Guerra contra o crack tem de ser para valer

O Globo – 09/12/2011

O lançamento de outro programa do governo federal de combate ao consumo do crack, com a destinação de R$4 bilhões para ações em diversas frentes, articuladas com estados, municípios e entidades da sociedade civil, é importante providência para conter o agravamento de um problema que, em algumas regiões do Brasil, já alcança níveis de epidemia. A rápida expansão da droga no país, principalmente entre consumidores de faixas de renda mais baixa, grande parte alijada de acesso a tratamento e programas de apoio contra o vício, produz números de um flagelo à beira do descontrole.

Pesquisa recente da Confederação Nacional de Municípios, com sondagem em 4.400 cidades, indica que o crack está relacionado a problemas de saúde em 63,7% das prefeituras brasileiras. A droga também está ligada a demandas na segurança pública em 58,5% das cidades e na assistência social (44,6%). São números, por si, alarmantes. Mas podem evidenciar uma curva mais grave: levantamento da CNM, no ano passado, apontava que 98% dos municípios brasileiros registravam a presença do crack nas suas ruas. Esse mercado movimenta todos os dias entre 800 quilos e 1,2 tonelada da substância, com uma estimativa (muito provavelmente conservadora) de 1,2 milhão de usuários.

É uma realidade que acumula tragédias (individuais, familiares e sociais) e contenciosos institucionais (é inegável o impacto da droga na economia e nos indicadores de saúde e violência). Diante dela, o poder público não pode ter atitudes contemplativas. Daí a importância do programa anunciado, que, além do reforço de verbas para ações preventivas e de redução de danos, chega acompanhado de anunciadas medidas na área de saúde pública, como a criação de enfermarias especializadas na rede do SUS e consultórios ambulantes (para atendimento nas ruas), aumento do número de leitos para pacientes em tratamento, centros de apoio e avaliação de casos em que se impõe a internação involuntária.

Do ponto de vista da dimensão e do alcance, o programa sem dúvida é passo positivo nessa guerra. Mas há outras questões a serem enfrentadas. A mais imediata é o problema do gerenciamento das ações. Medidas semelhantes anunciadas durante a campanha eleitoral do ano passado ficaram apenas no plano das promessas que ajudaram a eleger a candidata lulopetista. Cumpriram função eleitoral. Em maio deste ano, já empossada, Dilma voltou a pôr na mesa novo conjunto de iniciativas, e novamente pouco, ou nada, se avançou. Espera-se que agora a agenda saia do plano das intenções para o da realidade de uma batalha cuja urgência não admite leniências.

Deve-se levar em conta a questão da abordagem na ponta do consumo, oferecendo ao viciado reais opções de tratamento, paralelamente ao incremento de essenciais e permanentes operações de combate ao tráfico – com ações policiais diretas não só contra os traficantes que alimentam os pontos de venda, mas com o aumento da vigilância em fronteiras e estradas por onde chega a droga. O crack chega como flagelo com intensidade e potencial de provocar tragédias semelhantes à epidemia de Aids no fim do século passado. Não se pode perder esta nova chance de enfrentá-lo com a seriedade que o problema impõe.