Dois cheques-caução e uma morte em hospital
Correio Braziliense – 11/05/2012
Servidor acusa o Santa Helena de só internar a mãe na UTI após a entrega de garantia no valor total de R$ 50 mil, exigência considerada crime pelo projeto aprovado no Congresso. Unidade hospitalar nega acusações. Inquérito da 2ª DP apura o caso
A Polícia Civil investiga a morte de uma idosa de 77 anos, no mês passado, em um hospital particular da Asa Norte. Segundo denúncia feita pelo filho à 2ª DP, a aposentada Aureliana Duarte dos Santos deu entrada no Santa Helena por volta das 19h30 do dia 9 de abril, com pressão alta e arritmia cardíaca. O funcionário público Carlos Roberto do Nascimento, 48 anos, diz que a mãe precisou ser internada na unidade de terapia intensiva (UTI), mas o procedimento só teria sido realizado cerca de duas horas depois, mediante a entrega de dois cheques-caução, no valor de
R$ 25 mil cada um. Ele acredita que a demora no atendimento agravou o quadro de saúde de Aureliana. O hospital nega a cobrança de caução.
O caso ocorreu menos de três meses após o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, morrer ao ser recusado em três hospitais particulares do DF por não ter folhas de cheque para deixar a caução exigida. Esta semana, o Senado Federal aprovou projeto de lei que torna crime a cobrança de qualquer garantia de pagamento para atendimento em emergências (leia reportagem abaixo).
Carlos Roberto diz que chegou com a mãe à emergência do hospital e, após um exame clínico, um médico determinou a internação na UTI. Como a idosa não tinha plano de saúde, o filho afirma ter desembolsado R$ 919,94 pelo atendimento inicial. “No entanto, nos exigiram os dois cheques para que ela fosse internada”, disse. Carlos não portava talão de cheques e precisou ir à casa da nora, em Sobradinho, para pegar emprestado. Os cheques são assinados por Maria Cleidiane de Oliveira. “Demorei cerca de duas horas e minha mãe ficou sozinha deitada em uma maca tomando soro. Quando cheguei, ela estava pior”, detalhou. Aureliana morreu quatro horas após a internação na UTI. A causa da morte, segundo o atestado de óbito, foi choque cardiogênico, arritmia cardíaca e hipertensão arterial.
Carlos afirma ter denunciado o caso somente agora porque estava “muito abalado” com a morte da mãe. Ele afirma que a aprovação do projeto no Senado o encorajou a tomar tal atitude. O servidor tem ainda uma dívida de R$ 8,3 mil com o hospital. O valor seria referente às despesas dentro da UTI, entre elas 70 pares de luvas e quatro aparelhos respiratórios. “O hospital está me coagindo. Caso eu não pague essa quantia, eles ameaçam depositar os cheques. Acho esse valor abusivo para o tempo que ela ficou internada e pelo descaso de não terem atendido enquanto eu não cheguei com a caução”, garante o único filho de Aureliana, que mora em Sobradinho.
Cobrança abusiva
Segundo o advogado Luciano Poubel, especialista em direito do consumidor, médico e penal, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor considera abusiva a exigência de caução para internação de um paciente. “Essa exigência coloca o consumidor em desvantagem porque ele está disposto a tudo para internar o seu ente querido”, ressalta.
Na última quarta-feira, Carlos Roberto registrou ocorrência na 2ª DP, por acreditar que a mãe teria sobrevivido caso fosse atendida no momento que chegou ao hospital. A polícia quer saber o que ocorreu no período em que Aureliana esteve na unidade de saúde. De acordo com o delegado-titular, Rogério Bonach, a princípio, há indícios de omissão de socorro no atendimento.
Carlos Roberto foi o primeiro a ser ouvido pela 2ª DP, na tarde de ontem. O diretor, um médico e uma funcionária da área administrativa do hospital são esperados para os próximos dias. O delegado também vai requisitar um laudo ao Instituto de Medicina Legal (IML). Num primeiro momento, a investigação será baseada no prontuário médico, no exame cadavérico e no histórico médico da idosa.
Rodrigo Bonach diz que é preciso cautela durante a apuração. “Se ficar comprovada a omissão, médicos e diretores do hospital poderão ser responsabilizados. A obrigação ética, moral e legal de uma equipe médica é, no mínimo, estabilizar o estado de saúde de um paciente. Eles tinham que ter oferecido atendimento”, afirma Bonach.
Por meio de nota, o Hospital Santa Helena negou que tenha exigido “qualquer garantia para o atendimento da paciente, muito menos a solicitação de cheque-caução.” A nota diz: “A sra. Aureliana Duarte foi internada para tratamento em caráter particular, tendo como responsável pelas suas despesas médicas, o seu filho”. O hospital confirma que a idosa chegou à unidade às 19h48 e “foi imediatamente atendida pela equipe assistencial, que identificou quadro cardíaco grave”. A 2ª DP vai solicitar as imagens do circuito interno do hospital para ajudar nas investigações.
R$ 8,3 mil
Valor que Carlos deve ao hospital por conta da internação da mãe