Fim da Aids mais perto

O Globo – 21 de novembro de 2012

Número de novos casos cai em 51%; preconceito ainda é empecilho

Rio e Brasília Trinta anos depois do início de uma epidemia que parecia fadada a dizimar boa parte da população mundial e estava totalmente sem controle, especialistas anunciaram ontem, pela primeira vez, que já se pode falar em fim da pandemia. Relatório do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids) indica uma redução de 51% no número de novos casos da doença nos países mais afetados. No Brasil, houve também uma queda nas estimativas de infecção, de 600 mil para cerca de 500 mil. A meta de pôr fim à epidemia mundial não é “meramente visionária”, mas “totalmente viável”, diz o documento.

O sucesso das políticas de prevenção à doença na última década e o aumento significativo de pessoas em tratamento permitiram, segundo o relatório, que se fincassem as “fundações para o eventual fim da Aids”, com a redução da cifra de mortos e a estabilização do número de pessoas infectadas. O preconceito, no entanto, continua sendo a maior barreira para se alcançar essa meta, segundo o diretor do escritório central do Unaids, Luis Loures.

Em muitos países, enquanto o número global de casos cai, os registros entre homens que fazem sexo com homens aumentam. Para se ter uma ideia, no Brasil, o percentual de soropositivos na população em geral é de 0,3%, mas, entre homossexuais, o número é de 10%.

– A batalha final para pôr fim à epidemia não se dará no campo científico; será contra a discriminação – disse Loures. – O preconceito contra homossexuais impede o avanço da prevenção, que depende, sobretudo, do diálogo. Antes de mais nada, a pessoa tem que se sentir à vontade para falar sobre o assunto. Por isso, a discriminação, além de ser um atentado à ética, é uma ameaça à saúde pública.

De acordo com o relatório, no final de 2011, cerca de 34 milhões de pessoas tinham o vírus HIV no mundo. Mas o número de novos casos está caindo em toda parte. Os registros feitos em 2011, de 2,5 milhões de casos, são 20% inferiores aos de 2001. Uma redução de mais de 50% no número de novas infecções foi registrada em 25 países de baixa e média renda. Mais da metade deles na África, a região mais afetada pelo vírus.

O país que apresentou a maior queda foi o Malauí, com 73%. Números significativos também foram registrados em Botsuana (71%), Namíbia (68%), Zâmbia (58%), Zimbábue (50%), África do Sul e Suazilândia (ambos com 41%).

A mesma região também registrou um aumento significativo do número de pessoas em tratamento com antirretrovirais: nada menos que 59%. Hoje, pela primeira vez, o número de pessoas que recebem o coquetel (8 milhões) excede o daqueles que deveriam tomar os remédios mas ainda não têm acesso a eles (7 milhões) – um aumento de 20 vezes desde 2003.

– Esse é um dado muito importante – afirmou Loures. – Porque quem trata, não transmite. Estudo divulgado no ano passado mostrou uma redução de transmissão de até 95% entre os que recebem o coquetel anti-HIV.

Queda nas mortes por HIV

Não por acaso, o relatório aponta também uma redução significativa no número de mortes por Aids. Foi de 1,7 milhão em 2011, bem abaixo do pico de 2,3 milhões em 2005. Na África Subsaariana, região mais vulnerável, a queda foi de 30%.

– O ritmo do progresso é acelerado. O que costumava levar uma década agora está sendo alcançado em 24 meses – declarou o diretor-executivo do Unaids, Michel Sidibé. – Esta é a prova de que, com vontade política, podemos alcançar nossos objetivos compartilhados em 2015.

De acordo com o relatório, “embora a Aids continue a ser um dos mais sérios desafios à saúde, a solidariedade mundial na resposta, na última década, continua a gerar ganhos extraordinários na saúde”. Segundo o documento, isso ocorreu graças ao “sucesso histórico” na promoção de programas em escala junto com o surgimento de novas combinações de remédios.

A prevenção da transmissão de mãe para filho também foi apontada como grande responsável pelas reduções. Uma das notícias mais comemoradas do relatório é a redução dos casos em crianças. Metade da queda global nos últimos dois anos tem sido em recém-nascidos. Desde 2009, as novas infecções em crianças diminuíram 24%. Em seis países (Burundi, Quênia, Namíbia, África do Sul, Togo e Zâmbia), o número de crianças que contraíram o HIV caiu pelo menos 40% no período.

– Está ficando evidente que a obtenção de zero novas infecções por HIV em crianças é possível – garantiu o diretor-executivo do Unaids.

Brasil oferece teste gratuito

Novas estimativas da ONU e do Ministério da Saúde indicam que o número de brasileiros que vivem com HIV está entre 490 mil e 530 mil; não mais 600 mil. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o representante do Unaids no Brasil, Pedro Chequer, garantiram que os dados não são divergentes.

– São duas estimativas que estão dentro do intervalo de confiança. Se fosse pesquisa eleitoral, seria a margem de erro. Há, então, entre 490 mil e 530 mil infectados – explicou Padilha.

Embora os novos números coloquem o Brasil como um dos países com menor incidência da doença no Mercosul (0,3%), os especialistas chamaram a atenção para o fato de que cerca de 130 mil pessoas, incluídas na estimativa, não sabem que estão infectadas.

O ministro afirmou que a principal preocupação no novo cenário da doença do país está entre os jovens de 15 a 24 anos, de homens nessa faixa etária que fazem sexo com homens.

– Metade dos casos novos hoje está nesse perfil. E estamos falando de casos de Aids, não de infecção do HIV. De pessoas que se contaminaram há oito, nove anos atrás. É uma geração que não foi sensibilizada no início da luta da Aids, que não conheceu ninguém que morreu da doença – disse Padilha. – Essas pessoas precisam ser fortemente sensibilizadas, fazer logo o teste rápido e, se for o caso, iniciar imediatamente o tratamento. Quanto mais cedo começarem, melhor será sua qualidade de vida – acrescentou.

A partir de amanhã, o ministério promove uma mobilização nacional para testagem de sífilis, HIV e hepatites virais (B e C). Até o dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta contra a Aids, todos que desejarem podem procurar as unidades da rede pública e os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) distribuídos no país. Com apenas uma gota de sangue colhida, o resultado do teste rápido sai em 30 minutos.