Saúde e infância: a EBBS e a construção da PNAISC – conceitos e experiências nos territórios

ESTE NÚMERO DA ‘Divulgação em Saúde para Debate’ é o segundo número dedicado à Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (EBBS). Esta estratégia é uma:

[…] Estratégia integrada de Promoção e Atenção no campo materno-infantil (especialmente pop. de 0 a 6 anos) para garantir a todos os brasileiros, qualidade de vida desde seus primórdios, estimulando suas competências e habilidades físicas, emocionais, cognitivas e sociais, através de novas ofertas de cuidados aliadas às tradicionais dirigidas a mulheres e crianças com a perspectiva de além da sobrevivência, trabalhar pelo crescimento e desenvolvimento integral da criança. (BRASIL, 2016).

 

A infância tem a peculiaridade de representar o futuro, e é por isso que preservar e cuidar dela hoje deve fazer parte do projeto de desenvolvimento de uma nação. Entretanto, é oportuno perguntar: o que se entende por preservar e cuidar? Isoladamente, a saúde tem baixa potência para melhorar as oportunidades da infância. O que propicia o bem-estar das crianças e lhes garante o crescimento como cidadãos plenos de potencialidades e de direitos é um conjunto de ações, programas e políticas que dizem respeito à moradia, segurança alimentar, educação, lazer, segurança, transporte e saúde e que constituem necessidades humanas básicas.

 

O sucesso das políticas públicas de redução de miséria e pobreza, aliado à expansão da Rede de Atenção Básica, tem contribuído à melhoria das condições de saúde das crianças. Se o número de óbitos infantis de menores de 1 ano, por mil nascidos vivos, era 47,1 em 1990, ano do início da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS); em 2011, já havia decrescido para 15,3, e atualmente se situa abaixo de 15. Trata-se de uma redução bem mais acelerada do que a prevista. O Objetivo do Desenvolvimento do Milênio número 4 previa o número de 17,9 por mil até 2015, mas esta meta já foi alcançada em 2010, quando se registrou uma taxa de 17,22.

 

Contudo, persistem grandes desigualdades entre regiões, e crianças pobres correm mais risco de morrer, assim como as nascidas de mães quilombolas e indígenas, que apresentam taxa de mortalidade bem maior do que as crianças nascidas em populações não tradicionais.

 

Essa situação aponta para a necessidade de promover o desenvolvimento acoplado a políticas públicas que favoreçam a redistribuição de renda e que diminuam as grandes desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, acusa também as condições heterogêneas em que ainda se encontra o SUS: grandes avanços ao lado de uma persistente precariedade das Redes de Atenção à Saúde, o que prejudica principalmente os segmentos mais vulneráveis da população.

 

Assim, o tema da XV Conferência Nacional de Saúde, ‘Saúde pública de qualidade para cuidar bem das pessoas: direito do povo brasileiro’, foi altamente oportuno.

 

A situação heterogênea e aparentemente contraditória do SUS não decorre da falta de vontade política do setor da saúde pública, pois há evidentes esforços do Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde e setores da sociedade civil para avançar e dar concretude aos princípios do SUS. Um dos tantos exemplos é a iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz, quando decidem, em 2007, trabalhar uma estratégia — posteriormente denominada Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (EBBS) — com o objetivo maior de contribuir para a formulação e para a implantação de uma política de cobertura nacional voltada à atenção integral à saúde da criança, considerando fundamentalmente o artigo 227 da Constituição Federal, que dedica à criança brasileira prioridade em todas as ações de cuidado.

 

Contudo, a despeito do empenho de muitas pessoas e entidades na construção do SUS, há vários fatores que obstaculizam gravemente o seu avanço, entre eles: a ausência de uma ampla base política em suporte ao sistema de saúde, a resistência das elites e segmentos da classe média a políticas universais e igualitárias, a preferência de trabalhadores por planos de saúde corporativos mantidos por empresas que, por sua vez, os utilizam como ‘benefícios’ para seus empregados. Todos estes fatores concorrem para o ‘subfinanciamento’ do SUS, trazendo graves constrangimentos para a sua consolidação.

 

O ‘subfinanciamento’ é agravado pela atual crise econômica que afeta as receitas tanto do governo federal como dos governos estadual e municipal. Porém, uma ameaça maior talvez seja a crise política que se sobrepõe a crise econômica. Essa é sustentada pela grande mídia que se comporta como se fosse representante do capital financeiro e das elites econômicas brasileiras e que dá voz ao discurso neoliberal. Nesse contexto, cresce a pressão para a privatização de serviços públicos e para a redução de gastos com políticas públicas.

 

Entretanto, a crise tem também um outro lado. O crescimento do desemprego e a redução da renda familiar fazem com que amplie o número de pessoas que recorrem a serviços de saúde do SUS em substituição aos serviços privados. E se, de acordo com a mídia, a maior procura do SUS tornaria pior o que já é ruim, na realidade tende a emergir pressão maior para a efetivação do direito à saúde e à melhoria do sistema de saúde. Essa pressão poderá fortalecer a persistente luta dos movimentos sociais em defesa da manutenção dos direitos sociais consagrados pela Constituição Federal e em favor da democracia.

 

Considerando o cenário acima descrito, balizados por marcos referenciais nacionais e internacionais que apontam para a construção democrática de uma consciência em saúde como fundamental para sua produção e entendendo que os padrões saudáveis para a vida são construídos desde os seus primórdios, com uma primeira infância favorecedora do desenvolvimento infantil pleno, caminhamos decididamente, por meio da EBBS, com a construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).

 

É fundamental destacar nesta iniciativa exitosa entre a Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF) da Fiocruz um aspecto ousado e inovador não só na formulação da política, na metodologia participativa de sua construção, pautada no respeito ao coletivo de agentes que com ela se relacionam, fortalecendo o pacto interfederativo para sua consolidação, como também no seu conteúdo, permeado por princípios humanizadores notáveis, entre eles o do ambiente facilitador à vida, criado e desenvolvido com tanta expectativa pela EBBS.

 

Aos leitores, sugerimos apreciá-lo em cada um dos artigos aqui apresentados como uma inovação relacional de cunho transformador presente tanto nas ações de formação quanto naquelas de atenção e gestão, embebendo esta política social da generosidade e do cuidado fundamentais à produção de saúde com cidadania plena.

 

Uma construção que almeja uma sociedade saudável, um mundo saudável, que o terceiro milênio traz como desafio para tornarmos encarnado o cuidado essencial entre os habitantes deste planeta. Queremos, assim, estimular a curiosidade dos leitores a buscar um exercício de aproximação entre esta iniciativa — seus conteúdos teóricos e conceituais, seu modo de fazer e os resultados já obtidos, além daqueles que se queira projetar — e o recente documento divulgado pelas Nações Unidas, com a Agenda 2030. Esta apresenta os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) voltados para as crianças e suas redes de cuidadores, incluindo os adolescentes, não contemplados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), analisando o que será preciso para que os países e, claro, o nosso Brasil possam alcançá-los.

 

Cornelis Johannes van Stralen
Presidente do Cebes

 

Liliane Mendes Penello
Coordenadora da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis

 

Referência
BRASIL. Ministério da Saúde. Brasileirinhos e brasileirinhas saudáveis, primeiros passos para o desenvolvimento nacional. [Internet]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/palestras/humanizacao/brasileirinhos_apresentacao_dra_liliane.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2016.