Duas cidades ligadas pelo amianto

O Globo – 20/05/2012

Em Bom Jesus da Serra, poeira branca era “neve no sertão”. Em Minaçu, creche e até igreja são bancadas por empresa

EXTRAÇÃO DE amianto na empresa Sama, em Minaçu, Goiás: mina que sustenta a cidade é atualmente a única em atividade no país

EM BOM Jesus da Serra, Evandra é uma das viúvas do amianto

ALCIDES, AO lado da mulher, sofre de asbestose graças ao trabalho na mina

BALTAZAR, EX-FUNCIONÁRIO da Sama, hoje trata o pulmão

O BRASIL SEM AMIANTO

BOM JESUS DA SERRA (BA) e MINAÇU (GO). Enquanto as discussões fervilham nas universidades, no Congresso e na Justiça, os moradores de Bom Jesus da Serra, no semiárido baiano, e em Minaçu, no interior de Goiás, vivem às margens do amianto. As duas cidades sofrem com os efeitos da mineração. A primeira nasceu com o início da extração do asbesto no Brasil, em 1940. A segunda ainda vive da mina.

Dono de uma olaria, Esmeraldo dos Santos Teixeira, conhecido como Nego em Bom Jesus, lembra da infância. Com a mãe, usava um martelinho de geólogo e, desde os 8 anos, tirava a lã de amianto das pedras que não passavam na britadeira. Trocava a fibra por papéis que exibia valores que eram aceitos na vila operária na década de 1940. Na cidade, tinha até pista de pouso, cinema, posto médico, escola e igreja. Tudo custeado pela Sama, que pertencia à francesa Saint-Gobain, e explorou a mina até 1967. Hoje, a Sama é da Eternit.

– Brincávamos na poeira e no lago depois que a mina foi desativada (em 1967). Não sabíamos que o amianto matava – diz Esmeraldo, lembrando que a poeira branca tomava conta da cidade e parecia nevar no sertão, a ponto de o cemitério se chamar Branca de Neve.

Essa consciência surgiu somente na década de 2000. O pai, Israel Teixeira, era classificador de amianto. Em 1987, com 57 anos, morreu com sintomas de “fadiga”, como a maioria dos ex-trabalhadores da mina de São Félix: as unhas ficaram roxas, ele não podia andar 30 metros que cansava e sua capacidade respiratória se foi, conta Teixeira:

– Em 2001, meu primo morreu de asbestose e comecei a perceber que meu pai também foi vítima do amianto.

Cidade acompanha debates sobre banimento

Assim como Ilton Batista Cascalho acompanha periodicamente a evolução de seu nódulo calcificado no lado direito do pulmão, a cidade de Minaçu, em Goiás, às margens do Rio Tocantins, monitora os debates sobre o banimento do uso do amianto no país. Cascalho depende da sua capacidade respiratória, assim como os moradores da cidade dependem da mina.

O fechamento da mina de Cana Brava em Minaçu assusta funcionários e ex-funcionários da empresa com problemas pulmonares – que têm plano de saúde vitalício custeado pela Sama. A economia do município depende em mais de 50% da mina. Há 638 funcionários da Sama em Minaçu e 584 terceirizados.

– Se a Sama fechar, Minaçu vira uma cidade fantasma. E eu fico ruim no mercado, porque vou passar a ser visto como um trabalhador doente – disse Ednaldo Luiz Corrêa, de 33 anos, funcionário da mineradora.

A cidade já vive essa incerteza. Casas vendidas por R$ 300 mil hoje não têm comprador por valor algum. Há busca por novas receitas, como a expansão do turismo, em parte paga com royalties da cidade.

A empresa patrocina creche, asilo, clube, escola, hospital e até um incinerador para processar o lixo da cidade. Para agradar a todos, pagou a construção da matriz da igreja católica e também da maior igreja evangélica.

Era assim também em Bom Jesus, tudo acontecia com o patrocínio da mina. E a história se repete 50 anos depois em Goiás. Hoje, em Bom Jesus da Serra, doentes e viúvas fazem fila. Famílias vivem de aposentadorias rurais, Bolsa Família e agricultura de subsistência quando há chuva. Em Bom Jesus, não cai água do céu desde 26 de dezembro.

Na chamada cama de poeira, onde o minério era separado, operários, entre eles, muitas mulheres, ficavam cobertos de pó. Evandra Vieira Brito, que perdeu o marido, ex-funcionário da Sama, com câncer em 2009, lembra das amigas da mina:

– Eram umas 20 meninas na cama de poeira. Morreram todas vomitando sangue.

Em Minaçu, se a mineração se tornar inviável, o plano é conseguir um cronograma de banimento. Representantes de trabalhadores e da cidade têm conversado com o Ministério de Minas e Energia para traçar um plano, no caso de fechamento a curto prazo e a longo prazo.

Mesmo operando em capacidade máxima há quatro anos, a mineradora não investiu US$ 30 milhões para elevar sua capacidade anual de extração em 50 mil toneladas/ano – hoje, extrai 300 mil toneladas – com medo de não recuperar o investimento. A empresa também tem procurado ex-empregados e viúvas da asbestose – doença causada por exposição ao amianto – propondo um Instrumento Particular de Transação (IPT) para que eles abram mão de disputas judiciais. Com o IPT, a empresa dá plano de saúde e indenização a partir de R$ 35 mil.

– Há um passivo antigo, mas não há novo caso de doença pulmonar (causada pelo amianto) há 30 anos – disse Rubens Rela Filho, diretor geral da Sama.