Mundo sustentável para quem?
Valor Econômico – 15/06/2012
Em tempos de Rio+20, quando está em discussão o futuro do planeta – tendo como pano de fundo a crise que assola os países da União Europeia -, o ambiente é propicio a debates e questionamentos diversos sobre o modelo atual de capitalismo que regula o modus vivendi dos 7 bilhões de terráqueos.
A diversificada agenda de debates dos participantes do megaevento, que reúne desde chefes de Estado até ONGs, busca alternativas ou salvaguardas a um modelo industrial, consumista e predatório, dominado pelos mercados, e que tem dado sinais claros de esgotamento. Mas a conversa pouco anda, por falta de vontade política dos governos para buscar alternativas concretas.
Nessa busca por mudanças para novos valores civilizatórios, grupos de origens diversas começam a questionar o culto ao Produto Interno Bruto (PIB), o indicador macroeconômico mais conhecido e tradicional para medir o crescimento das nações. O debate não é novo, mas volta com força quando começa a ser posta em cheque a noção de desenvolvimento vinculada à ideia de progresso e de crescimento econômico tal como é hoje.
PIB é um indicador insuficiente para medir desenvolvimento
O primeiro alerta no âmbito da Rio+20 veio de Sheng Fulai, chefe da unidade de pesquisa e parcerias econômicas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Em encontro de estatísticos promovido esta semana pela ONU, no IBGE, para discutir PIB Verde, ele saudou a iniciativa das agências de desenvolvimento sustentável, que decidiram agregar a questão ambiental ao produto bruto, mas criticou a atual metodologia do indicador, por considerar incompleta a forma de medir a riqueza e o desenvolvimento de um país.
“O PIB não é completo”, acusou Fulai. E citou três problemas que, a seu ver, o limitam como parâmetro de medida de desenvolvimento: não considera os aspectos sociais e ambientais, não é preciso e nem mede o desenvolvimento lato sensu de um país. Para Fulai, só é usado para medir o progresso material, comparando o produto bruto a um painel de um carro que não apresenta as informações corretas. “Isso pode causar problemas”, advertiu.
O que fica evidente nesse discurso crítico é que o PIB, que computa produção e serviços, é insuficiente para dar conta de todo o processo de desenvolvimento dos países no século XXI, como destacou em relatório sobre globalização o prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz.
“Para a maior parte do mundo, a globalização, como tem sido conduzida, assemelha-se a um pacto com o demônio. Algumas pessoas nos países ficam mais ricas, as estatísticas do PIB – pelo valor que possam ter – aparentam melhoras, mas o modo de vida e os valores básicos da sociedade ficam ameaçados. Isso não é como deveria ser”, disse Stiglitz.
Cândido Grzybowski, sociólogo e diretor do Ibase, chama a atenção para o fato de que o indicador tem lados absurdos, pois não separa as atividades econômicas que aumentam a riqueza dos países, daquelas que as destroem. Os custos devastadores de fenômenos naturais nem sempre são considerados nessa contabilidade. “Um tsunami pode levar a um avanço do PIB.”
Participante da Cúpula dos Povos, reunião paralela da sociedade civil na Rio + 20, Grzybowski destaca a importância de se apoiar propostas de mudanças no atual modelo capitalista, como a de alterar a medida de valor da riqueza comumente usada, ou seja, o PIB. “Trata-se de uma medida apenas do que se ganha, e não do que a humanidade perde. No PIB está embutida muito da destruição ambiental e da injustiça social que vemos.”
O que pode ser melhorado e acrescentado à atual metodologia do PIB? Na questão social, o cálculo do PIB per capita deveria ser alterado, pois não leva em conta a concentração de renda. A conta atual divide, grosso modo, o número de habitantes pelo valor do PIB. O PIB per capita alimenta um ranking internacional disputado pelos países. O dado, porém, pouco ou nada revela sobre as desigualdades sociais das nações. Computar atividades ligadas ao bem-estar, aí incluídas saúde e educação, por exemplo, é importante para se medir a qualidade de vida das nações. Isso é feito hoje por outro indicador, o Indice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU.
A discussão mais atual sobre reformas no PIB está centrada nas noções de bem-estar e felicidade. Em 2011, uma resolução da ONU, baseada em proposta feita pelo Butão, foi baixada para estimular os países-membros a adotar indicadores de felicidade. O Brasil foi um dos signatários.
O problema da reforma do PIB é muito complexo. Uma ampliação do indicador foi anunciada na Rio + 20. Trata-se da criação do PIB Verde, uma contabilidade para medir o patrimônio ambiental dos países, padronizada internacionalmente, aprovada pela ONU em fevereiro. O Banco Mundial busca amealhar recursos para implantá-la em países em desenvolvimento pobres. Até agora já foram recolhidos US$ 15 milhões, distribuidos para seis países.
A ideia do Bird é implementar o PIB Verde em pelo menos 50 países mais pobres ligados à ONU. Ao todo, são 193 países. Os da União Europeia já calculam o PIB Verde. O Brasil vai começar após a Rio + 20, a partir do levantamento dos recursos hídricos. Ativistas ambientais são críticos severos do PIB Verde, por encará-lo como parte do que chamam de “economia verde”. Para eles, o PIB Verde será uma nova frente de expansão do capitalismo.
O mais importante nesse debate, reativado na Rio+20, é estimular os governos e economistas a repensar o culto ao PIB como indicador de progresso. Isto alimenta o dogma do crescimento economico de produção e consumo como meta ideal a ser perseguida pelos países, principalmente os emergentes. Não basta crescer. A economia tem que medir as necessidades humanas a partir do uso correto e não predatório dos recursos naturais. Esses devem estar ao alcance de todos, como o ar e a água (esta já nem tanto), uma mudança radical para preservar o planeta e construir uma sociedade realmente sustentável.