Ultraconservadorismo do governo projeta ano de lutas

Editorial Correio da Cidadania

 

As jornadas de junho de 2013 marcaram uma mudança na conjuntura. Trouxeram ao ar a rebeldia e indignação popular capitaneada por jovens gerações, que entram na cena política do país pela porta dos protestos de rua.
Com um profundo questionamento às instituições tradicionais do poder, à corrupção, aos desmandos e gastos de dinheiro público em negócios privados, o processo abriu as portas para uma grande onda de lutas e reivindicações setoriais. Greves expressivas, lutas pela moradia e por transporte em inúmeros bairros periféricos, ocupações e greves estudantis marcaram o segundo semestre.

Em resumo, um cenário de lutas e novas contradições, que, em um primeiro momento, teve como resposta da grande mídia uma pesada criminalização. A partir da massificação dos protestos, não restou a essa mídia opção que não se render a eles. Mudou seu tratamento e enfoque, entrando na disputa política e ideológica das manifestações, especialmente com a permanente campanha contra os setores mais radicais.

Os governos, que na esfera municipal e estadual foram obrigados a recuar dos aumentos das tarifas em diversas capitais e cidades, em linhas gerais, continuam se fazendo de surdos. Dos acenos iniciais da presidente Dilma em relação a plebiscitos e consultas populares para uma Constituinte, sob o impacto da democracia que vinha das ruas, fechou-se para o mais do mesmo. A retomada da política econômica ortodoxa, simbolizada no contínuo aumento das taxas de juros, na rendição ao terrorismo fiscal a la FMI, reforçado pela mídia, na privatização das bacias do pré-sal, ao lado da intensificação das políticas públicas focalizadas e da antecipação de vez do debate das eleições de 2014, foram sinais evidentes de surdez face à nova conjuntura que se abriu.

Para os movimentos sociais, a sinalização é de um aumento da criminalização dos protestos e manifestações, a partir de uma série de leis que vêm sendo votadas nas desgastadas sedes legislativas, como a esdrúxula proibição de uso de máscaras em protestos no estado do Rio de Janeiro e a edição e reedição de leis que permitem encarcerar manifestantes sob a acusação de formação de quadrilha.

Turbulências à vista

É dessa forma que deverá correr 2014, ano de Copa do Mundo, de eleições e de eventos de repercussão internacional, como a reunião dos BRICS (acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no mês de março em Fortaleza.

O cenário de novas lutas sociais está no horizonte – mesmo sem sabermos a sua dimensão e que impactos terão sobre as eleições. Não há como prever se teremos algo similar às manifestações de junho, próximas ou em meio à Copa do Mundo. Mas é bem possível que, com o patamar estabelecido no segundo semestre de 2013, com diversas lutas setoriais e movimentos sociais em ação – como os Comitês Populares da Copa, que já articulam novas jornadas de luta –, protestos voltem a ocorrer.

As razões de fundo para esta possível turbulência estão em um modelo de política econômica desigual, numa economia que patina em crescimentos medíocres, à mercê ainda de um cenário externo de crise e semi-estagnação.

Na memória e consciência popular, persiste o rechaço aos gastos da Copa e corrupção, uma saturação com a falta de acesso a serviços públicos e com uma inflação oficial que está sempre batendo no teto dos índices.

Da parte do governo e da grande mídia, deverá vir uma campanha de mais “oba-oba” para legitimar a Copa do Mundo, ao lado do aperto na repressão e criminalização dos protestos. Basta observar o aumento dos gastos dos estados com armamento não letal, especialmente nas sedes de jogos da Copa.

E depois da Copa, vamos todos para a “festa” das eleições. Da parte do Estado e dos governos, nenhuma novidade à vista, apesar dos claríssimos recados oriundos das ruas quentes e ocupadas em pleno inverno brasileiro de 2013.

Caberá aos movimentos sociais combativos, às novas gerações de jovens (que buscam novos instrumentos autônomos e auto-organizados), aos autênticos partidos de esquerda, não comprometidos com os governos e jogos institucionais, apresentarem em 2014 uma ampla unidade de ação, para que se massifiquem os protestos contra os gastos da Copa, contra a desigualdade social, por uma democracia real e das ruas e que seja capaz de apresentar-se de forma unitária nas eleições.

Pois o que junho de 2013 mostrou, mas não resolveu e nem apresentou de forma afirmativa, é que o Brasil precisa de outro projeto de poder, outra institucionalidade, com uma profunda radicalização da democracia e da participação popular, outra política econômica, que tenha no horizonte a soberania e a igualdade social.

Isto só será possível de baixo para cima, do chão das ruas e dos anseios populares. Este é o desafio a ser trilhado a partir de 2014.