Hospital de Base em franca recuperação
Correio Braziliense – 22/12/2011
A maior e principal unidade de referência trabalha para ser modelo na aplicação de técnicas de guerra voltadas ao atendimento de pacientes vítimas de acidentes ou de armas de fogo
Leilane Menezes
Pessoas doentes, deitadas em macas, pedem socorro sem ter quem possa ajudá-las, nos corredores do Hospital de Base. O sofrimento está evidente nos olhos e na pele de cada um dos pacientes que dependem da rede de saúde pública para sobreviver. Não há leitos para todos nem médicos para suprir a demanda. De janeiro a agosto desse ano, foram 128 mil atendimentos somente na emergência.
O Hospital de Base é o maior centro de referência em saúde de Brasília. É para lá que vão os casos mais graves, entre eles acidentados e vítimas da violência (armas de fogo e armas brancas, entre outros). No começo de 2011, uma nova equipe de gestão assumiu o hospital, com promessa de mudar esse cenário. O primeiro ano foi de avaliação. A expectativa é que 2012 torne-se tempo de revolução.
O diretor atual, Julival Ribeiro, é médico formado pela Universidade Católica, em Salvador (BA), desde 1979. Veio para Brasília para fazer residência (ver Personagem da notícia). Ele montou uma equipe de comando formada por mulheres, em sua maioria. Escolheu profissionais pela capacidade técnica. “Detectamos que uma das maiores falhas é a falta de motivação dos funcionários. Trabalharemos com psicólogos para solucionar essa questão”, explicou Ribeiro.
Uma área crítica é a de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A carência é de no mínimo 125 leitos, em todo o Distrito Federal. Julival Ribeiro informou ontem, em entrevista ao Correio, que o Hospital de Base vai oferecer entre 50 e 60 novas unidades, até o próximo ano. “Em março de 2012, queremos ter pelo menos 25 novos leitos funcionando. Transferimos o setor de neurologia, que funcionava no prédio antigo, para o edifício mais atual. Construiremos os leitos no espaço que ficou vago, no terceiro andar”, adiantou.
Outra área crítica é a emergência. Por receber os casos mais complicados, o Hospital de Base precisa de organização e eficiência no primeiro atendimento, que pode salvar vidas. Em 1º de dezembro, a Secretaria de Saúde e a direção do HBDF assinaram um termo pelo qual esse centro passa a integrar um programa do Ministério da Saúde chamado SOS Emergência. Nele, 11 hospitais de todo o Brasil firmaram acordo para otimizar o atendimento de emergência. O hospital vai receber uma verba inicial de R$ 3 milhões para investimentos, além de R$ 300 mil mensais para injetar nesse setor.
Menor risco
Criou-se ainda um Centro de Trauma e Telemedicina. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) assumiu a frente desse setor, diminuindo, assim, o risco de morte nas primeiras horas após os ferimentos. O treinamento dos enfermeiros e médicos do Samu é diferenciado, voltado para atendimento de acidentados e baleados, por exemplo. O novo centro ganhou uma chefia especial. O médico Luiz Guilherme Reys veio dos Estados Unidos, onde cursou doutorado, para aplicar o que aprendeu no Jackson Memorial Hospital, um dos centros de saúde mais respeitados do mundo, em Miami, na Flórida.
Reys aprendeu com equipes de soldados americanos, preparados para atuar na frente de batalha de guerras como a do Iraque. Desde setembro, o brasileiro pratica seus conhecimentos no Hospital de Base. “Nós vivemos uma guerra civil não declarada. Acidentes e homicídios são as principais causas de mortes de jovens no Brasil. São 58 mil óbitos por ano. No Vietnã, foram mais de 50 mil óbitos durante os 15 anos de guerra”, comparou o doutor.
Parceria com os EUA
Em 25 e 26 de janeiro próximo, especialistas do Jackson Memorial estarão em Brasília para assinar um termo de parceria entre profissionais do Hospital de Base e norte-americanos. Médicos e enfermeiros, entre outros especialistas, daqui viajarão até os Estados Unidos para aprender técnicas de cuidado em tempos de guerra, quando se trabalha com pouco recurso e muita eficiência.
“Os profissionais que forem até lá serão multiplicadores. No retorno, eles vão ensinar aos colegas que ficaram aqui. Quando se trata de acidente ou ferimento com arma, há algo chamado hora de ouro. Estabilizar as lesões pode salvar a vida dessa pessoa. É algo que precisa ser feito na primeira hora depois do trauma. Nos Estados Unidos, com a instalação de um centro de trauma, se conseguiu diminuir os índices de mortes evitáveis. O segredo é capacitação e organização”, explicou Reys.
Além disso, a diretoria conseguiu tirar do papel um projeto antigo, o de informatizar todo o sistema do Hospital de Base. Com isso, será possível aumentar entre 30% e 40% a quantidade de consultas na unidade, em 2012. “Os problemas mais sérios relatados à Ouvidoria diziam respeito à perda de prontuários. Era uma situação caótica, que começamos a resolver agora. A marcação de consultas já funciona por meio de computador, com 20 guichês disponíveis. Temos 6,2 mil consultas agendadas para 2012, marcadas em apenas oito dias”, comemorou Ribeiro. Até março, todo o hospital estará informatizado.
Ampliação do Hospital da Criança O Hospital da Criança de Brasília José Alencar, inaugurado no mês passado, será ampliado. O governador do DF, Agnelo Queiroz, e a presidente da Organização Mundial da Família (WFO), Deise Kusztra, assinaram, ontem, no Palácio do Buriti, termo de compromisso para a construção do segundo bloco para a unidade médica, onde funcionarão a Unidade de Terapia Intensiva e o centro de internação permanente. O encontro foi acompanhado por representantes da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), atual administradora do Hospital da Criança. O GDF entrará com 80% dos investimentos para a obra e a WFO com os 20% restantes. A expectativa é de que as instalações estejam funcionando em até dois anos.
600 mil atendimentos
O prédio onde funciona o Hospital de Base tem 12 andares. No total, são 3,5 mil servidores. A cada ano, são realizados mais de 600 mil atendimentos, em todas as áreas. Por ano, morrem 1,8 mil pessoas no Base. Há 833 leitos disponíveis. O centro de saúde funciona como uma cidade. São servidas 107.732 refeições todos os dias. Os médicos fazem em torno de 12 mil cirurgias por ano e no local há 200 banheiros. Quase 6 mil quilos de lençóis, roupas e toalhas são lavados diariamente. Dos 14 elevadores, alguns encontram-se quebrados, com frequência. Há 52 mil metros quadrados de área construída. Só com a conta de luz são gastos mais de R$ 211 mil todo mês. O gasto com água consome R$ 281 mil e a de telefone, R$ 24 mil. Pelo menos 250 voluntários atuam no local.