Inversão de papéis nos planos de saúde
O Globo – 17/06/2012
O Brasil tinha até o ano passado 64,4 milhões de beneficiários de planos de saúde. Isso representa, em relação a 2006, um salto de 45,5% entre aqueles pacientes que, para fugir do deficiente e tradicionalmente caótico sistema público, correm para a rede privada, pagando mensalidades em troca de rapidez, eficiência e comodidade. Os dados são da Federação Nacional de Saúde Suplementar.
A curva de crescimento do número de clientes da rede conveniada de prestadoras particulares é impulsionada por dois fatores. Primeiro, a persistência de crônicas demandas de atendimento, vagas em hospitais e pessoal na rede pública, ainda que algumas dessas mazelas venham sendo enfrentadas pelo Sistema Único de Saúde (mas não no ritmo e no alcance suficientes para dar conta dos contenciosos). Segundo, a ascensão de famílias para níveis de renda que lhes permitem optar pelo conforto dos planos de saúde.
Ocorre que, pela junção dessas duas variáveis, criou-se um problema de complicada solução: elaborados como instrumentos suplementares – ou seja, voltados para uma clientela que, para não ficar dependente dos serviços públicos, paga com suas mensalidades o preço da comodidade -, os planos, mesmo caros, acabam cumprindo o papel de principal provedor de serviços de saúde de qualidade, que deveria ser desempenhado pelo SUS em todo o país.
Quem tem um pouco mais de recursos certamente prefere sacrificar uma parte do orçamento doméstico a correr o risco de, numa emergência, penar nas filas de atendimento dos hospitais.
Isso ajuda a explicar situações como as que, flagradas recentemente pelo GLOBO, montam um quadro de crise no atendimento dos planos de saúde no Rio de Janeiro. Assim como no resto do país, o estado acompanha a curva ascendente de beneficiários da rede particular. Em 2007, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), chegava a pouco mais de 4,5 milhões o total de contratadores de planos privados. Em dezembro de 2011, o número ultrapassava os 6 milhões. Da diferença entre a manutenção do quadro de clínicas e médicos conveniados e o inchaço da carteira das empresas de saúde privada, resultam episódios como os descritos na reportagem, como o aumento considerável do tempo de espera para consultas – que, em alguns casos, pode chegar a seis meses.
Os planos de saúde não podem substituir a rede pública de atendimento à população. Preocupa que, por deficiências crônicas do SUS, esta acabe sendo a realidade em parte do sistema de saúde brasileiro.
Por definição, eles são um serviço suplementar. Compete ao poder público implantar uma política estratégica que, de fato, permita oferecer à população atendimento universal e de qualidade.
Aos planos, fica o papel de opção para quem prefere pagar, preservando-se, desta maneira, a qualidade que se espera de um serviço privado. Um SUS eficiente reduzirá a pressão sobre a medicina privada.