Em busca de um novo modelo de saúde

O Globo – 21 de novembro de 2012

ANS diz que o assunto estará no foco da agenda para 2013. Especialistas afirmam que a mudança é urgente

O modelo assistencial de saúde suplementar brasileiro, que inclui hoje 48,65 milhões de beneficiários e movimentou mais de R$ 84 bilhões, em 2011, está esgotado. A constatação é de especialistas e da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que colocará o tema no foco da sua agenda em 2013. A direção da mudança também é consenso: é preciso sair de uma medicina simplesmente curativa para um modelo que privilegie a prevenção de doenças e a promoção de saúde. Quanto a como fazer essa transformação e qual o desenho ideal para “produzir” saúde é que surgem divergências entre especialistas e ANS.

– O assunto mais estudado no momento é a mudança do modelo assistencial. Em primeiro lugar, por conta do envelhecimento da população. E, em segundo, a forma como se oferece hoje não é um modelo pautado na prática, mas nos procedimentos, o que não é bom para a saúde do beneficiário, nem do setor. O sistema está doente. Por isso, embora registre uma grande produção de consultas, exames e internações, não necessariamente produz bom resultado em saúde – ressalta Martha de Oliveira, gerente-geral de Regulação Assistencial da agência.

Com a visão de que é preciso se antecipar aos problemas, Martha destaca que a ANS já vem editando diversas resoluções, durante todo este ano, que visam a estimular as operadoras de planos de saúde a adotarem programas e ampliarem o acesso a terapias que estejam voltadas à promoção da saúde.

– São resoluções como a voltada ao cuidado com o idoso, a de assistência farmacêutica, e a da ampliação do rol de procedimentos. Hoje a gente ainda não se antecipa a problemas que são previsíveis. A terceira causa de morte de idoso é o tratamento inadequado. Muitas vezes, por exemplo, até conseguir atendimento adequado o beneficiário já bateu em um monte de portas, e aí o quadro já se agravou – diz Martha.

A advogada Maria Stella Gregori, ex-presidente da agência, conta que esteve recentemente com Michael Porter, professor da Universidade de Harvard, nas áreas de administração e economia, que já publicou um livro sobre saúde. Ela diz que hoje no mundo não há dúvida de que o foco na saúde deve estar centrado no consumidor:

– É preciso pensar na sustentabilidade, ter uma visão holística para que o modelo tenha equilíbrio econômico, seja socialmente justo e ambientalmente correto, afinal o ambiente também provoca doenças. E acho que a ANS tem evoluído bastante nesse processo de manter o diálogo aberto para discutir esse novo sistema, assim como vejo positivamente as iniciativas dos programas de promoção à saúde que passaram a fazer parte da agenda regulatória. O fato é que todos os atores têm que mudar de comportamento, inclusive o consumidor.

Com uma visão diametralmente oposta, a advogada Renata Vilhena, especializada no setor de saúde, não consegue ver progressos:

– Este ano a ANS publicou 30 resoluções, a maioria sobre cargos comissionados. Na minha avaliação, a única que se salva dessas novas regras é a que estabelece parâmetros para reajustes de planos coletivos com até 30 beneficiários, mesmo assim é preciso garantir fiscalização para que ela funcione. De resto, acho que poderia haver a extinção da agência. Se as leis de planos de saúde e o Código de Defesa do Consumidor fossem aplicados, já estaria de bom tamanho. E quando há divergência entre uma lei e outra, quem resolve é o Judiciário, não a ANS.

Para Renata, um ponto fundamental para melhorar os diagnósticos, reduzir o volume de exames e desafogar as emergências dos hospitais é elevar a remuneração dos médicos:

– Os planos de saúde deveriam ser proibidos de serem donos de hospitais e laboratórios. Como atuar nas duas pontas? Há um conflito de interesses que pode prejudicar a qualidade do serviço, por exemplo, para baixar custos. E, nesses casos, consumidor e médicos são os principais prejudicados.

Remuneração incompatível

Professora de Direito do Consumidor da Universidade Santa Amaro e consultora da Unesco em pesquisa sobre planos de saúde para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Daniela Batlha Trettel concorda que o modelo de remuneração está equivocado:

– A forma como os planos lidam com os profissionais de saúde não garante que o médico atue de maneira preventiva. O atendimento é tão rápido que não há tempo de fazer um bom diagnóstico. O mesmo acontece com nutricionistas e psicólogos, que, às vezes, recebem R$ 8 por uma consulta. E a assistência à saúde não pode ser focada apenas em medicina, tem que ser multidisciplinar.

Daniela defende uma nova visão de política pública única da saúde no Brasil, que inclua o SUS, pelo lado do Estado, e os planos de saúde. Ela também critica a falta de obrigatoriedade de adoção dos programas preventivos:

– A lógica de se afastar da saúde curativa passa por uma visão de saúde ligada ao bem estar. O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) não é a ausência de doença. Essa visão de saúde curativa permeia o inconsciente coletivo, tanto do consumidor como na forma de prestação de serviço. As propostas da ANS são tímidas, apesar de a estratégia de saúde preventiva ser boa.

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Números

48,6 MILHÕES de usuários de planos de saúde no país, segundo dados de junho de 2012

266,8 MILHÕES de consultas médicas foram realizadas no ano passado

41 MILHÕES de exames complementares feitos em 2011

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Resoluções

ROL DE PROCEDIMENTOS: Na atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde, pela resolução normativa 262, de 1º de janeiro deste ano, foram ampliados procedimentos que visam à promoção da saúde e à prevenção de doenças, como, por exemplo, aumento de consultas a nutricionistas e indicação de terapias ocupacionais. Essa cobertura mínima obrigatória é válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e é revisada a cada dois anos. Atualmente, o rol possui 3.132 procedimentos.

PROMOÇÃO DE SAÚDE: A resolução normativa 264 dispõe sobre a promoção da saúde e a prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar. O texto define conceitos, estabelece as modelagens dos programas e dispõe sobre os incentivos para as operadoras e para os beneficiários de planos privados de assistência à saúde. Além disso, foi editada a resolução normativa 265, que define regras para a concessão de bonificação e de premiação, bem como para a adesão e a participação em programas para a promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças.

REAJUSTE DE COLETIVO: A resolução normativa 309 estabelece as regras de reajuste para os contratos dos planos coletivos com menos de 30 beneficiários. Determina que as operadoras agrupem esses contratos e calculem um reajuste único. A medida possibilitará diluir o risco desses contratos, oferecendo maior equilíbrio no cálculo do reajuste.

MEDICAÇÃO DOMICILIAR: A resolução normativa 310 estabelece princípios para a oferta de medicação de uso domiciliar para beneficiários de planos de saúde portadores de patologias crônicas. A medida é criticada por alguns especialistas, que entendem que ela abre brechas para que as operadoras elevem seus preços.