Padilha amplia prestígio no Planalto mas saúde lidera ranking de problemas do país
Valor Econômico – 29/12/2011
O prestígio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, junto à presidente Dilma Rousseff pode ser medido pelo aumento nos recursos de sua Pasta para 2012. De acordo com o Orçamento aprovado pelo Congresso, a saúde terá R$ 92,1 bilhões. É um salto de 16,2%, em termos nominais, maior do que aquele registrado pelos principais ministérios da Esplanada – Educação, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Cidades, Justiça e Esportes.
Padilha comanda uma das maiores máquinas públicas do país. Para assegurar acesso à saúde de graça para 146 milhões de pessoas, o Sistema Único de Saúde, com um orçamento que beira R$ 80 bilhões por ano, é tocado por 12 milhões de profissionais (entre médicos, enfermeiros e serviços gerais) e apenas neste ano fez mais de 23 mil transplantes de órgãos no Brasil – o número mais elevado de transplantes por ano do mundo.
Além de uma equipe de 48 jornalistas que garante ampla visibilidade à sua atuação, Padilha tem 39,5 mil seguidores e 13,8 mil mensagens digitadas no seu Twitter pessoal. O ministro dificilmente completa uma semana inteira em Brasília e acompanha pessoalmente as iniciativas da Pasta, seja um mutirão de conscientização sobre a dengue e vacinação contra a pólio, em um pequeno município do Norte, seja a ampliação tecnológica de um grande hospital da rede pública em uma capital do Sudeste.
Seu desempenho, no entanto, ainda não foi capaz de reverter a percepção da população de que a saúde é um dos principais problemas do país. Na pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social do Ipea, que ouviu 3.796 pessoas em todo o país, a saúde (22,3%) equiparou-se com a violência (23%) entre os problemas que mais afligem os mais pobres.
É essa percepção que Padilha terá que enfrentar para dar asas às suas ambições políticas. Bem quisto pela presidente e um dos coordenadores da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Padilha é visto, na direção do PT, como um quadro que se prepara para disputar o governo de São Paulo em 2014, posto para o qual já está postado na largada o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. Enquanto Padilha seria o preferido de Dilma, Marinho seria o predileto de Lula.
Padilha foi o primeiro dos 38 ministros de Dilma a emplacar o lançamento de um programa no Palácio do Planalto – o Rede Cegonha, em janeiro. Ao longo do ano, a Pasta conseguiu superar a meta de incorporar 20% das 2,2 milhões de gestantes no programa de acompanhamento do pré-natal. Nesta semana, Dilma editou a Medida Provisória 557, ampliando o Rede Cegonha, listado como um dos três programas do governo que mais avançou em 2011.
Ainda no primeiro trimestre, Dilma lançou o programa “Saúde não tem Preço”, criado pelo governo dentro da política Farmácia Popular, que distribui gratuitamente 11 medicamentos contra hipertensão e diabetes. Com o programa, Padilha credenciou 6 mil farmácias populares neste ano (atingindo 21 mil farmácias em dezembro). “Os ganhos de gestão estão aí, porque se optássemos pela construção das farmácias gastaríamos R$ 28,8 bilhões em custeio e R$ 1,8 bilhão em investimentos”, afirma o ministro, para quem o programa é “um ótimo complemento ao SUS”. Entre janeiro e novembro, a Pasta gastou R$ 510 milhões com o programa.
Em seguida emplacou a campanha de combate ao câncer de colo de útero e de mama. Há três semanas, Padilha esteve novamente no Planalto, dividindo com Dilma o púlpito durante o lançamento do programa “Crack, Nós Podemos Vencer”, de conscientização dos usuários de crack. “Não tenho do que reclamar da prioridade que a presidente Dilma dá à saúde”, afirma o ministro.
O lançamento de programas não encobre o fato de que o SUS é o nó que Padilha ainda não desatou. Críticos moderados do ministério, como o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), que foi secretário de Saúde de Minas Gerais na primeira gestão de Aécio Neves (2003-06), entendem que Padilha adotou uma estratégia política de “não enfrentamento”. Este estratagema teria afastado Padilha dos temas espinhosos de 2011, como o debate, no Senado, em torno da Emenda Constitucional 29, que alterava as regras de contabilização pública dos investimentos em saúde, instituindo um patamar mínimo de gastos nas três esferas do setor público. Regra na qual estava embutida a Contribuição Social para a Saúde (CSS), recriação com outro nome da CPMF, o imposto do cheque.
