Mais gastos, menos atendimentos
Correio Braziliense – 23/07/2012
Relatório da Controladoria-Geral da União aponta falhas na gestão do Hospital Universitário de Brasília. No ano passado, apesar de o orçamento ter sido 41,4% maior que em 2010, houve redução da prestação de serviços, com queda no número de consultas e internações
O aumento dos recursos investidos na prestação de um serviço pressupõe melhorias e ampliação da oferta. Mas no Hospital Universitário de Brasília (HUB) essa premissa não é verdadeira. No ano passado, a unidade gastou R$ 154 milhões, valor 41,4% superior ao registrado no orçamento de 2010. Enquanto as despesas subiram, houve queda no número de internações e de consultas realizadas. Os dados fazem parte de uma auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) este ano, à qual o Correio teve acesso. Para a CGU, as informações mostram um problema de gestão. O órgão de controle do governo federal quer saber por que o HUB gastou muito mais para atender um número reduzido de pacientes. O relatório é preliminar e a direção ainda vai prestar informações e justificativas aos questionamentos.
Quando o balanço dos atendimentos do ano passado é comparado com os dados de 2008, a diferença é ainda mais gritante. O total de consultas caiu 16% nesse período e o número de pacientes internados também registrou redução de 17%. O único serviço ampliado nos últimos três anos foi a realização de partos. Entre 2008 e 2011, o número de gestantes que deram à luz no HUB cresceu 8%.
Para a CGU, os dados não são satisfatórios. “Verifica-se que a variação de 41,4% nas despesas executadas pelo HUB em 2011, na comparação com 2010, ficou bastante acima das ocorridas nos cinco indicadores das atividades de assistência à saúde da população”, diz o relatório. “Portanto, há necessidade de que ocorram aperfeiçoamentos na gestão da unidade”, acrescenta o texto.
Sebastião Francisco Vaz, 79 anos, descobriu um câncer no pulmão em novembro do ano passado. Depois de um mês, conseguiu uma vaga para tratamento no HUB. Não reclama da atenção que recebe dos funcionários e da equipe médica, mas, às vezes, perde um tempo precioso. “Vim para uma consulta que estava marcada. Ninguém conseguiu achar o meu prontuário e terei que voltar na semana que vem. Saímos às 5h, naquele frio, e a viagem foi perdida”, conta. Ele mora em Luziânia. No início do ano, esperou 40 dias por uma tomografia.
Na rubrica que inclui os gastos com a contratação de pessoal para a prestação de serviços de apoio administrativo, técnico e operacional, foram investidos, em 2010, R$ 10,1 milhões. No ano passado, esse valor saltou para R$ 14,6 milhões — o que representa um crescimento de 43,8% em apenas um ano, o que também chamou a atenção dos auditores. Um dos poucos aspectos considerados positivos pelo relatório é a oferta de residência médica. O número de vagas para a especialização de profissionais cresceu 38,1% entre 2008 e 2011. No ano passado, 181 residentes foram formados no HUB.
Apesar das duras críticas, os auditores destacam possíveis justificativas para os dados. O relatório da Controladoria-Geral da União diz que “é importante destacar situações que ocorreram no HUB em 2011, como a permanência do fechamento do Centro de Pronto-Atendimento durante boa parte do ano e o cancelamento de cirurgias por falta de material entre a última semana de abril e a primeira de maio”.
O aposentado Teodolino Francisco Sales, 83 anos, vive duas realidades diferentes no hospital. Há quatro anos, faz tratamento regular contra um câncer de próstata e não tem queixas quanto ao atendimento. Mas, durante as crises intestinais que sofre, precisa de limpezas na unidade de saúde para cessar a dor. Na última terça-feira, entrou às 11h na fila para pegar uma senha e passar por triagem. “O complicado é conseguir ver a cara do doutor. Não sei que horas vou sair daqui”, reclama.
Precarizados
Também há críticas ao controle interno. Segundo a CGU, a mesma divisão que realiza os empenhos e os pagamentos das despesas também faz a liquidação das notas. “Isso caracteriza a ausência de segregação.” Por conta da falta de pessoal, esse trabalho é, às vezes, realizado por prestadores de serviço sem vínculo com a administração o que, segundo a controladoria, “aumentam os riscos de erros e fraudes, pois pessoas que trabalham nessa divisão ficam em contato direto com fornecedores”.
Essa categoria de profissionais, classificada como “precarizados”, mereceu destaque no levantamento. “Providências precisam ser tomadas para que essa força de trabalho seja substituída, mesmo que de forma gradual, por servidores públicos”, revela o relatório. “No entanto, as respostas da unidade auditada demonstram a ausência dessas providências em 2011. Verifica-se também a inexistência de um estudo aprofundado sobre o dimensionamento da força de trabalho do HUB”, aponta outro trecho.
Dos servidores que atuam no HUB, 750 são ligados à Fundação Universidade de Brasília (FUB). De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da FUB (Sintfub), que assumiu a defesa dos terceirizados do Hospital Universitário, quase 700 são precarizados. “A nossa preocupação é manter o emprego dessas pessoas. O que não podemos aceitar é resolver o problema financeiro descartando esses que são profissionais estratégicos para o funcionamento do hospital”, afirma Mauro Mendes, presidente do Sintfub. A reivindicação é que eles sejam absorvidos no quadro regular. O hospital passará a ser administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), seguindo decisão de maio do Conselho Universitário (Consuni).
A direção do Hospital Universitário de Brasília divulgou nota para explicar o aumento de despesas apontado pelo relatório da CGU. Segundo a direção da unidade, o processo de auditoria ainda não foi encerrado e o HUB vai encaminhar respostas aos questionamentos. “De fato, houve maior despesa, inclusive com pagamento de débitos anteriores, haja vista que serviços que se encontravam paralisados foram reabertos”, diz o comunicado oficial. A direção cita o Centro de Pronto-Atendimento, que estava fechado e foi reaberto em setembro do ano passado.
O hospital informou que, nos últimos 12 meses, comprou máquinas, como angiógrafo, tomógrafo, equipamentos odontológicos, carros de anestesia e outros aparelhos para o centro cirúrgico. Sobre a questão dos prestadores de serviços, explica que “dificuldade vem sendo tratada pelo Ministério da Educação, com a criação da Ebserh”.
“O complicado é conseguir ver a cara do doutor. Não sei que horas vou sair daqui”
Teodolino Francisco Sales, aposentado
Estatal
Criada em dezembro de 2011 pelo Ministério da Educação, a estatal tem como objetivo administrar as unidades de saúde das universidades federais do país, apoiar a execução de planos de ensino e pesquisas, além de ser responsável pela contratação de servidores do setor. O regime de pessoal será o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e as contratações, por meio de concurso público.