Uma das opções dos governos para resistir às pressões da banca financeira e aos golpes de imprensa e judiciário é fazer pactos desenvolvimentistas internos, no caso do Brasil, o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, associado com programas sociais de remediação das grandes iniquidades como a fome e a miséria absoluta.

Esses pactos tem o retorno em forma de gatilho com obrigações privatizantes impostas por grandes capitais bancários, de empreiteiras, e mesmo do crime organizado, que DETERIORAM O CONTROLE DIRETO por parte da sociedade. Apesar de leis como a lei 12.527/2011 de Acesso à Informação Pública, a rigor não existe transparência econômica, orçamentária, legislativa ou judicial nos aparelhos de estado. Os dados contábeis, de impostos, de número de empregos, de número de doentes, de custo, duração e gravidade dos benefícios por doença são ainda considerados SEGREDO. A propriedade do SEGREDO é PRIVADA e não social.

A “compra desse pacto de apoio” dos empresários ‘Nacionais’ se dá por retenção, concentração e privatização dos financiamentos sociais em Saúde, Educação, Habitação, Saneamento, Polícia e Justiça. Tudo se privatiza. Tudo se vende. Tudo foge à participação e controle da sociedade.

O apoio minoritário para o desenvolvimento de base nacional sobrevive com dificuldades, ou diminui gradualmente para: Infraestrutura microempresarial; Cisternas; Reciclagem; Agricultura familiar; Agricultura urbana; Construção de moradias por mutirões sociais; turismo ecológico. O que resta é resíduo para apoio social não participativo direto.

Vivemos época de intensa propaganda antisindical, antipartidária, antipolítica, e antissocial. A propaganda, no sentido de marketing exclusivo político centralizado monopoliza a discussão nos meios de comunicação de massa.

Perseguem-se migrantes; cria-se Apartheid social dentro de nossas metrópoles urbanas e nas fronteiras nacionais; criam-se Agências Reguladoras que nascem como moscas sobre o cadáver do estado; privatizam-se presídios, polícias e justiça. Reprime-se e criminaliza-se a sindicalização, a filiação partidária popular (a de direita não).

A palavra de ordem para retirar direitos é TERCEIRIZAR, SUBCONTRATAR, E TRIPARTIZAR.

O Tripartismo é forma de manietar os organismos participativos para bloquear decisões de estado com poderes de veto. Tem função semelhante à da Comissão de Segurança da ONU. Nunca resolve por que sempre alguém veta. Confunde-se tripartismo de participação e aconselhamento com o tripartismo da decisão deliberativa da democracia participativa direta. O voto do representante do dinheiro é colocado no mesmo nível do voto do trabalhador e do popular que elege alguém para o executivo.

As normas oficiais que deveriam defender os trabalhadores contra exposições que adoecem e matam são submetidas a contas de risco epidemiológico. Mede-se o risco que vão correr os outros e impõe-se a eles os danos. Quem quantifica o risco tem como princípio: _ “Eu calculo e você se expõe” utilizando infindável “sopa de letrinhas” sempre renovada como os TLVs, NOEL, VRO, e outras siglas.

Para se opor à reivindicação direta dos sindicatos e das Centrais Sindicais discutem causa das doenças. São representantes que têm plena consciência das limitações filosóficas e científicas do conceito de causa e sabem que: _ A causalidade nunca pode ser provada no indivíduo. Ela é sempre probabilística. Mesmo assim deformam os currículos de novos especialistas, emperram a lei e os benefícios. Judicializam a saúde e os direitos.

A AGENDA POSITIVA para a PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA SAÚDE E NA SOCIEDADE
Os movimentos sociais, especialmente os trabalhadores, por meio dos sindicatos e das Centrais Sindicais, e dos representantes dos trabalhadores nos Conselhos criados no Brasil têm alternativas para defender a saúde e a vida. Pode-se discutir uma agenda positiva para não ficar a reboque da maré internacional dominante.

A alternativa social à subordinação e agenda dos governos do MERCOSUL, da UNASUL e dos BRICS reforça o princípio de relações internacionais de que a multilateralidade se impõe para evitar pactos bilaterais ou assimétricos entre senhores e escravos. Devemos reforçar os direitos sociais, educacionais e à saúde nas fronteiras e para todos os migrantes.

No âmbito dos países do MERCOCUL pode-se propor que seja criado um Fundo Multilateral de Proteção à Cidadania – FMPC, com contribuição obrigatória equivalente a um milésimo de todos os recursos circulantes em espécie, títulos bancários, faturas, warrants e debêntures relativos ao comércio dentro do bloco do MERCOSUL. A taxação seria destinada a construir a assistência aos trabalhadores e aos migrantes em suas necessidades extranacionais dentro dos requisitos estipulados para garantias sociais entre os países membros.

