Sem reformas, governo faz ajustes
O Estado de S. Paulo – 15/10/2012
Estratégia, usada nos setores tributário, previdenciário e trabalhista e na melhoria da infraestrutura, evita negociações com Congresso
As reformas tributária, previdenciária e trabalhista saíram do rol de prioridades do governo Dilma Rousseff. Para reduzir o custo Brasil e dar maior competitividade ao setor produtivo brasileiro, Dilma e sua equipe optaram pela realização de ajustes pontuais nas três áreas e na promoção de melhorias no atual sistema de infraestrutura e logística.
O governo evita, com isso, uma desgastante e demorada negociação com o Congresso. E usa sua energia na elaboração de programas de concessões em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e energia elétrica, aumentando a participação do setor privado nos projetos. “Acho que o Brasil perdeu o impulso das reformas. Não só o governo, mas o Congresso também. Acabou aquele ânimo reformista. A própria sociedade não me parece mobilizada”, disse o senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Segundo ele, não existe hoje no Congresso um grande projeto de reforma tributária, previdenciária ou trabalhista. Monteiro avalia que, nos anos recentes, com períodos de relativa prosperidade econômica, surgiu a ideia de que o custo político das reformas não se justificava, na medida em que o País estava crescendo. “Dilma é pragmática e foca em coisas pontuais. Não podemos deixar de reconhecer que ela está melhorando o ambiente tributário com as desonerações, incluindo a folha de pagamento”, disse Monteiro. Mas o senador faz um alerta: “O mundo inteiro está fazendo reformas por causa da crise econômica. O Brasil precisa fazer reformas amplas, pois terá prejuízos a médio e longo prazos. Temos uma legislação trabalhista que reclama mudanças, assim como a Previdência precisa de uma nova geração de reformas”.
“Confusão”. Para o economista José Roberto Afonso, especializado em finanças públicas, soluções pontuais são a “antítese da reforma”. Ele observou que o Brasil é um dos raros países que não promoveram nenhuma reforma estrutural nos últimos anos, lembrando que os Estados Unidos, por exemplo, aprovaram as reformas tributária e da saúde. “Precisamos saber onde estamos e para onde vamos. Se o governo não propõe reformas, ou é porque considera que as coisas estão muito boas, ou porque não tem uma agenda. Que medida legislativa importante foi aprovada este ano? O Código Florestal?”, pergunta Afonso. “O excesso de regimes especiais provoca confusão, é danoso para a economia e aumenta a burocracia.”
O senador José Pimentel (PT-CE), ex-ministro da Previdência e atual integrante da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, salientou que já houve relevante melhora no sistema previdenciário do servidor público, com a criação da previdência complementar. Os demais segmentos (rural e INSS) não requerem reformas constitucionais e, sim, algum ajuste, acrescentou o parlamentar.
“As coisas andaram muito. Na área tributária, fizemos reformas nos âmbitos da União e dos municípios. Estamos trabalhando no comércio eletrônico e ainda debatendo a redistribuição do FPE (Fundo de Participação dos Estados). Fica faltando tratar do ICMS na origem e no destino”, disse o senador, acrescentando que a Casa aprovou ainda o fim da contribuição de 10% sobre a folha para financiar o déficit no FGTS.
“Estado latente”. Na opinião do pesquisador e professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, essas reformas estão em “estado latente” e precisam ser enfrentadas. Para ele, como a competitividade do País é baixa, qualquer alteração que se faça ajuda o setor produtivo brasileiro.
“O governo está mexendo no que dá para mexer, sem ter de passar por uma negociação, para conseguir maioria no Congresso. Ainda há muito a se fazer”, disse Leite.
O economista Júlio Gomes Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, enfatizou que, apesar de as reformas constitucionais terem saído da lista de prioridades, o governo tem buscado a melhora da logística nacional. “Há em curso uma grande reforma em aeroportos, portos e rodovias. Também está em andamento uma reforma no setor de energia elétrica, que começou com o anúncio da redução da tarifa”, destacou.
José Augusto Fernandes, diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acredita que mudanças no sistema tributário têm mais possibilidades de acontecer. Ele citou como exemplos o debate em torno da tributação pelos Estados do ICMS e os estudos em torno da PIS/Cofins. “O governo está reconhecendo que, dados os problemas de competitividade no País, tem de avançar na agenda do PIS/Cofins, principalmente no que diz respeito à cumulatividade e ao crédito. O Ministério da Fazenda já concluiu um desenho que ainda precisa ser debatido com o setor privado”, enfatizou Fernandes.
Ele considera que houve avanços na Previdência do setor público, mas destacou que o Brasil tem problemas graves no sistema previdenciário em geral que precisam ser corrigidos. Quanto à reforma trabalhista, Fernandes informou que a CNI e os sindicatos estão debatendo o assunto. “Olhando o horizonte, todo esse capítulo de infraestrutura, em que o governo vai permitir a participação do setor privado nas concessões, é muito bem-vindo e dará resultados em três ou quatro anos. No entanto, é preciso complementar essa agenda com as reformas que já estão previstas na Constituição.”
Curto prazo. Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, avalia que o governo prefere fugir de uma longa negociação política, para tentar resolver problemas de curto prazo. Dentro do Executivo, as negociações costumam ser bem mais rápidas do que se envolverem o Legislativo, observou. “O governo sinaliza que as reformas constitucionais são prioritárias, mas tem muita dificuldade para negociá-las. Um ponto positivo que vejo é que há projetos mais ambiciosos de desoneração de tributos.”
Para José Matias Pereira, professor do departamento de administração da Universidade de Brasília, as reformas precisariam ter entrado na agenda política da presidente Dilma Rousseff já no primeiro ano de governo, quando o chefe do Executivo está extremamente fortalecido pelas urnas. “O que estamos assistindo são ações de remendo. É como tentar conter os vazamentos de uma represa.”
Ele acredita que o tema só voltará a ser tratado no primeiro ano do próximo governo, seja com Dilma ou outro presidente da República. “Há algumas frentes de embate no campo econômico, em razão da crise mundial, que estão dificultando as articulações com o próprio Congresso.”