Com deficit de 11,5 mil leitos, Pará dividido criaria Estados sem estrutura de saúde

Carlos Madeiro e Guilherme Balza

Do UOL Notícias, em Belém e em Marabá (PA)

Uma possível divisão do Pará poderá criar três Estados sem estrutura de saúde para atender aos 7,5 milhões de habitantes da região.
Segundo um levantamento feito pelo Idesp (Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará), o atual Pará tem, hoje, uma carência de 11.539 leitos nos mais de 200 hospitais construídos.

A situação também seria caótica nos novos Estados: 7.063 vagas faltariam no Pará remanescente, 2.035 no Tapajós e 2.441 em Carajás.Ao contrário de outras áreas, em caso de divisão, o maior problema ficaria com o Pará remanescente. Com o maior deficit e menor quantidade de leitos (1,6 para cada 10 mil habitantes–contra 1,8 de Tapajós e 2,7 de Carajás), o “novo Pará” é responsável pelo tratamento de média e alta complexidade de pacientes de outros municípios, especialmente da região oeste –onde ficaria o Estado de Tapajós, caso a população decida pela divisão no próximo domingo (11).”Os casos de câncer e cirurgias cardíacas ainda não são feitas em Santarém, e os pacientes ou vêm para Belém ou vão para Manaus. Como não temos estradas que liguem a cidade a Belém ou Manaus, esses pacientes vão de barco, num enorme sofrimento”, afirmou o deputado Alexandre Ivon (PSDB), da frente pró-criação de Tapajós.

Caso seja criado, o Estado de Tapajós terá apenas 38 hospitais para atender os mais de 1,2 milhão de moradores. Da estrutura atual, o Pará remanescente ficaria com 127 hospitais e Carajás, com 71. Para as autoridades, o número é considerado insuficiente para os três Estados.

Na semana em que o UOL Notícias esteve em Belém, entre 21 e 27 de novembro, o caos se instalou na saúde pública da capital paraense. O problema foi causado pela paralisação dos médicos, entre a segunda (21) e a quarta-feira (23).

DADOS GERAIS
DADOS GERAIS

No dia do retorno às atividades, um caso ganhou destaque: o ferreiro Sebastião Francisco do Nascimento, 60, morreu na porta do hospital Mario Pinotti, conhecido como Pronto Socorro 14 da Março – o maior da capital paraense.

Segundo testemunhas, o ferreiro foi ao local de táxi e teve o acesso negado por uma auxiliar de enfermagem, que teria informado que não haveria médicos suficientes para atendê-lo, e que ele deveria procurar outro local. A Secretaria Municipal de Saúde abriu sindicância para apurar o fato e informou que havia médicos de plantão.

A morte do idoso aconteceu um dia após o retorno dos médicos da Amazomcoop (Cooperativa dos Profissionais de Saúde da Amazônia) ao trabalho. Eles respondem por 70% dos profissionais que atendem urgência e emergência em Belém.

A reportagem foi ao hospital e ouviu vários relatos de superlotação e falta de atendimento, que, segundo os usuários, ocorrem independentemente da paralisação dos médicos. Salatiel Teixeira Ramos, filho da aposentada Iladi Teixeira Ramos, vivia uma situação delicada na unidade.

Veja mais números dos três
Estados que podem ser criados

No dia em que a reportagem visitou o hospital –segunda-feira (21)–, Salatiel esperava havia quatro dias por um leito de UTI. “Ele teve hemorragia estomacal e está tomando sangue, mas ele está no corredor, quando deveria estar na UTI. Mas não o transferem e não me dizem nada. Tem muita gente no corredor”, disse.

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ONDE FICA

Já Rosimeire Costa acompanhava o tio, que teve uma crise por pico de diabetes. “Ele chegou às 14h e ainda não foi atendido [eram 17h]. Chegamos aqui e disseram que não tinha médico para atender”, disse.
Os profissionais que trabalham na unidade reclamam da rotina de caos na unidade. “Tem dia que é mais tranquilo, mas tem dias que são de caos, como hoje. Sempre falta atendimento decente e há pacientes no chão. Essa rotina não muda com greve ou sem greve”, disse um profissional do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que pediu para não ter o nome revelado.

