EUA eram contra Rio+20, revela telegrama
O Estado de S. Paulo – 19/06/2012
Documentos diplomáticos mostram que a Casa Branca queria adiar a cúpula em razão da crise internacional
Telegramas da diplomacia americana desde 2008, obtidos pelo WikiLeaks, revelam que os EUA consideravam a Rio+20 “precipitada”, questionando a utilidade do encontro. Os EUA disseram que não eram refratários à cúpula em si, mas aos gastos envolvidos, em meio à crise internacional. A posição, tomada no governo de George W. Bush, se manteve na gestão de Barak Obama. A secretária de Estado Hillary Clinton, que representará os EUA no Rio, chegou a propor o adiamento do encontro para 2017.
Telegramas diplomáticos mostram que governos de George W. Bush e Barack Obama queriam que reunião ocorresse apenas em 2017
Tanto a gestão do ex-presidente dos EUA George W. Bush como a do atual chefe de Estado americano, Barack Obama, se mostraram contrárias à ideia do Brasil de convocar a Rio+20, que inicia na quarta-feira, 20, suas discussões entre autoridades de alto nível.
Telegramas da diplomacia americana obtidos pelo site WikiLeaks revelam que a Casa Branca qualificou a cúpula como “precipitada”, questionou a utilidade do encontro e os gastos que envolveria e ainda tentou convencer outros governos de realizar uma conferência apenas em 2017. Obama, para justificar sua resistência, usou exatamente os argumentos de Bush, segundo mostram os documentos.
Em meio a um sério impasse, a conferência corre o risco de ser concluída com resultados muito aquém dos pretendidos. O conteúdo dos telegramas revela que a resistência dos EUA à reunião ocorre desde 2008. Parte dos cabos questionando a cúpula foram assinados por Hillary Clinton, secretária de Estado americana e representante de Obama na Rio+20 esta semana.
Um telegrama de 31 de outubro de 2008 – assinado pela então secretária de Estado, Condoleezza Rice – deixa a entender que a ideia da realização do encontro veio do G-77, grupo de países em desenvolvimento. Naquele momento, não havia ainda um acordo de que a reunião ocorreria no Rio de Janeiro. “O presidente brasileiro (Luiz Inácio) Lula (da Silva) e o primeiro-ministro sul-coreano, Han (Duck-soo), propuseram sediar uma Rio20”, afirmou o cabo.
Segundo o documento, o governo sul-coreano teria pedido à Casa Branca apoio para que a cúpula ocorresse em Seul – e o Itamaraty também fez pressão em busca da ajuda de Washington. Naquele momento, porém, a orientação de Condoleezza a sua missão perante à ONU era de tentar frear o projeto da reunião, alertando que não 2012 seria o momento. O principal argumento era que uma agenda de trabalho já tinha sido estabelecida e seria concluída em 2017. Portanto, não haveria motivo para a convocar de uma nova reunião.
Prematura. Condoleezza sugeria que a representação americana na ONU explicasse que os EUA “não eram contrários à cúpula em si, mas estavam preocupados com os recursos, tanto financeiros como humanos, que seriam exigidos”. “Temos dúvidas quanto à produtividade dessa cúpula nesse estágio, à luz de nossos compromissos em andamento sobre desenvolvimento sustentável.”
Segundo a ex-secretária de Estado, a diplomacia americana deveria “enfatizar que o papel da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e seu ciclo de trabalho (mais informações nesta página) são prioridades importantes para os EUA”. Decepção. Obama assumiria a presidência americana no início de 2009, dando ao mundo a esperança de que colocaria a questão ambiental no centro de sua agenda, reavaliando a política implementada por Bush, duramente criticada por ambientalistas.
Mas em junho daquele ano, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, assinou uma carta que seria enviada para a ONU revelando que a resistência da nova administração em relação ao evento no Rio permanecia no governo dos EUA. As Nações Unidas ainda estudavam a realização do evento e tinham pedido que delegações de todo o mundo fizessem seus comentários. Na época, não se falava de Rio+20, mas de um “possível evento de alto segmento” sobre o tema.
Diplomática, Hillary insistiu que os EUA estavam “dedicados na busca de desenvolvimento sustentável e acreditam fortemente na cooperação internacional”. A americana também elogiava os resultados das conferências de clima realizadas no passado. Mas, em grande parte, repetia quase que integralmente a posição adotada por Bush.
Hillary afirmou que, em 2003, a ONU havia estabelecido uma revisão da estratégia e uma análise de quanto o mundo caminhou – o que deveria ocorrer em 2017, no fim do calendário de trabalho estabelecido pela entidade.
“Continuamos a ter questões, incluindo qual seria a meta do encontro, como (a cúpula) adicionaria valor ao trabalho já existente em desenvolvimento sustentável, como evitaríamos que (o encontro) afete as conclusões do processo da Comissão para o Desenvolvimento Sustentável.”
Adiamento. A secretária de Estado também chega à mesma conclusão que sua antecessora. “Se a meta dos dois eventos de alto nível é o mesmo, Estados-membros devem considerar adiar qualquer cúpula até 2017, quando teríamos uma oportunidade sem precedentes para reavaliar a história completa dos acordos de desenvolvimento sustentável e conquistas para que possamos nos informar sobre os próximos passos e embarcar em novas metas.”
Até o argumento financeiro da gestão Bush voltou à tona. “Muitos governos, incluindo os EUA, não têm recursos e nem funcionários para preparar duas cúpulas em cinco anos”. Segundo Hillary, Washington participaria dos debates sobre a conveniência de realizar a cúpula, mas o foco de Washington deveria ser “especialmente sobre a implementação de acordos já feitos”. Em outro telegrama, vindo de Moscou, diplomatas dos EUA questionam os russos sobre qual seria a posição do Kremlin.
Em agosto de 2009, outro telegrama assinado por Hillary voltou a levantar dúvidas sobre o evento. O cabo era uma mensagem da Secretaria de Estado à missão americana da ONU e tinha como objetivo começar a preparar o que seria o primeiro discurso de Obama na entidade, no mês seguinte. “Nosso objetivo é mover-nos em direção a um mundo que supere a divisão histórica Norte/Sul criando oportunidades para uma ampla gama de Estados, incluindo aqueles do G-77 e do Movimento Não Alinhado, trabalhar de forma mais cooperativa com os EUA.” Mas, sobre o meio ambiente, a visão foi de hesitação.
1. Acredita-se que pode ser prematuro organizar uma cúpula em 2012
2. Já temos um grande número de acordos regendo nossas atuais iniciativas de desenvolvimento sustentável. A realização de outra cúpula pode desviar uma atenção das nossas iniciativas no sentido de satisfazer os compromissos estabelecidos e implementar a Agenda 21
3. Nosso entendimento da decisão definida em 2003 e ainda em vigor determina que a comunidade internacional já espera em 2017 uma avaliação geral dos resultados das Cúpulas Mundiais do Desenvolvimento Sustentável
4. Acreditamos que já chegamos a um acordo prevendo um evento de alto nível em 2017
5. Se um evento Rio 20 for realizado em 2012, será que manteríamos a convocação de um evento Rio 25 em 2017?
6. Muitos países-membros, entre eles os EUA, carecem dos recursos para a preparação de uma equipe de representantes capaz de participar de duas importantes cúpulas num intervalo de cinco anos.