Estratégia para o desenvolvimento do Brasil
Dizer que programas de transferência de renda desestimulam os beneficiados a entrarem no mercado de trabalho é uma afirmação sem comprovação teórica ou prática. Com o Bolsa Família, que atende cerca de 11 milhões de famílias, a tendência é que ocorra o contrário disso: a renda extra pode funcionar como um microcrédito ou até estimular a procura por um emprego, afirma um estudo publicado pelo Centro Internacional de Pobreza, uma instituição de pesquisa do PNUD em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O texto, chamado Targeted Cash Transfer Programmes in Brasil: BPC and The Bolsa Família, baseia-se em dados da PNAD 2004 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) para concluir que, para pessoas de uma mesma faixa de renda, a presença no mercado de trabalho é maior entre os beneficiários do Bolsa Família.
Os pesquisadores Marcelo Medeiros, Tatiana Britto e Fabio Veras Soares, autores do estudo, observaram que, no grupo dos 10% mais pobres do Brasil, a porcentagem de pessoas que trabalhavam ou procuravam trabalho era de 73% entre os que recebiam o Bolsa Família e de 67% entre os que não recebiam. Na parcela dos 10% a 20% mais pobres, 74% dos beneficiários pelo programa de renda eram economicamente ativos, contra 68% entre os não-beneficiados. No grupo seguinte (20% a 30% mais pobres), a taxa era de 76% para atendidos e de 71% para não-atendidos.
“A noção de que programas de transferência são um desincentivo ao trabalho é mais baseada em preconceito do que em evidências empíricas”, afirma o texto. “Dados recentes da PNAD mostram que indivíduos vivendo em casas beneficiadas pelo Bolsa Família trabalham tanto, senão mais, que indivíduos com renda per capita similar”, continua o texto.
A análise apresenta ainda números de um estudo publicado em 2006 pelo CEDEPLAR (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais) que reforçam esse ponto de vista: a taxa de participação no mercado de trabalho de adultos em famílias atendidas pelo Bolsa Família é 3% maior do que em famílias não-atendidas.
Esses resultados, avaliam os autores, indicam que o dinheiro da transferência de renda pode ser usado para superar obstáculos de entrada em alguns mercados. “Imagine um trabalhador autônomo, um vendedor de rua. Uma barreira para que ele expanda seu negócio e envolva outros membros da família é o acesso ao crédito para fazer estoque. Se a família desse vendedor receber o benefício, este dinheiro será como uma espécie de microcrédito — sem a necessidade de pagamento”, exemplifica o texto. Nesse sentido, o autônomo teria comportamento semelhante ao de empresários que recebem empréstimos. “Se o governo baixa taxas de juros ou dá crédito para empresários na outra ponta da distribuição de renda, quer dizer que vão ficar ociosos e parar de trabalhar? De modo geral, a resposta para essa pergunta é não.”
Outro argumento é que os valor pago pelo Bolsa Família — de R$ 20 a R$182, dependendo da renda e do número de filhos —, embora importante, não seria suficiente para suprir todas as necessidades dos beneficiados. E, em algumas situações, a eventual saída do trabalho não seria negativa. “Famílias extremamente pobres tendem a intensificar a participação de mulheres, crianças e jovens no mercado de trabalho, a maior parte em empregos precários e mal-pagos”, afirma o estudo. “Nesses casos, a redução da participação desses indivíduos no mercado de trabalho, devido ao recebimento do Bolsa Família, tem de ser visto por um ângulo positivo.”
O estudo do Centro Internacional de Pobreza também questiona a hipótese de que um outro programa de renda, o BPC (Benefício de Prestação Continuada), diminua o número de pessoas que contribuem para a Previdência Social. O BPC, que atende a 2,8 milhões de pessoas, garante um salário mínimo a pessoas com mais de 65 anos ou com alguma deficiência que lhe impeçam de trabalhar.
Os autores afirmam que não há evidências de que isso ocorra — as contribuições previdenciárias voluntárias de trabalhadores informais e de autônomos aumentou um pouco entre 1992 e 2005 (mesmo entre os pobres) e a taxa de informalidade caiu.
Fonte: PNUD