A hora de pagar promessas

Correio Braziliense – 25/02/2012
Por Antônio Geraldo da Silva

A retirada de usuários de drogas da região conhecida como cracolândia, em São Paulo, suscitou uma discussão sobre os limites da atuação do governo e da força policial no tratamento dos dependentes químicos. A operação é apoiada por 82% dos paulistanos segundo o instituto de pesquisas Datafolha.

Mas quanto tempo dura o efeito midiático de uma cracolândia limpa? Que estratégia deve ser usada pelos órgãos públicos para controlar a epidemia do crack e garantir o tratamento dos dependentes que estão sendo internados compulsoriamente? Tirar o dependente químico das ruas — de forma compulsória ou involuntária, como vem acontecendo — e oferecer tratamento adequado é, com certeza, a estratégia fundamental para vencer o jogo contra a droga.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apoia a internação compulsória ou involuntária — desde que seja acompanhada e indicada por psiquiatra — porque entende que é a forma ideal de garantir a saúde e a vida do usuário, mas também defende que é preciso mais do que ações policiais para que o viciado se afaste das drogas e tenha qualidade de vida.

E é exatamente no pós-ação policial — no tratamento — que está o calcanhar de aquiles da operação da cracolândia paulista e de outras que se desenvolvem em todo o Brasil. Para onde enviar os dependentes e como tratá-los? Os hospitais, clínicas e Centros de Atendimento Psicossociais (Caps-AD) estão preparados?

A sociedade e a ABP esperam há vários anos que o governo saia da inércia e passe a atuar de forma mais efetiva. Uma luz mais forte surgiu no final de 2011, quando o governo lançou um conjunto de ações para operacionalizar o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, criado em maio de 2010. A ideia dos comandados da presidente Dilma Rousseff, mais especificamente os ministérios da Saúde e da Justiça, é concentrar as ações em três eixos: o cuidado, que prioriza o atendimento ao dependente químico e a seus familiares; a autoridade, com foco no combate ao tráfico de drogas; e a prevenção.

Também está prevista a criação de enfermarias especializadas nos hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde). Até 2014, o Ministério da Saúde prevê o repasse de recursos para a criação de 2.462 leitos, que serão usados para atendimentos e internações de curta duração durante crises de abstinência e em casos de intoxicação grave.

Contudo, se faz necessária a implantação de vagas hospitalares para internações de longa duração, preferencialmente em unidades de psiquiatria. E na impossibilidade de vagas públicas, que as clínicas conveniadas sejam usadas para internação, como se faz em relação a outras patologias que recebem atenção integral do SUS e tratamento igual. Esse parâmetro, inclusive, faz parte Rede de Atenção Psicossocial, criada pelo governo no final de 2011 e ainda não operacionalizada.

Finalmente o governo entendeu que a questão do crack — que se instalou no Brasil há mais de duas décadas — é problema de saúde pública. O ministro Alexandre Padilha admitiu a “epidemia” e foi além. Disse que o crack avançou na sociedade mais do que as ações governamentais de combate à droga e que a rede pública de saúde não está preparada para o atendimento.

Entramos em 2012 e a luz está diminuindo porque até agora nenhuma das medidas foi implementada. O que continuamos a ver é um modelo de atendimento que não supre a demanda, não tem eficiência e resolutividade e, principalmente, não atende a Lei 10.216/2001, que estabeleceu as diretrizes da saúde mental no país, emoldurando nova estratégia, fundada na humanização do tratamento e na formação de uma rede, sem nenhum serviço com características asilares. O núcleo deixou de ser o hospital, mas passou a ser outro serviço, o Caps. Ainda estamos longe de uma rede.

O fundamento mais importante é o fortalecimento da proteção e promoção da saúde, prevenção da doença e atenção. E isso só se dá com uma rede de saúde eficiente e preparada. É preciso colocar o foco no usuário de drogas no dia a dia, não apenas no momento isolado, quando a imprensa destaca nos noticiários e nas primeiras páginas de jornais. A ABP está pronta para ajudar e já se dispôs para tal. Só falta o governo pedir.