A despedida silenciosa do gigante, homenagem a Eleutério Rodriguez Neto
Maria Fátima de Sousa
Levantar-me-ei e irei ter com meu pai.
Lucas, 15:18.
Por Maria Fátima de Sousa¹
Nos últimos dias de 2013, já em recesso de fim de ano e férias, recebi a notícia do falecimento do Prof. Eleutério Rodriguez Neto pelo amigo e ex-deputado constituinte, Eduardo Jorge Alves Sobrinho, que esteve no sepultamento do médico sanitarista que contribuiu para a criação e consolidação do que hoje chamamos de Sistema Único de Saúde (SUS).
No silêncio do recolhimento para as festas de fim de ano, fiquei sabendo do falecimento do fundador do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (NESP/UnB), do qual hoje respondo por sua coordenação, e no silêncio da prece elevei meu pensamento a Deus para agradecer a passagem de Eleutério por nossas vidas.
Eleuterio foi vítima da doença neuro-degenerativa Pick² que o acometia há mais de 10 anos. O ex-professor do Departamento de Saúde Coletiva da UnB faleceu às 8 horas da manhã do dia 23 de dezembro de 2013, aos 67 anos, no Hospital São Luiz, em São Paulo.
Eleutério nasceu em Campinas, São Paulo, em 21 de julho de 1946, mas foi na UnB que deu início à militância pela saúde pública brasileira, quando graduou-se em Medicina, aos 24 anos. Em 1972 abandonou a residência em Clínica Médica na UnB para cursar mestrado em Medicina Preventiva na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Foi lá que obteve contato com a chamada medicina social, que abordava os problemas médico-sanitários da época para nunca mais abandonar o campo.
Iniciou sua carreira como professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1975, mas antes disso já atuava como pesquisador, compondo um rol de atividades profissionais dos mais extensos. Estruturou as Ações Integradas de Saúde (AIS), foi presidente e vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), auxiliou na implantação do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM/UnB) e coordenou o NESP/UnB. Em 1990 foi admitido por concurso como assessor legislativo da Câmara dos Deputados.
Paralelamente à carreira docente, durante 20 anos, Eleutério foi consultor da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) em Washington, D.C., EUA, PAHO/HQ, Genebra, Argentina, Colômbia, Equador, Honduras, Costa Rica, México, Chile, Bolívia, Peru, Brasília, Quebec/Canadá e Rio de Janeiro.
O tema central do movimento sanitarista da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, era Saúde e Democracia, foi lá que nasceu a emenda popular de que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, hoje garantido no artigo 196 da Constituição Federal (CF)³. O NESP resgatou esse momento quando lançou os vídeos do Projeto Recuperação do Acervo do SUS e também quando publicou em sua página na internet o Acervo Digital 4 e instalou a Unidade de Informação e Documentação Prof. Eleutério Rodriguez Neto.
Em suas paredes, o NESP imprimiu a imagem do seu fundador no corredor principal de acesso ao Núcleo, que em 2014 completará 28 anos de existência. Mais um legado deixado por Eleutério à nova geração de sanitaristas que hoje circula em seus espaços e pode conhecer as contribuições desse gigante que por tantos anos esteve em bravo e paciente silêncio.
Nosso Eleutério deixa esposa, um casal de filhos e dois netos, sem esquecermos dos seus inúmeros “filhos e filhas do mundo” que em suas ações se inspiraram por uma saúde pública sensível e de qualidade para todos os indivíduos, famílias e comunidades. Listo em especial os estudantes, pesquisadores, professores e funcionários vinculados ao NESP/UnB, em nome dos quais me associo para saudarmos à família.
Em mais de uma década, temos mantido vivas as suas ideias as quais tive contato ainda quando estudante da Residência de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pelas mãos da então coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFPB, Profa. Anna Rita Pessoa Pederneiras (in memorian).
Nosso gigante adormeceu e ao longo dos anos despediu-se deste plano, silenciosamente, para finalmente descansar, deixando uma herança de inestimável valor para a saúde pública brasileira. Obrigada Eleutério (Leleco, para os mais próximos). Vai com Deus!
REFERÊNCIAS:
1 – Professora do Departamento de Saúde Coletiva e coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília (NESP/UNB).
2 – O mal de Pick é neuro-degenerativo atacando a região fronto-temporal do cérebro causando incapacidade cognitiva irreversível.
3 – “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, Constituição Federal, artigo 196).
4 – Disponível em <http://164.41.147.154:9090/site/php/index.php?lang=pt&Itemid=349>