Saúde pública ou privada: De que lado você está?

Daniela Savi Geremia | Na Gazeta de Chapecó 

 

A Constituição Federal de 1988 garantiu a saúde como direito de todos e dever do Estado. Nessa perspectiva, tanto a governança quanto a governabilidade são essenciais à sustentabilidade das políticas públicas, que juntamente com a estrutura do Estado e o equilíbrio entre as relações intra e intergovernamentais tem potencial para garantir que as ações de gestão governamental sejam eficientes e eficazes.

 

O que se tem observado recentemente na saúde é o Estado se ausentando do seu papel e transferindo a gestão pública para entidades privadas, tais como: institutos e organizações sociais de saúde, disseminando a falsa ideia de maior eficiência na gestão dos serviços públicos de saúde. Como isso funciona? O governo, mediante convênios e contratos, repassa o orçamento público, oriundo dos impostos e taxas pagas pelos cidadãos, para essas entidades. Estas por sua vez devem apresentar um plano de metas quantitativas de produtividade, as quais deverão ser executadas com o recurso público, o mesmo orçamento que já é gerido pelo governo público, seja ele municipal, estadual ou federal.

 

Tais entidades ditas “sem fins lucrativos” são selecionadas para gerirem os serviços, sob a alegação de apresentam experiência na gestão em saúde. Mas afinal, existe maior experiência do que a gestão pública do sistema de saúde brasileiro? Por outro lado, a experiência brasileira com a privatização da saúde tem nos mostrado que as entidades ditas sem fins lucrativos, criam novos cargos e pagam altos salários para esses, tudo com dinheiro público, o que transforma o termo “sem fins lucrativos” em algo sem nenhuma relevância.

 

A saúde privatizada também desobriga as licitações para a compras de medicamentos, de materiais e de equipamentos, bem como, contrata profissionais sem a necessidade de concurso público, resultando na precarização das relações trabalhistas, alta rotatividade dos profissionais, sem critérios definidos para seleção de pessoal. Enquanto que no âmbito do acesso a saúde, a privatização pode resultar na dupla porta de entrada nos hospitais geridos por essas entidades, privilegiando os usuários de planos de saúde ou até mesmo com reserva de leitos do SUS para os planos. Assim, dado alguns dos problemas citados, a privatização da saúde significa efetivamente a exploração do público em prol do benefício privado.

 

Desde 1988 o Brasil tem implementado um Sistema Único de Saúde (SUS) que está dando certo, com dificuldades financeiras pela magnitude de seus princípios, mas que podemos citar inúmeros programas, estratégias, políticas, ações bem-sucedidas, a saber: promoção, prevenção e tratamento de doenças crônicas, de câncer, transplantes, imunizações, vigilâncias em saúde e muitas outras que podemos agregar nesta lista.

 

O SUS vem sendo (sub) financiado desde sua institucionalização e os gestores municipais encontram grandes desafios para atender as necessidades de saúde da sua população. As dificuldades de gestão existem e tem sido agravada com as recentes medidas de ajuste fiscal realizadas pela área econômica do governo federal, a partir da aprovação da EC 95-2016. A luta por mais recursos para saúde nada mais é do que a garantia do financiamento previsto na Constituição de 1988 e que também resultaria em melhorias na gestão e no acesso aos serviços pela população. A partir disso, faz-se alguns questionamentos: Quais os interesses dessas entidades em gerir o bem público? Dado que o orçamento é o mesmo, qual é o milagre que estas entidades farão que o setor público ainda não o fez?

 

Estas entidades se propõem a expandir os serviços, ampliar número de consultas com especialistas, entretanto não dizem como o farão, porque não o farão. Quais as políticas de fixação de médicos especialistas estão sendo efetivamente planejadas e implementadas? E para onde vão os profissionais que trabalharam uma vida inteira nestes serviços? Desvalorização de todo acúmulo de conhecimento sobre as necessidades e demandas de saúde da região.

 

Há alternativas que exigirão solidariedade e força de pactuação entre municípios da região para fortalecer os serviços existentes, criando ou ampliando os consórcios públicos intermunicipais, assegurando a atenção primária à saúde como porta de entrada preferencial do sistema de forma resolutiva que resultam em redução das demandas por serviços da atenção secundária e terciária. O ordenamento do processo de regionalização, pactuação entre os gestores e planejamento integrado tem como base os instrumentos de gestão do SUS, o Plano Diretor de Regionalização (PDR) e seus complementos, o Plano Diretor de Investimentos (PDI) e a Programação Pactuada Integrada (PPI), que podem compreender as noções de territorialidade e da conformação de sistemas de saúde, visando à otimização do uso de recursos físicos e financeiros e consequentemente facilitando o acesso da população. Assim, as redes de atenção à saúde precisam de planejamento e disponibilidade dos gestores em lutar pelo direito à saúde como bem público.

 

Os pactos de gestão em prol da regionalização da saúde deveriam firmar compromissos entre as distintas esferas de governos de modo que a cooperação prevalecesse tanto na importação quanto na exportação (referência e contrarreferência) de serviços dentro de uma rede assistencial regionalizada, que assegurasse o acesso em todos os níveis de complexidade.

 

Entretanto, a heterogeneidade de interesses entre os entes federados subnacionais precisa ser acomodada dentro da estrutura federativa. Eis que, nessa perspectiva das autonomias subnacionais e conciliação de interesses comuns, desafiam a gestão pública e certamente existem mais conflitos e competições que a legitimidade de práticas conciliatórias em torno de uma saúde pública e de qualidade.

 

A racionalidade do mercado no SUS, através do repasse da gestão para entidades privadas, transforma a saúde como negócio lucrativo, o que realmente não é a solução para os problemas de gestão do SUS. Ademais, quanto vale a sua saúde?

 

Profa. Dra. Daniela Savi Geremia
Coordenadora Adjunta do Curso de enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Chapecó-SC
Líder do Grupo de Pesquisas em Políticas Públicas e Gestão em Saúde (PPGS)
Vice- coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Núcleo Chapecó.