A Secretaria de Saúde de Belém informou, em nota, que um dos problemas está na quantidade de pacientes que são encaminhados do interior. Segundo a secretaria, o hospital Mario Pinotti atendeu 52.066 pacientes no primeiro semestre de 2011, sendo que apenas 37.717 mil (ou 72.4%) eram de Belém. O órgão, porém, não especificou a procedência dos municípios dos dois possíveis Estados, informando apenas que 14.245 eram de fora de Belém e 104 eram de outros Estados.

O órgão informou que está tentando ampliar o número de profissionais que atendem na rede básica de saúde para desafogar as emergências. “[A secretaria] está avaliando parceria com a Universidade Estadual do Pará (UEPA) para que todos os médicos residentes trabalhem na rede de atenção básica e nas casas famílias.”

A secretaria não comentou sobre carência de vagas nas unidades de saúde e sobre a superlotação encontrada, se limitando a dizer que “Belém atende todo o Estado do Pará, como mostram os dados”.

Crise em Marabá

A crise no sistema de saúde atinge também a região de Carajás. Em Marabá, o hospital municipal atende pacientes de 22 municípios da região que, juntos, somam aproximadamente um milhão de habitantes e não possuem hospital próprio.
Segundo Fábio Berardinelli, diretor técnico do hospital, a estrutura de saúde e o número de leitos oferecidos não acompanharam o crescimento populacional da região. Em Marabá, por exemplo, a população duplicou entre 1991 e 2010 e quadriplicou desde 1980, chegando a 233 mil habitantes.

“Nosso hospital tem uma demanda enorme, porque houve um crescimento populacional muito grande na região sul e sudeste do Pará, principalmente em Marabá, e o número de leitos não aumentou”, diz.

“A violência e os acidentes cresceram, e a estrutura de saúde é a mesma. É complicado. A gente faz o que pode. Aqui é um hospital de trauma, sobretudo. E muitas vezes faltam especialistas. O hospital municipal, além de passar por uma reforma, teria que ser duplicado”, afirma Berardinelli.

Atualmente, há cerca de 35 médicos no hospital, que não possui cirurgião e tem apenas duas pediatras. “Nossa emergência funciona só com clínicos”, diz o diretor.

Os problemas no hospital aumentaram depois que cerca de 20 médicos decidiram, em novembro, não fazer mais plantões aos finais de semana. Eles exigem reajuste do valor pago pelos plantões e querem mais segurança para trabalhar, já que são comuns ameaças e agressões, segundo os médicos.

O diretor afirma ainda que os equipamentos do hospital estão sucateados e o centro cirúrgico precisa passar por obras. Curiosamente, parte de uma ala do hospital, inaugurada em julho de 2010, até agora não foi aproveitada.

O outro hospital público de Marabá é o regional, que possui apenas dez leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) –os únicos da região– para atender mais de 20 municípios.

Segundo o diretor administrativo do Simepa (Sindicato dos Médicos do Pará), João Gouveia, o Estado sofre com carência em todas as áreas de saúde. “São péssimas as condições de trabalho e nós, médicos, temos salários aviltantes e sem plano de carreira”, afirmou.

Ele critica ainda a terceirização do serviço do serviço de emergência e urgência de Belém. “Isso é absurdo. Mas o problema não está na emergência. Se a atenção primária funcionasse, haveria uma inversão da porta de entrada. Hoje, o paciente entra no serviço de saúde pela urgência, o que é uma inversão do fluxo de atendimento. Isso é bem mais caro.”

Segundo o médico, a divisão do Pará poderia acarretar ainda mais problemas, já que as cidades dos dois novos Estados têm dificuldades em atrair médicos. “Isso não vai resolver o problema da saúde. Nós temos médicos suficientes para ateder à população. O problema é que 70% se concentra na capital. Nossa prática demonstra que o interior não tem condições médicas profissionais por falta de uma política. E assim o médico fica na capital, onde, pelo menos tem uma segurança profissional”, disse.