Visão do Correio: Paternidade: mudança de paradigma

Correio Braziliense – 04/05/2012

O Superior Tribunal de Justiça determinou que pai pague indenização a filha que teve fora do casamento. A acusação: danos morais por abandono afetivo. Inédita, a decisão tem poder pedagógico. Pôr filho no mundo tem implicações que ultrapassam a responsabilidade financeira. Exige investimento em cuidados para que a criança cresça física e emocionalmente saudável.

A família contemporânea tem nova configuração. Pai, mãe e filhos fazem parte do passado. O divórcio criou situações desconhecidas há poucas décadas. Não raro homens e mulheres rompem vínculos matrimoniais e formam outros. Não é raro também ambos terem prole e formarem prole comum. É o popularmente conhecido por %u201Cos meus, os teus, os nossos%u201D.

A nova realidade não se traduz necessariamente em convivência harmoniosa. Constitui quase regra a mãe ficar com os filhos. Os pais nem sempre mantêm a atenção e o zelo que dedicavam às crianças da união anterior. Pagar a pensão alimentícia lhes parece suficiente. Visitas e saídas eventuais ventilam a consciência. Acompanhar o desenvolvimento sociopsicológico da criança não consta do obsoleto código de conduta.

Filhos fora do casamento deixaram de ser ilegítimos. Tornaram-se legais %u2014 com os mesmos direitos dos havidos na constância da união estável. A mudança legal não significou, porém, mudança de mentalidade. Persiste na sociedade a ideia de que o filho é da mãe. Põe-se nos ombros dela a obrigação de responder pela saúde, pela educação e pelos cuidados necessários ao infante. O pai não tem (nem dele se cobra) nenhuma responsabilidade. A %u201Cculpa%u201D pela aventura é da mulher.

Há anos se vem tentando mudar a legislação sobre o assunto. Tramitam no Congresso projetos de lei que tratam do abandono afetivo. Um, de 2007, determina que deixar de prestar assistência afetiva ao filho menor sem justa causa é crime punível com prisão de até seis meses. Outro, de 2008, estabelece indenização aos filhos e aos idosos pelos danos morais decorrentes do abandono afetivo.

A Justiça, como demonstra a decisão tomada pela ministra Nancy Andrighi, olha com outros olhos o papel dos pais. Em 2005, o STJ negou indenização para caso semelhante. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal seguiu a mesma linha. Manterá o entendimento em 2012? Especialistas apostam que não. Com novos ministros, a corte pode mudar.