Saúde em Debate – 30 anos de APS no SUS

Atenc?a?o Prima?ria a? Sau?de: da Declarac?a?o de Alma Ata a? Carta de Astana

Editorial

NESTE ME?S, EM QUE COMEMORAMOS 30 ANOS da criac?a?o do Sistema U?nico de Sau?de (SUS) pela Constituic?a?o Cidada? de 1988 e 40 anos de Alma Ata, o convite ao debate sobre os rumos e desafios da Atenc?a?o Prima?ria a? Sau?de (APS) no SUS proporcionado por este nu?mero da revista Sau?de em Debate e? muito bem-vindo e oportuno.

Nestes tempos sombrios, em que as ameac?as ao direito universal a? sau?de e ao acesso equi tativo a servic?os de sau?de de qualidade se intensificam, e? necessa?rio refletir sobre os desafios dos sistemas de sau?de e sobre o papel da APS na composic?a?o desses sistemas. Nesses 30 anos de SUS, deve-se reconhecer a importa?ncia da APS na ampliac?a?o do acesso, na melhoria dos indicadores de sau?de e na reduc?a?o das desigualdades sociorregionais. Tais avanc?os resultam de poli?ticas de governo como a Estrate?gia Sau?de da Fami?lia (ESF), o Programa Mais Me?dicos (PMM), o Programa Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenc?a?o Ba?sica (PMAQ-AB) e a pro?pria Poli?tica Nacional de Atenc?a?o Ba?sica (PNAB) em suas primeiras verso?es1.

No plano nacional, vivemos um momento poli?tico conturbado com ameac?as a? democracia e um governo ilegi?timo que promove um ajuste fiscal draconiano com congelamento dos investimentos em sau?de e educac?a?o por 20 anos, cuja repercusso?es negativas ja? se fazem sentir na piora de indicadores de mortalidade infantil e materna e retorno de epidemias de enfermidades transmissi?veis anteriormente controladas. A agenda poli?tica estrate?gica para a APS no SUS2, aqui publicada, sintetiza essas ameac?as para a APS e para o pro?prio SUS e convida para a ac?a?o em defesa da continuidade do SUS como sistema pu?blico universal.

Comemorando 40 anos de Alma Ata, no plano internacional, realiza-se, neste me?s de outubro, a Confere?ncia Global de APS em Astana, Cazaquista?o, organizada pela Organizac?a?o Mundial da Sau?de (OMS) e United Nations Children’s Fund (Unicef ). As verso?es da Declarac?a?o de Astana3, em preparac?a?o, colocadas em consulta pu?blica, despertam profunda preocupac?a?o, pois promovem retrocessos na defesa da APS integral em sistemas pu?blicos universais de sau?de nos quais o acesso aos servic?os de sau?de e? direito de cidadania. A Confere?ncia conclama para a ‘Cobertura Universal da Sau?de’ (Universal Health Coverage – UHC) e subsume a APS a? cobertura universal em sau?de. O significado de cobertura da UHC, como proposto pela OMS e pelo Banco Mundial, prioriza a cobertura financeira, o que na?o garante o direito universal a? sau?de e o acesso equitativo a servic?os de sau?de conforme necessidades. Na concepc?a?o de UHC, o direito a? sau?de restringe-se ao asseguramento de uma cesta limitada de servic?os, diferenciada segundo grupos de renda, em uma nova abordagem da APS seletiva que alia seguros privados e pacotes mi?nimos. A cobertura universal expressa, no setor sau?de, as poli?ticas neoliberais de austeridade e ajuste fiscal que reduzem o papel do Estado na garantia de direitos a um mi?nimo.

A Associac?a?o Latino-Americana de Medicina Social (Alames), em posicionamento publicado nesta revista4, alerta para os importantes retrocessos que a Declarac?a?o de Astana pode representar. Alerta que a proposta da cobertura universal, ale?m de na?o garantir acesso, e? mecanismo facilitador da expansa?o do setor privado com suas inerentes iniquidades, ressalta o destaque conferido na proposta da Carta de Astana a? participac?a?o do setor privado com desresponsabilizac?a?o dos governos no desenho dos sistemas e provisa?o de servic?os de sau?de; denuncia os enormes interesses econo?micos do complexo me?dico industrial (seguradoras, farmace?uticas, indu?stria de equipamentos) na expansa?o do mercado privado e seus monopo?lios que obstaculizam o acesso a servic?os ao impor prec?os abusivos e produc?a?o distanciada das necessidades de sau?de.

