Porque o SUS perde com os subsídios na saúde
Alexandre Marinho e Carlos Octávio Ocké-Reis
Valor Econômico – 28/10/2011
O Sistema Único de Saúde (SUS) é um modelo público universal, mas o perfil do nosso gasto público em saúde é parecido com o dos Estados Unidos, que é baseado em seguros de saúde privados. Por isso, o gasto público brasileiro em saúde é, em termos percentuais, menor do que o canadense e o australiano, que se destacam pela intervenção ativa do Estado.
No Brasil, considerando o baixo nível do gasto público, não surpreende que a despesa com planos de saúde tenha sido tão elevada – 23,7%) do total. Em particular, chama a atenção a proporção do desembolso das famílias com serviços médicos e medicamentos (29,2%), que ficou acima do caso americano em 2008, que foi de 12,1%
Estamos falando de sistemas diferentes, porém uma coisa parece comum a todos eles: a presença de subsídios – incentivos governamentais – que acabam patrocinando a rentabilidade do mercado de serviços de saúde e acabam socializando os custos da reprodução e manutenção da força de trabalho com os empregadores.
Em 2010 os planos faturaram R$ 72,7 bi mas não financiaram mais do que 5% das TRS e 5% dos transplantes
Então, considerando o gasto significativo das famílias mencionadas acima, duas opções, não exclusivas, estão colocadas para o governo federal: ou melhoramos a regulação dos preços de planos, medicamentos e serviços médicos para aumentar o bem-estar da população, ou melhoramos a qualidade dos gastos destinados ao mix público e privado para tornar o sistema de saúde mais eficiente (melhor alocação) e equitativo (melhor distribuição).
E para melhorarmos essa qualidade devemos perguntar se os incentivos governamentais favorecem o subfinanciamento do SUS e a privatização do sistema, incentivando as famílias a comprar planos de saúde. Resumindo, os subsídios voltados para promover o consumo prejudicam o setor público?
1- os prestadores de serviços médico-hospitalares são estimulados a trabalhar para o sistema privado, que é mais lucrativo, reduzindo a disponibilidade da oferta de serviços públicos;
2- apenas cerca de 30% dos servidores de nível superior trabalham em horário integral. Isso reduz o comprometimento com o SUS e dificulta o planejamento dos serviços de saúde;
3 – os prestadores médico-hospitalares não são incentivados a reduzir as longas filas de espera nos serviços públicos, dado seu interesse, consciente ou não, em aumentar a demanda por serviços privados;
4 – os subsídios para o setor privado acabam aumentando, de uma maneira descontrolada, a procura global por serviços de saúde, duplicando muitas vezes a oferta de serviços;
5 – os doentes idosos e crônicos são, na prática, expulsos do mercado, quando mais precisam, devido aos preços elevados dos prêmios dos planos de saúde, e têm de ser atendidos pelo setor público;
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6 – os subsídios acabam determinando que os agentes privados – e não o governo – definam o montante total do gasto público em saúde;
7 – os receptores dos subsídios estão nos estratos superiores de renda, o que piora a regressividade tributária e o quadro de desiguladade em saúde no país.
A renúncia de arrecadação fiscal alcançou R$ 12,5 bilhões em 2006, magnitude equivalente a 30,6% do gasto público federal. Esse montante é superior aos R$ 7 bilhões, valor da estimativa de perda caso a regulamentação da Emenda Constitucional 29 fixe o gasto dos Estados com saúde com a exclusão do Fundeb.
A eliminação progressiva, ou o estabelecimento de um limite dos subsídios, parece uma alternativa crível para incremementar o financiamento do SUS. Vejamos o exemplo dos pacientes com insuficiência renal crônica (IRC).
Existem duas terapias mais ou menos substitutas para IRC: a terapia renal substitutiva (TRS) e os transplantes de rim.
As TRS custaram ao SUS, no ano de 2010, R$ 1,6 bilhão. A hemodiálise é a TRS mais frequente e cobre 70 mil brasileiros. Assim, a TRS possui o maior orçamento dentre os procedimentos ambulatoriais de média e alta complexidade, crescendo sua quantidade ao longo dos anos. Porém, apenas 10,3% dos 18.780 equipamentos de hemodiálise pertencem ao Estado Brasileiro, cabendo ao setor privado, contratado pelo SUS, 83,3% desses equipamentos. Consequentemente, o SUS paga 95% do custo total.
As TRS podem, em grande medida, ser substituídas por transplantes de rim, que oferecem melhor qualidade de vida para os transplantados e melhor custo-efetividade para a sociedade. Por lei, os ditos planos de saúde novos não podem excluir os transplantes de rim dos procedimentos oferecidos nos planos com internação hospitalar, mas, no ano de 2010, o SUS financiou, sem ressarcimento, 95% do custo total dos transplantes de rim (R$ 90 milhões) e dos transplantes de órgãos sólidos (R$ 1 bilhão).
A rigor, as institutições privadas lucrativas contratadas pelo SUS não têm interesse em colocar seus pacientes nas listas de transplantes, apesar do tempo excessivo em diálise comprometer a saúde dos pacientes e o resultado dos transplantes. Pior: ano passado, os planos de saúde – favorecidos pela renúncia de arrecadação fiscal – tiveram um faturamento de R$ 72,7 bilhões e venderam planos para 25% da população brasileira, mas não financiaram mais do que 5% das TRS e 5% dos transplantes. Somados, TRS e transplantes de órgãos custam mais de R$ 2,6 bilhões ao SUS, anualmente.
Nesse quadro, a despeito dos recordes históricos de crescimento da demanda por planos de saúde, não vislumbramos a contrapartida de compartilhamento de custos do segmento privado subsidiado e financiado pelo SUS.
Alexandre Marinho é pesquisador do Ipea e professor da UERJ.