Na rocha, um rastro de polêmica
O Globo – 20/05/2012
Exploração do amianto no país pode estar com dias contados. STF deve julgar ação este ano
O BRASIL SEM AMIANTO
Esmeraldo dos Santos Teixeira viveu o apogeu e a decadência da cidade de Bom Jesus da Serra, no semiárido baiano, onde começou no Brasil a extração de amianto, na mina São Félix, em 1940, que durou até 1967, quando foi descoberta a jazida em Minaçu, em Goiás.
– Conheci cinema na vila operária. Agora, lutamos para conseguir resolver esse enorme passivo ambiental e atender os doentes – diz Teixeira, que perdeu o pai, trabalhador da mina como classificador de amianto, aos 57 anos, com insuficiência respiratória.
Enquanto isso, em Minaçu, o medo é outro. O de que a fibra seja definitivamente proibida no Brasil, abalando a economia da cidade. E o medo é pertinente. O fim do uso do amianto no Brasil está cada vez mais próximo. O Supremo Tribunal Federal (STF) está pronto para julgar ação direta de inconstitucionalidade proposta por procuradores e magistrados do Trabalho contra a lei 9.055/95, que permite o uso controlado da fibra cancerígena no país. A Procuradoria Geral da República já emitiu parecer considerando que a lei federal fere a Constituição, e o próprio Supremo, numa mudança de comportamento nos últimos anos, vem permitindo que os estados legislem sobre o assunto. Matéria que era sistematicamente recusada no STF. Dos 11 ministros, sete já votaram a favor da proibição do amianto nos estados.
No Congresso, os projetos de banimento ganham força à medida que a bancada de Goiás, que apoia a exploração do minério, fica enfraquecida com as suspeitas de envolvimento de parlamentares com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Até a Eternit, que controla a única mina existente no país, diminui os investimentos na extração diante da possibilidade de banimento.
– Com a atual composição do Supremo e decisões anteriores, a ação (com pedido de inconstitucionalidade da lei) tem grandes possibilidades de êxito. Os ministros na atual composição se inclinam muito a atender apelos de cunho social. E essa é uma questão eminentemente social. As ações que visem a resguardar esses direitos procedem – afirmou o jurista Célio Borja, ex-ministro do STF.
– Não acreditamos que o fim é iminente. Mas sabemos que é uma ameaça real e estamos fazendo pesquisas para produzir sem amianto – diz Élio Martins, presidente da Eternit.
A um mês da conferência sobre desenvolvimento sustentável Rio+20, O GLOBO inicia hoje a série de reportagens “O Brasil sem amianto”, que fará também uma radiografia da saúde dos trabalhadores expostos à fibra, usada em telhas e caixas d”água, além dos efeitos no meio ambiente.
Se a decisão do STF for pelo banimento, irá ao encontro de 66 países mundo afora, que também aboliram a fibra do processo produtivo. Há fibras alternativas, nascidas da necessidade de se encontrar produto tão poderoso quanto o amianto (a palavra asbesto, como também é conhecido a fibra, vem do grego e significa indestrutível, imortal, inextinguível), mas que não provocasse câncer e doenças pulmonares. Entre elas, a asbestose, fibrose pulmonar que vai paulatinamente tirando a capacidade respiratória do trabalhador. O amianto foi considerado cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1977.
Mas a produção da fibra alternativa, com polipropileno, ainda não é suficiente para cobrir os lares brasileiros em construção, diz a Eternit. Já a Brasilit, única empresa que produz a telha sem amianto, antiga sócia da Eternit e que hoje divide o banco dos réus nas ações judiciais dos ex-trabalhadores por adoecimento ou morte, diz, por meio da associação de fibrocimento, que não haverá impacto significativo e que pode atender a esse mercado. Acrescenta que a telha ficará, no máximo, de 7% a 12% mais cara. A Eternit contesta: o preço subirá 30%.
Há ainda a situação de Minaçu, dependente do amianto, assim como foi Bom Jesus da Serra, no sertão baiano, até 1967 e que hoje vive das aposentadorias rurais, Bolsa Família e agricultura de subsistência.
Pela complexidade do tema, o ministro Marco Aurélio aceitou pedido do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) e determinou a realização de audiência pública para ouvir argumentos sobre a inconstitucionalidade da lei paulista que impede a passagem de amianto no Estado de São Paulo. A audiência ocorrerá nos moldes de outros temas polêmicos, como aborto de bebês anencéfalos ou cotas raciais em universidade.
Se for pelo banimento, trabalhadores, políticos e empresas apostam que a decisão do STF deverá ser acompanhada da chamada “modulação de efeitos”, instrumento previsto na lei 9.868/99, pelo qual o tribunal prevê um cronograma para adoção de suas decisões. A medida tem sido tomada em decisões que implicam perda significativa de arrecadação para estados, como a determinação do fim da guerra fiscal, em 2011. Mas a decisão sobre a modulação depende de apoio de dois terços do STF, ou seja, oito votos em 11.
Empresa poderá pedir compensação
O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), a favor do banimento, lembra que substitutivo ao projeto de lei que tramitava sobre o tema, em 2002, previa cronograma com compensação de ICMS a Goiás e outros impostos à cidade de Minaçu, aposentadoria antecipada de funcionários antigos da indústria e capacitação dos demais, para buscarem novas ocupações. O texto previa ainda pagamento de seguro-desemprego mais longo aos cidadãos de Minaçu.
Se a decisão do STF indicar o banimento, a Sama, empresa que faz a mineração em Goiás, e sua controladora, a Eternit, buscarão na Justiça compensação pela receita a que teriam direito com a atividade em vigor.
Em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, o amianto começou a frequentar a vida das pessoas no ano em que foi abandonado no semiárido baiano. Em 1967, era construída a fábrica de telhas e caixas d”água da Eternit. A Associação Baiana de Expostos ao Amianto localizou mais de 300 ex-operários. Muitos doentes. Têm placas pleurais (endurecimento de partes da pleura, membrana que envolve o pulmão), asbestose (fibrose pulmonar sem cura e que mata aos poucos por incapacidade respiratória) e câncer.
A indústria, por sua vez, diz que as condições de trabalho melhoraram muito a partir dos anos 80:
– Todo o processo de mineração e produção é fechado.