No âmbito nacional é possível criar um SUPERFUNDO alimentado pelas multas e impostos pagos por corporações poluidoras. É possível utilizar esse recurso para realizar pesquisas de modelos industriais alternativos, acompanhamento e avaliação de efetividade, controle ambiental e da saúde do trabalhador e das populações ao redor dos empreendimentos. Isso possibilitaria desenvolver formas alternativas de energia eólica, solar, microgeração energética hídrica, energia de marés, SEM INCINERAR LIXO. Além disso, seria possível utilizar 10% dos dois fundos em território nacional brasileiro para financiar a SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS. (FMPC e SUPERFUNDO)

Uma DIRETRIZ GERAL para o reforço ao SUS e dentro dele das estratégias de Saúde do Trabalhador seria aplicar o princípio da transparência dos dados públicos das grandes bases governamentais. Para isso é necessário ACABAR COM O SEGREDO CRIMINOSO SOBRE OS DADOS DE VIDA E MORTE DOS TRABALHADORES. Precisamos colocar nas mãos dos gestores governamentais federais, estaduais e municipais, os dados individuais identificados de todos os trabalhadores e de todas as empresas com CPF e CNPJ por CEP – Código de Endereçamento Postal. Devemos obrigar ao segredo de proteção das pessoas, mas também obrigar a analisar as informações sobre os dados do CAGED, RAIS, SUB, CNIS, FAP e outros como micro dados para pesquisas sindicais, por editais públicos de pesquisa e financiamento por órgãos e fundações de governo para a pesquisa científica. É necessário retirar o segredo que impede de funcionar a administração pública.

Essas iniciativas de reforço ao aparelho público de saúde e vigilância à saúde possibilitariam desenvolver programas desconcentradores de renda como:

– Reforçar as Vigilâncias em Saúde nas suas estratégias de Saúde do Trabalhador em todos os setores produtivos e novos empreendimentos;
– Reafirmar a construção de cisternas e habitações populares por mutirões sociais com controle local para securitizar financiamentos. Pobre paga em dia. Rico dá calote;
– Ampliar o PRONAF (Programa Nacional de Agricultura Familiar);
– Desenvolver a renovação do parque industrial com equipamentos nacionais produzidos pelas indústrias de base e de máquinas produtoras com NOVAS REGRAS sanitárias e ergonômicas;
– Promover a indústria química mais limpa ou com menor poluição;
– Regulamentar devidamente os decretos não emitidos para tornar leis as obrigações internacionais das – Resoluções como a OIT_151;
– Controlar o processo e a qualidade dos programas de defesa da saúde e da vida por meio de Comitês de Saúde formados por de representantes dos trabalhadores por BASE PRODUTIVA. Esses comitês poderiam substituir, mitigar, ou remediar exposições ambientais da população geral e de trabalhadores. Poderiam combater a aceitação de níveis de exposição quantificáveis como algo natural, e influir para retirar a ideia de exposição aceitável das normas oficiais quando for conhecido qualquer risco de adoecimento.

Todas essas ações sintetizam as possibilidades de uma agenda positiva que pode crescer com estímulos das relações econômicas com garantias sociais aos trabalhadores em acordos multilaterais para resistir à crise, à miséria e á exploração financeira dos acordos econômicos bilaterais com os países centrais. Os maiores interessados serão os trabalhadores. Os maiores beneficiários o povo e a paz.

Referências:

1.BRASIL – PRESIDENCIA DA REPUBLICA. Decreto 7.602 de 7/Nov/2011 – Dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST. Sect. I – p.9-10 (2011): Available from: http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=9&data=08/11/2011 ; http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7602.htm;

2. BRASIL – Ministério da Saúde. Portaria Ministerial 1.823 de 23/Agosto/2012 – Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, (2012): Available from: http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=24/08/2012&jornal=1&pagina=46&totalArquivos=240 ;

3.BRASIL _ PLANSAT _ Comissão Tripartite de Saúde e Segurança do Trabalho (TST; MTe; MPS; MS; Centrais; Patrões) http://www.mpas.gov.br/media/office/1_120910-095526-636.pdf ; http://renastonline.org/sites/default/files/media/paginas/APRESE~2.PDF ; http://portal.mte.gov.br/geral/plano-nacional-de-seguranca-e-saude-no-trabalho-plansat.htm ; http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2012/02_mai_controle_social_estrategia.html.

Ensaio apresentado em 21/11/2012 no IV Encontro Nacional das Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador – CISTs – Centro de Convenções Brasil21.