Claros e transparentes: Sergio Côrtes
Semana passada, o plenário do Senado aprovou, por 70 votos a 1, o projeto de lei complementar que regulamenta a chamada Emenda 29 e estabelece, entre outras disposições, os valores mínimos a serem destinados ao setor de saúde pública por parte de União, estados e municípios.
É evidente que precisamos de mais recursos para saúde no Brasil e no Rio de Janeiro, mas não necessariamente precisamos de mais um imposto para isso. Um país que se orgulha de dizer que é o único no mundo com mais de 100 milhões de habitantes que tem um sistema universal de saúde, o SUS, não pode aplicar menos de 4% do PIB em saúde pública (somados gastos de União, estados e municípios).
Uma reflexão que poucos parecem dispostos a fazer é que o Brasil, ainda que um gigante na universalização da saúde, gasta menos que a saúde suplementar, sendo que esta atende apenas 30% da população. Cinquenta e cinco por cento de todo o gasto em saúde são privados. E essa aplicação é excludente não só porque concentra investimentos no percentual da população que tem mais recursos, como também na forma e destino da aplicação destes. A saúde suplementar não faz transplante – 90% dos transplantes são custeados pelo SUS, sendo que o Brasil é líder na realização de transplantes de fígado no mundo. A saúde suplementar não imuniza – 100% das campanhas de vacinação, tão fundamentais para evitar que doenças extintas no país retornem, ou que outras transformem-se em epidemias, são custeados pelo SUS. A saúde suplementar não toma conta de vigilância sanitária, apenas para citar alguns exemplos. Esses investimentos representam média de US$300 per capita, cerca da metade do que o Chile e a Argentina aplicam e bem longe dos US$3 mil de Espanha, Canadá e Reino Unido.
Agora, independentemente do modelo de financiamento, a regulamentação da Emenda 29 deveria trazer um componente que garantisse um contrato para a utilização de novos recursos. Porque não adianta garantir mais dinheiro, se não forem criados mecanismos para que sejam bem aplicados. Nós, enquanto gestores públicos da saúde, temos que ter metas a cumprir. Cumpriu, ganha mais. Não cumpriu, ganha menos.
Este modelo, o governo do Estado do Rio de Janeiro implantou em 2010 com o Programa de Apoio aos Hospitais do Interior (PAHI), no qual o repasse aos municípios e seus hospitais – quer públicos ou filantrópicos – está condicionado ao alcance de metas quantitativas e qualitativas preestabelecidas. Resultado: mais de 90% das prefeituras passaram a prestar conta dos recursos e a superar metas de atendimento e promoção à saúde. Uma pequena revolução silenciosa no interior do estado.
A saúde precisa de mais recursos. Mas que estes venham obrigatoriamente atrelados a contratos de gestão bem claros e transparentes. Para assim ampliar, de fato, a universalização do direito à saúde.
SÉRGIO CÔRTES é secretário de saúde do Estado do Rio.
O Globo 19/12/2011