20 anos de SUS em debate
Promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), o Seminário Internacional Políticas de Saúde e Proteção Social tratou no primeiro dia de debate (11/3) das políticas sociais e de saúde no Brasil nos 20 anos depois da Constituição de 1988. Participaram da mesa três especialistas da área: a presidente do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), Sônia Fleury, que abordou a Reforma Sanitária brasileira; Jairnilson Paim, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, que fez um balanço dos 20 anos do SUS; e o pesquisador Nilson do Rosário Costa, do Departamento de Ciências Sociais da Ensp, que tratou das regras institucionais e da inovação do sistema de proteção brasileiro.
Para Sônia Fleury, a Reforma Sanitária nunca foi um projeto acadêmico, e sim um projeto de transformação social. Ela contou como se deu a trajetória da Reforma e como foi construído esse sujeito político:”Esse sujeito se situava politicamente na esquerda na luta contra o regime, e essa luta não foi travada apenas externamente ao Estado, mas também dentro dele”. O Estado, explicou, deixa de ser visto apenas como inimigo e é tomado como um campo de batalha. “O Estado sempre foi extremamente importante na construção da sociabilidade do Brasil. Então, como fazer o movimento de estar neste Estado da ditadura que nos reprimia e, ao mesmo tempo, operá-lo para inserir progressivamente os interesses que estavam sendo reprimidos?”, questinou para quem esse foi o um grande dilema. “Mas seguimos em frente e ocupamos espaço”, comentou.
Sônia lembrou que, ao propor um sistema igualitário e solidário, o projeto da Reforma ia na contramão não apenas da ditadura, mas também da sociedade brasileira. “Não era uma luta conjuntural contra a ditadura, mas uma luta pela transformação radical da sociedade brasileira”, analisou. “Não tínhamos sequer a classe trabalhadora ao nosso lado. Não sei se conseguiremos ainda, mas a luta está em curso”, garantiu.
Para Jairnilson Paim, o SUS é a maior política pública nascida da sociedade e que conseguiu chegar ao Estado. Ele traçou um panorama sobre a constituição do SUS, seus princípios, diretrizes e problemas. “O SUS é universal, descentralizado e democrático, mas a Reforma Sanitária não se reduz a ele”, citou. A Reforma, mostrou, transcende ao limite de uma reforma administrativa e financeira, alterando diversos segmentos e mexendo com toda a sociedade. em sua análise, com o SUS, a saúde foi construída como direito social e de cidadania, com uma assistência integral e gratuita. “Hoje, o financiamento é um dos grandes nós críticos desse sistema, mas o que chama a atenção é o grande gasto privado em saúde”, disse. Jairnilson acredita que a implantação do SUS transita entre três pontos: o “SUS real”, que é refém da área econômica e do clientelismo político; o “SUS legal”, da Constituição e da Lei Orgânica da Saúde; e o “SUS democrático”, elaborado no projeto da Reforma Sanitária brasileira.
Último palestrante, Nilson do Rosário Costa provocou a platéia com uma série de indagações a respeito das regras institucionais e da inovação no sistema de proteção brasileiro das décadas de 1990 e 2000. Antes das respostas, ele afirmou que o SUS não é um projeto apenas de intelectuais: “Ele estabeleceu coalizões e parcerias interessantíssimas”, apontou.
Para o pesquisador, os gastos sociais do Brasil cresceram e são ocupados principalmente pela previdência social. Entre as explicações para este fato, salientou, estão a combinação de ajuste com aumento da carga fiscal global do setor público nos últimos 20 anos e o tamanho da carga fiscal brasileira comparada ao déficit social do país. “Os resultados sociais são controversos, porém existem indicativos sobre a redução da pobreza e desigualdade com a ampliação de programas sociais do governo, como o Bolsa Família, associados ao crescimento do emprego na economia em crescimento”, acrescentou. Ele deixou alguns questionamentos para análise: “É possível viver um estado de bem-estar social em uma economia periférica sem ruptura no modelo de desenvolvimento? Devemos insistir na estratégia de step by step de longo prazo?”
No encerramento das atividades, foi lançado o livro “Política e Sistemas de Saúde no Brasil”, co-edição Cebes e Editora Fiocruz. Cinco organizadores da publicação estavam presentes: Antônio Ivo de Carvalho, diretor da ENSP; Lígia Giovanella e Sarah Escorel, do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps/ENSP); Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato, do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Federal Fluminense e diretora do Cebes; e José Carvalho de Noronha, membro do Grupo de Peritos da Organização Mundial de Saúde sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual e pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tenológica.
Os áudios das apresentações estão disponíveis em www4.ensp.fiocruz.br/biblioteca
Fonte: Esnp/Fiocruz, 12/3/09