Expedições científicas: 100 anos depois

Correio Braziliense – 31/03/2012
Autor(es): Tania Araújo-Jorge

Médica e pesquisadora, é diretora do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz)

Em 18 de março de 1912, os pesquisadores Arthur Neiva e Belizario Penna deixavam o Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, rumo ao Nordeste. Aquela seria uma das mais importantes expedições científicas que marcaram o início do século 20 com verdadeiras desbravações do interior do Brasil. O objetivo era conhecer as doenças, realizar diagnóstico e levar atendimento à população isolada do interior do país. Exatamente um século depois, as expedições científicas são reeditadas, com novo enfoque. Agora, a perspectiva é de agir sobre o cenário atual da saúde, que é diferente em cada região, e associar seus determinantes biológicos aos determinantes sociais da saúde, como renda, educação, habitação e saneamento.

As expedições contemporâneas começam justamente pelo Nordeste, região brasileira que mais cresce economicamente e que, ao mesmo tempo, abriga mais pessoas vivendo em condições de extrema pobreza. Lá estão 9,6 milhões de pessoas nessa condição — 59% dos 16,2 milhões de brasileiros que ainda vivem com menos de R$ 70 per capita por mês, ou seja, menos de R$ 350 para uma família com cinco pessoas, segundo dados do IBGE. Essas pessoas são o foco das ações do Plano Brasil Sem Miséria, com o qual o governo federal pretende enfrentar o desafio de erradicar a pobreza extrema no país. Além da busca ativa no Nordeste, o Brasil Sem Miséria quer encontrar e restituir a cidadania de mais 2,7 milhões de brasileiros no Sudeste (17%), 2,65 milhões no Norte (17%), 715 mil no Sul (4%) e 557 mil no Centro-Oeste (3%). Um desafio de enorme vulto e que só será enfrentado com muita mobilização da sociedade organizada.

De 1912 a 1914, as expedições do Instituto Oswaldo Cruz ao Nordeste foram particularmente impactantes, caracterizando imagens de doença, isolamento geográfico e cultural, analfabetismo e pobreza, com destaque para endemias rurais que ainda hoje desafiam as políticas públicas sem terem sido controladas como problema de saúde. Seu relatório foi publicado como artigo científico na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, cujo acervo hoje está totalmente acessível pela internet. Na análise da historiadora Dominichi Sá, a expedição Neiva-Penna foi a de maior repercussão nos meios intelectuais, médicos e políticos brasileiros em sua época.

As expedições do século 21 trazem à cena novamente o Instituto Oswaldo Cruz, agora associado a parceiros na Fiocruz, em universidades, secretarias de saúde, grupos culturais, organizações não governamentais, escolas técnicas, institutos federais e outras instâncias da sociedade civil. Não é mais necessário relatar a realidade sanitária e ambiental, já conhecida por meio dos sistemas de informação do Ministério da Saúde. O que as novas expedições objetivam é mobilizar uma articulação intersetorial para o enfrentamento dos determinantes sociais das doenças associadas à pobreza, trabalhando educação e promoção da saúde, prevenção e vigilância ambiental. Querem colocar em pauta as doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica, que não se interessa em inovar e em produzir para populações que não têm como pagar por remédios caros, mais vulneráveis às doenças em função de sua baixa renda e má alimentação, de seu baixo nível de escolaridade e suas inadequadas condições de moradia e de saneamento. Determinantes sociais que realimentam as sequelas de anemias carenciais e de doenças bacterianas com tratamentos disponíveis, como a cegueira causada por tracoma ou a cirurgia vascular em crianças com doença reumática, além de potencializar os riscos biológicos que advêm da presença de transmissores e de agentes causadores de doenças seculares como hanseníase e tuberculose, verminoses e parasitoses, leishmanioses, dengue e malária.

Decidido a participar desse esforço nacional, o Instituto Oswaldo Cruz mergulha em suas origens e revisita as expedições científicas realizadas por seus pioneiros. A primeira parada, em janeiro, foi em Paudalho, no interior de Pernambuco. Para este ano, um calendário está sendo definido. Um século mais tarde, as expedições não buscam mais mapear as doenças do país, mas levar saúde e cidadania por meio da educação.