Organização Muncial da Saúde escolhe o Brasil como fórum mundial de debates

Data:18/10/2011

Paloma Oliveto, Correio Brasiliense

Promover a saúde por meio da melhoria dos indicadores sociais poderá virar obrigação internacional, e o primeiro passo para isso será dado amanhã, no Rio de Janeiro. A capital fluminense vai sediar, até sexta-feira, a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, com a presença de chefes de Estado e representantes de mais de 80 países. A expectativa do Brasil é que, no encontro, seja formulado o esboço de um tratado, ou seja, um texto que, se aprovado, obrigue judicialmente os países signatários a cumprir as metas estabelecidas. Esse documento pode ser discutido na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, em maio.

O momento é definido como histórico por Paulo Buss, ex-presidente da Fiocruz e atual diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da fundação. “No Rio de Janeiro, teremos uma declaração, um documento político, que significará um pacto em nome do desenvolvimento ético e sustentável”, diz (leia entrevista). “Não queremos que o documento vire letra morta. A ideia é chegar à assembleia de maio já com ações que levem à elaboração de um tratado internacional.” Segundo Buss, é possível que o acordo vinculante saia em um futuro próximo — ele aposta em seis anos.

O conceito de determinantes sociais foi lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2005, quando o órgão das Nações Unidas criou uma comissão para discutir como políticas públicas voltadas à distribuição de renda, à universalização do ensino e ao saneamento básico, entre outras questões, poderiam impactar na saúde da população. Diversas pesquisas comprovam a relação entre indicadores sociais e redução de doenças e índices de mortalidade. Sabe-se, por exemplo, que, quanto maior a escolaridade materna, menor o risco de a criança morrer antes dos 5 anos de idade. Da mesma forma, países com saneamento básico precário são aqueles com maior incidência de doenças infecciosas.

De acordo com Buss, os determinantes sociais partem do princípio de que saúde não é apenas uma questão biológica, mas integra uma cadeia mais complexa do que se possa imaginar. Ele cita, como exemplo, o papel da Organização Mundial do Comércio no bem-estar da população. “Em nome das patentes, muitos remédios se tornam inacessíveis às pessoas. Milhares de mortes desnecessárias ocorrem no mundo todo por causa da hegemonia das patentes”, argumenta.

Ele cita a questão da água como exemplo dos efeitos negativos dessa postura empresarial excludente. “A água é um comércio. Está na mão de algumas distribuidoras que dizem não cobrar pelo produto, mas pelo transporte. Se não mudarmos a ética das relações humanas, continuando a querer crescer a qualquer custo, jamais vamos melhorar a saúde da população. São questões difíceis de ‘desembolar’, mas que podem ser resolvidas”, acredita.

Comissão

Seguindo o exemplo da OMS, o Brasil foi o primeiro país a criar uma Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais, em 2006, presidido, à época, por Buss. A iniciativa foi elogiada pelas Nações Unidas e, apesar de todos os problemas conhecidos da saúde pública brasileira — falta de médicos, hospitais lotados, profissionais mal remunerados e atendimento precário, entre outros —, o país tem sido constantemente citado como exemplo nessa área. Em maio, a prestigiada revista médica britânica The Lancet publicou uma edição totalmente dedicada ao Brasil, na qual especialistas avaliaram o Sistema Único de Saúde, concluindo que alguns progressos, como a redução de doenças infecciosas, foram um avanço “memorável na história da saúde da América do Sul”.

Os autores destacaram que, depois de décadas de mudanças nas políticas sociais, “incluindo a introdução de um sistema unificado de saúde para todos (o SUS), o Brasil também pode celebrar uma redução na mortalidade por doenças crônicas e imensos avanços em busca da melhoria da saúde materna e da criança”. Porém, eles também destacaram alguns desafios. “A Nação ainda encara problemas — incluindo algumas doenças infecciosas, como dengue e leishmaniose, o aumento da obesidade e um grande número de mortes causadas por assassinatos e acidentes de trânsito.”

Ao avaliar a edição da The Lancet, Ricardo Uauy, professor da Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres, afirma que, coletivamente, o país começou a enfrentar o desafio de melhorar a saúde de todos. A questão dos determinantes sociais é destacada por Uauy. “O Brasil mostrou que você precisa investir em capital humano e social para alcançar e sustentar um crescimento econômico.”

Ritmo saudável

A responsabilidade não está apenas na mão de governos. De acordo com Paulo Buss, os determinantes sociais também dependem de pequenas ações comunitárias, com envolvimento da população. Foi o que aconteceu em 50 comunidades carentes do Rio de Janeiro, onde adolescentes passaram de “causadores de problemas” a promotores da saúde, em um projeto batizado de Rap da Saúde. A experiência, idealizada pela médica Viviane Manso Castello Branco, ganhou um prêmio do Ministério da Saúde em junho passado.

A ideia de Viviane, coordenadora de políticas e ações intersetoriais da superintendência de promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio, era despertar nos jovens o protagonismo. “Às vezes, os jovens se surpreendem com eles mesmos”, conta. Capacitados para levar noções de saúde à população, seja em feiras ou nas ruas da comunidade, eles também participam de reuniões e aprendem a negociar. “O projeto leva habilidades para a própria vida. Muitos pais falam como esses adolescentes passaram a ter outra postura, a dar sugestões em casa em relação à alimentação e aos hábitos”, comemora a médica.

Com 120 inscritos no começo deste ano e planos para abrigar 200 em 2012, o projeto não pretende ficar apenas no Rio de Janeiro. “Sonhamos que, à medida que se perceba a qualidade do serviço desses jovens para a saúde pública, as equipes do Programa Saúde da Família comecem a ter uma dupla de adolescentes promotores do bem-estar.”