Segundo Pestana, o ministro optou por evitar debates onde seria preciso tomar partido. De forma institucional, o ministro também resolveu concentrar as justificativas das falhas do SUS na gestão, evitando o “problema central”, entende Pestana – a eterna falta de recursos.
“Os custos na saúde são sempre crescentes, porque não há ganhos de escala nos equipamentos médicos, que logo ficam ultrapassados e precisam ser substituídos pelos hospitais e consultórios. Mas Padilha, que é um político muito habilidoso, não usou a falta de recursos como justificativa para os erros, nem surfou no debate sobre a Emenda 29”, diz o oposicionista Pestana.
O Congresso enfim aprovou a Emenda 29, considerado um outro avanço na área de saúde no primeiro ano do governo Dilma, mas as regras não atingiram a União – apenas Estados e municípios.
Padilha não aceita, no entanto, o diagnóstico consensual de governo e oposição sobre a gestão política e partidária que vem imprimindo à administração. “Como médico, estou vivendo o sonho de minha vida, que é ser ministro da Saúde. Minha agenda de trabalho é enorme, e eu não tenho tempo para qualquer atuação partidária, algo de que abri mão tão logo assumi o cargo”, diz.
Do lado privado, a principal crítica dos hospitais e dos planos de saúde complementar é direcionada à política de ressarcimento das operações realizadas pelo SUS, aplicada pela Agência Nacional da Saúde (ANS). Na visão do setor privado, a atuação da ANS é necessária ao sistema, mas excessivamente pró-Ministério da Saúde e não houve sinais de correção do que consideram distorção no primeiro ano do governo Dilma.
Segundo dados recentes da ANS são 46,6 milhões de brasileiros com planos de saúde complementar – contingente 34,5% superior ao verificado em 2001. Os planos têm 6,8 mil hospitais, 27,8 mil clínicas especializadas de diagnósticos e 15,8 mil centros de diagnósticos. “O SUS não é nem o caos noticiado pela mídia, nem o caminho rumo à utopia dos sanitaristas do passado”, afirma Pestana. “Há enorme necessidade de recursos, que é inevitável, e por isso os planos privados são caros, mas, ainda assim, eles existem porque o SUS não têm como dar conta”, diz.
Segundo afirmou ao Valor um dirigente de um grande plano de saúde brasileiro, a ANS exige dos planos o ressarcimento do SUS de operações de emergências feitas em pacientes que têm planos de saúde privada. “Se o paciente tem um plano privado, sem problema, ressarcimos. Mas a ANS cobra do paciente que contratou um plano, mas utilizou o SUS durante o período de carência, que em média leva um ano e pode chegar a dois anos. Na carência, o custo é do SUS, mas o governo não entende e cobra mesmo assim”, diz o empresário.
Há um enorme passivo jurídico pendente nas instâncias inferiores do Judiciário envolvendo essas disputas. Os dois lados da queda de braço – governo e planos de saúde – aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, quanto a um caso, o que levaria a formar uma jurisprudência.
“Imagine um indivíduo deficitário que fica emprestando dinheiro aos outros. É isso o que ocorre com o SUS, que necessita de recursos, mas mesmo assim repassa muito dinheiro aos planos de saúde privados”, afirma Alexandre Marinho, professor de Economia da Saúde da UERJ e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, a questão do ressarcimento “é extremamente crucial para a agenda do setor”.
O ministro da Saúde já determinou aos técnicos da Pasta uma atuação mais incisiva na perseguição dos débitos a serem ressarcidos pelos planos. No primeiro ano do governo Dilma, o ministério conseguiu resgatar ao SUS quase R$ 100 milhões em ressarcimento de operações – valor superior à soma de tudo o que foi obtido de 1998, quando a ANS foi criada, a 2010. “Nossa prioridade para 2012 é aprimorar e acelerar o ressarcimento ao SUS”, anuncia.