A Alames chama atenc?a?o para o ufanismo da declarac?a?o de Astana que afirma maiores possibilidades de sucesso no momento atual sem mencionar a enorme e crescente concentrac?a?o de riquezas, as ameac?as a? democracia com governos de direita nacionalista nos Estados Unidos da Ame?rica e Europa e as poli?ticas de ajuste neoliberal que negam os direitos humanos. Clama para que os governos latino-americanos defendam o direito universal a? sau?de e a sau?de universal (cobertura mais garantia de acesso), consigna que a Organizac?a?o Pan-Americana da Sau?de (Opas) teve que assumir por pressa?o dos governos democra?ticos sul-americanos em anos recentes.

E? necessa?rio pressionar para que a declarac?a?o de Astana mantenha o espi?rito de Alma Ata de justic?a social e direito universal a? sau?de, do reconhecimento da determinac?a?o social dos processos sau?de-enfermidade, da indissociabilidade entre sau?de e desenvolvimento econo?mico e social sustenta?vel e da necessidade de promover participac?a?o social efetiva para construc?a?o de sistemas de sau?de e sociedades democra?ticas. Tenha como prioridade mobilizar governos e sociedades para a construc?a?o de sistemas universais de sau?de pu?blicos e gratuitos, desenhados com base em modelos de APS que contribuam para a reduc?a?o das desigualdades sociais e promoc?a?o da sau?de.

Ligia Giovanella
Editora cienti?fica da ‘Sau?de em Debate’ especial ‘30 anos de APS no SUS: estrate?gias para consolidac?a?o’
Fundac?a?o Oswaldo Cruz (Fiocruz), Centro de Estudos Estrate?gicos (CEE) – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Maria Lucia Frizon Rizzotto
Editora-chefe da ‘Sau?de em Debate’
Universidade Estadual do Oeste do Parana? (Unioeste) – Cascavel (PR), Brasil.

Refere?ncias

  • 1. Brasil. Ministe?rio da Sau?de. Poli?tica Nacional de Atenc?a?o Ba?sica. Brasi?lia, DF: Ministe?rio da Sau?de; 2012 [acesso em 2018 out 3]. Disponi?vel em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ biblioteca. php?conteudo=publicacoes/pnab.
  • 2. Associac?a?o Brasileira de Sau?de Coletiva. Contribuic?a?o da Rede de Pesquisa em APS/Abrasco para a formu- lac?a?o de uma agenda poli?tica estrate?gica para APS no SUS. In: XII Congresso Brasileiro de Sau?de Coletiva; 2018 jul 26-29. Rio de Janeiro: Abrasco; 2018 [acesso em 2018 out 3]. Disponi?vel em: http://rededepesqui- saaps.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Abrasco_ Final_06.07.pdf.
  • 3. World Health Organization. Borrador de Declaracio?n. In: II Conferencia Internacional sobre Atencio?n
  • 4. Primaria de la Salud: Hacia la Cobertura Universal de Salud y el Desarrollo Sostenible; 2018 out 25-26. Astana?: WHO; 2018 [acesso em 2018 set 20]. Disponi?vel em: https://elagoraasociacioncivil.files.wordpress. com/2018/06/ borrador-de-declaraciocc81n-ii-conf- -aps-2018.pdf.
  • Associac?a?o Latinoamericana de Medicina Social. Declaracio?n de ALAMES frente al intento de ab- sorber la APS en la, muy cuestionada, Cobertura Universal de Salud (UHC). Altana: Alames; 2018 [acesso em 2018 out 3]. Disponi?vel em: http://ala- mes.org/index.php/documentos/declaraciones- -de-la-asociacion/137-declaracion-de-alames- -frente-al-intento-de-subsumir-la-aps-en-la-cus/ file.

Anexos