Ceticismo marca início de discussões na conferência

Governança e dinheiro travam negociações no Rio

Valor Econômico – 14/06/2012

O ceticismo marcou o início das negociações do principal documento da conferência da Organização das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20, que começou ontem. As principais dúvidas recaem sobre a implementação das decisões, quem pagará a conta do desenvolvimento sustentável e quem vai transferir tecnologia.

Proposta do G-77, de criação de um fundo de US$ 30 bilhões a ser aplicado anualmente a partir de 2017 para financiar o desenvolvimento sustentável, é rejeitada pelos países ricos. O G-77, ao qual está se juntando a China, defende que o fundo seja suprido com recursos novos e adicionais aos repasses já previstos para cooperação internacional.

As mesmas travas que bloqueiam as negociações internacionais de clima rondam a Rio+20. A principal delas, a implementação das decisões, é o nó que está longe de ser desatado no documento base da conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, que começou oficialmente ontem, no Rio. A outra trava é quem paga a conta do desenvolvimento sustentável e quem transfere tecnologia.

O grupo dos países em desenvolvimento apresentou uma proposta, na rodada de negociação anterior, em Nova York, em junho, de um fundo US$ 30 bilhões ao ano, a partir de 2017, para financiar o desenvolvimento sustentável. O fundo, pede o G-77 mais a China (onde estão todos os emergentes), deveria vir dos países ricos e ser alimentado por recursos novos e adicionais aos repasses já previstos para cooperação internacional. O parágrafo está todo entre colchetes, o que significa que não há consenso. O Canadá já pediu formalmente que ele seja eliminado. O tema voltou a ganhar força nas negociações da Rio+20.

“Essa é uma proposta que conta com grande respaldo no G-77 e faz parte da negociação que está sendo conduzida”, disse o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, secretário-executivo da Comissão Nacional para a Rio+20. “Em todas as conferências desse tipo, a questão dos meios de implementação tem sido sempre crucial e não poderia deixar de sê-lo aqui, ainda mais em uma fase em que tradicionais doadores atravessam dificuldades econômico-financeiras e se retraem quanto ao cumprimento de alguns compromissos assumidos no passado”, afirmou. “Essa é uma questão importante e que tem que ser resolvida até o fim da negociação do documento.”

Alguns observadores não acreditam que a Rio+20 terá a promessa de dinheiro novo. “Parece só um jogo de cena”, diz Antonio Hill, porta-voz da ONG Oxfam. Ele lembra que essa proposta é muito similar à do chamado dinheiro de curto prazo das negociações de clima – US$ 30 bilhões ao ano, vindos dos países ricos para os mais pobres do mundo, entre 2010 e 2012. “E os recursos do clima não estão aparecendo”, continua Hill.

“Todos sabem que as negociações de clima fazem parte de outro processo”, disse Sha Zukang, secretário-executivo da Rio+20. “Mas o que decidirmos fazer aqui é algo que pode contribuir lá. Os processos são interligados”, prosseguiu. “Nunca devemos subestimar a influência desta conferência.”

Em evento que reuniu todos os setores da sociedade civil (que a ONU batiza de “major groups”), representantes de jovens, sindicatos, ambientalistas e agricultores reclamaram que as negociações do documento final da Rio+20 não refletem a urgência que os desafios do planeta exigem. Há apenas 25% de acordo sobre as propostas de “O Futuro que Queremos”, o nome do documento final da Rio+20, e, formalmente, apenas mais dois dias de negociação e seis antes da chegada dos líderes mundiais ao Rio.

Para acelerar a negociação, os seis capítulos do documento foram divididos entre cinco grupos de delegados. Um deles discute economia verde; outro, os parágrafos sobre recursos, transferência de tecnologia e objetivos de desenvolvimento sustentável; o terceiro debate oceanos; o quarto, produtos químicos e desertificação; e o quinto, governança ambiental (o fortalecimento do Pnuma, o braço ambiental da ONU, e a criação de um conselho para ambiente, economia e temas sociais).

Os representantes da sociedade civil, reunidos com o copresidente da Rio+20, o coreano Sook Kim, manifestaram sua frustração com o andamento vagaroso das negociações e resultados pouco ambiciosos da conferência. “Por que todos atuam como se esperassem pela Rio+40 ou Rio+60?”, criticou um representante da Finlândia. Arrancou aplausos da plateia. Foi um dos únicos momentos mais animados do primeiro dia da Rio+20. O outro, no início da noite, foi um coquetel ao ar livre ao som de samba e regado a caldinho de feijão. O mestre de cerimônias era Sha Zukang, ladeado pelo ministro das Relações Anteriores Antonio Patriota.