Que novidade haverá nestas eleições municipais
Fernando Abrucio/Época – 16/07/2012
A realização da oitava eleição municipal pós-ditadura é um sinal importante do avanço democrático no país. Essa importante conquista não significa, porém, que tenhamos resolvido nossos problemas, expostos na vida caótica das grandes cidades. Uma boa oportunidade de discutir o desafio de governar as metrópoles é a eleição em São Paulo, cujo tema básico, colocado pelo candidato a prefeito pelo PT, é a renovação. De tão importante, esse slogan precisa se transformar em referência para o debate. Mas vale a pena entender melhor o significado da palavra antes de tomar a forma pelo conteúdo.
Obviamente a renovação não tem a ver com as alianças que os principais candidatos montaram. A famosa foto de Paulo Maluf com Lula não é a inovação de que precisamos. Ela apenas revela que todos os partidos já se aliaram com Deus e com o Diabo para ganhar eleições – e, justiça seja feita, Serra também sonhou com aquele abraço. Mudar essa realidade vai além destas eleições municipais e depende tanto da aposentadoria de algumas figuras decrépitas de nosso sistema político, como também da melhoria do arcabouço institucional.
A implantação da Ficha Limpa ajudará nesse processo purificador. Mas seria importante mexer em questões como os critérios para distribuir tempo de rádio e TV aos partidos. O mais importante é proibir as coligações para as eleições proporcionais. Com essa alteração, o PT não precisaria namorar com o malufismo, e os tucanos não teriam de se juntar aos companheiros de Valdemar Costa Neto. Claro que ninguém friamente acredita que Maluf mandaria num governo petista ou que o PR comandaria uma prefeitura sob a batuta de José Serra.
O ponto central de um debate baseado na renovação deve estar nas políticas públicas. Para começar, os candidatos deveriam dizer como reformariam a carcomida máquina pública paulistana. Há muitos cargos comissionados, distribuídos sem controle nem accountability. Eles permitem que um desconhecido faça fortuna negociando a liberação de alvarás para prédios e shopping centers.
Na verdade, a excessiva burocratização para conseguir qualquer documentação da prefeitura paulistana revela que o sistema foi montado não para responder aos interesses dos cidadãos e de empreendedores competentes, mas, sim, para alimentar uma teia de corrupção que congrega políticos e financiadores de campanha.
No fundo, se quiserem concorrer sob o signo da renovação, os candidatos terão de propor uma revolução administrativa em São Paulo. Kassab perdeu essa oportunidade. Para não me colocar como “professor de Deus” conhecedor das “soluções perfeitas”, apresento aqui três temas que devem merecer a atenção dos candidatos.
O primeiro é a qualidade dos serviços públicos na cidade. A morosidade na saúde tornou-se uma triste sina para os mais pobres. A obtenção de alvarás e documentos, um espaço de longa espera ou propina. Entramos num novo milênio, o mundo se tornou mais dinâmico, e a prefeitura de São Paulo atende seus cidadãos com padrões administrativos do século XIX. O que fazer diante desse descompasso?
O segundo tema é o conhecimento. E São Paulo está numa situação paradoxal. De um lado, tem uma capacidade instalada de saber inigualável na América Latina. De outro, uma educação pública que deixa a desejar. Os mais ricos e parcela da classe média podem se instruir segundo padrões comparáveis aos países mais desenvolvidos, e os mais pobres continuam sem acesso ao que há de melhor na própria cidade. Todos perdem com esse cenário, pois a desigualdade extrai investimentos e gera combustível para anomias sociais.
Vale frisar que São Paulo até que tem melhorado suas escolas municipais nas últimas gestões. Mas não o suficiente para remover o abismo existente entre os grupos sociais.
Além de avançar com o modelo de escola de tempo integral e outros dispositivos específicos dessa política, a cidade precisa mobilizar seus cidadãos para integrar seus fios de desenvolvimento. É preciso ter centros tecnológicos e de saber científico nas zonas Leste e Sul, com o apoio decisivo das principais faculdades e universidades cm solo paulistano. Devem ser estimulados os diversos tipos de empreendedorismo em todos os cantos, e eles devem ser interligados às grandes empresas e aos principais circuitos do mercado. Mais do que melhorar a educação, o fundamental é transformar São Paulo na cidade do conhecimento, transformando essa questão em seu fio condutor e na forma como o mundo exterior reconhecerá a metrópole. Quem se habilita a construir um projeto nesse sentido?
O terceiro tema é o trânsito, cada vez mais caótico. Evidentemente, deve-se continuar prolongando o metrô, como tem sido feito nos últimos anos. Mas também deve-se implantar, ao mesmo tempo, uma política para o transporte de ônibus, questão erroneamente deixada de lado por Kassab. Outras soluções vinculadas a novas formas de regulação do uso do espaço urbano também terão de acontecer.
A maior solução é reduzir o deslocamento de cidadãos e empresas. Revigorar o centro e levar o desenvolvimento para as regiões mais carentes é fundamental. Um prefeito renovador será aquele que descentralizar os recursos e a gestão da cidade. Para tanto, enfrentará a resistência das oligarquias distritais que tomam conta da Câmara Municipal. Que candidato trará essa questão para a campanha? Eis aí o maior obstáculo à inovação que o próximo prefeito enfrentará, se quiser mesmo governar sob o mote da renovação.
Fernando Abrucio é doutor em ciência política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP)