Saúde do trabalhador e Covid Longa: Orientações para trabalhadores e gestores
No momento da publicação desse texto, o Brasil registra 676 mil mortes por Covid-19 oficialmente notificadas, com mais de 33 millhões de casos conhecidos. Além da fatalidade, o sistema de saúde têm que lidar com os efeitos de longo prazo da doença na população, também conhecidos como Covid Longa. No artigo a seguir, integrantes do núcleo RS do Cebes e da Rede Trabalhadores & Covid-19 da Esnp/Fiocruz abordam descobertas recentes, efeitos no trabalho, a recuperação parcial da saúde, orientações para gestore(a)s, assistência e reabilitação na rede de saúde pública e suplementar, além de biomarcadores relacionados à doença. Veja a seguir:
1Paola Falceta da Silva, 1,2Leandro Vargas B. de Carvalho, 1Camila Henriques Nunes, 1,3Maria Juliana Moura Corrêa, 1,2Hermano Albuquerque de Castro, 1Antônio Sergio Almeida Fonseca, 1,2Liliane Reis Teixeira, 1Daniel Valente Soares dos Santos, 1Ana Luiza Michel Cavalcante, 1,2Rita de Cássia Oliveira da Costa Mattos
1 Rede de Informações e Comunicação sobre a Exposição de Trabalhadores e Trabalhadoras ao SARS-CoV-2 no Brasil (Projeto Rede Trabalhadores & Covid-19)
2Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz)
3Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes-Núcleo RS)
INTRODUÇÃO
A COVID LONGA ou SÍNDROME PÓS-COVID, é uma condição de saúde emergente, caracterizada por sintomas do efeito prolongado do coronavírus, que são manifestações clínicas persistentes ou novas, detectadas após a infecção pela doença, e que podem resultar em comprometimentos graves e incapacitantes, independentemente da gravidade do quadro inicial da Covid-19 (leve, moderada ou grave).
Cada vez mais a comunidade científica e profissionais de saúde têm buscado informações e conhecimento diante da dificuldade de estabelecer um prognóstico e evolução de sinais e sintomas para um quadro de morbidades relacionadas à Covid-19. Inicialmente, entendia-se que se tratava de um quadro de acometimento exclusivamente do sistema respiratório, porém estudos demonstraram que estamos diante de uma doença sistêmica, por vezes de difícil controle, em que a reprodução do vírus e a resposta imune resultantes podem acometer o corpo todo ou órgãos e sistemas, mesmo após a fase aguda1.
Diversas pessoas ao longo desse tempo da pandemia de Covid-19 tiveram a doença e, mesmo após certo tempo, continuaram apresentando sintomas. As definições dessa condição emergente variam, levando a complexidades no avanço da pesquisa e no desenvolvimento de protocolos clínicos. Várias terminologias foram propostas, buscando dar nome a esse quadro de sintomas pós-Covid: Covid de longa duração, Covid de longa distância, condição pós-Covid-19, Covid-19 pós-aguda, sintomas persistentes de Covid-19, Covid-19 crônica, manifestações pós-Covid-19, efeitos Covid-19 de longo prazo, síndrome pós-Covid-19, Covid-19 em andamento, “long-haulers” 2,3.
A Covid longa (termo que adotaremos neste artigo) surge, normalmente, em até três meses após o início da Covid-19, com sintomas que duram pelo menos dois meses e não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo. Estima-se que a maioria dos pacientes que desenvolveu a Covid-19 se recuperou totalmente, mas uma parcela permanece com efeitos de longo prazo em vários sistemas do corpo, incluindo o pulmonar, cardiovascular, nervoso, digestivo, além dos efeitos psicológicos. Estes parecem ocorrer independentemente da gravidade inicial da infecção, ocorrem com mais frequência em mulheres na meia-idade e naqueles pacientes com mais sintomas (inicialmente)2.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta como identificar um caso clínico de condição pós-Covid-19, nome proposto pela Classificação Internacional de Doenças (CID): CID-10 U09. Essa definição é um dos primeiros passos necessário para melhorar o reconhecimento e, consequentemente, a assistência às pessoas que desenvolvem a condição pós-Covid-19. Assim como, também auxiliar nas futuras pesquisas e à reabilitação de pacientes:
[…] A condição pós-Covid-19 ocorre em indivíduos com histórico de infecção provável ou confirmada por SARS-CoV-2, geralmente 3 meses após o início da Covid-19, com sintomas que duram pelo menos 2 meses e não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo. Os sintomas comuns incluem fadiga, falta de ar, disfunção cognitiva, mas também outros que geralmente têm impacto no funcionamento diário. Os sintomas podem ser um novo início, após a recuperação inicial de um episódio agudo de Covid-19, ou persistir desde a doença inicial. Os sintomas também podem flutuar ou recair ao longo do tempo. Uma definição separada pode ser aplicável para crianças. Não há um número mínimo de sintomas necessários para o diagnóstico; embora sintomas envolvendo diferentes sistemas de órgãos e agrupamentos tenham sido descritos2.
Descrita inicialmente como uma doença respiratória, a Covid-19 não ataca somente os pulmões, mas também outros órgãos como o cérebro, coração, rins, fígado, intestinos, entre outros. Por tal motivo é muito importante que sejam aprofundados estudos científicos sobre como a Covid-19 se manifesta nos diferentes sistemas do corpo humano. Os sintomas podem persistir desde a fase inicial da doença, ou mesmo continuarem após o período de isolamento/quarentena recomendado pela OMS.
Trata-se, portanto, de um conhecimento em construção, visto que surgem novas variantes e subvariantes com modificações importantes na região da proteína S, que modificam o padrão clínico e epidemiológico da doença. Essas modificações interferem na evolução clínica, atingindo com menor gravidade determinados órgãos e com isso modifica também o curso da Covid longa, tanto para órgãos atingidos, quanto aos efeitos persistentes em cada órgão.
Outro fator que deve-se considerar é o padrão de cobertura vacinal da população com relação a quantidade de doses de vacinas da Covid-19, nas diferentes faixas etárias e as doses de reforços subsequentes. É possível que as vacinas façam a diferença nessa evolução! É fato que as vacinas atuais não esterilizantes não impedem a propagação da doença, mas possuem um papel fundamental na redução de casos e mortes. Temos um futuro para avaliar o potencial das vacinas quanto às perspectivas de Covid longa no mundo, dado a enorme desigualdade na distribuição de vacinas no planeta, principalmente nos países mais pobres, com menor acesso aos serviços de saúde e as tecnologias atuais de combate ao vírus SARS-CoV-2.
A Coalizão COVID Brasil, uma parceria entre diversos hospitais que reúne médicos e pesquisadores de todas as regiões do Brasil junto ao Ministério da Saúde, e que integra a estratégia da OMS para o enfrentamento da Covid longa, em um de seus estudos realizados, concluiu que os infectados pela Covid-19 apresentam sequelas de longo prazo, de formas diferentes e que podem durar meses. Nesse estudo, desenvolvido desde 2020, foram monitorados mais de mil participantes, que recebem ligações telefônicas a cada três, seis, nove e 12 meses após a alta hospitalar. O tempo médio de internação desses pacientes foi de nove dias, e destes, cerca de 1/4 precisou utilizar a ventilação mecânica. Entre os entrevistados, 40% dos pacientes estiveram na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e realizaram nova internação para tratamento das sequelas da Covid-19. Os pacientes informaram ter sintomas persistentes de falta de ar, cansaço, prejuízo na qualidade de vida e nas tarefas cotidianas. Aqueles que precisaram de ajuda de aparelhos para respirar, não puderam retornar ao trabalho, mesmo passados seis meses da alta hospitalar. E, somente 5% dos que não utilizaram aparelhos para respirar, conseguiram retornar ao trabalho. Ainda nesse estudo foi estimado que cerca de 25% dos pacientes que tiveram o estado mais agravado da doença, e que precisaram de intubação na UTI, foram a óbito até seis meses após a alta hospitalar em decorrência das sequelas4.
Em outro estudo, publicado no Lancet e Clinical Medicine5, que entrevistou mais de 3.700 participantes de 56 países, com diagnóstico confirmado ou suspeito para Covid-19, verificou-se que pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 podem apresentar mais de 200 sintomas diferentes por prazos superiores a 6 meses, mesmo que não tenham desenvolvido a forma grave da doença, implicando importante prejuízo na qualidade de vida e, inclusive, na capacidade de retomar as atividades no trabalho. Os sintomas mais frequentes e recorrentes após 6 meses da doença foram: fadiga, que afetou 98,3% das pessoas; mal-estar após esforço (89%) e disfunção cognitiva ou “névoa cerebral” (85,1%). Do total de entrevistados, 85,9% tiveram recaídas ao longo de 7 meses, em sua maioria após atividades física, mental ou em situação de estresse. Entretanto, outros sintomas menos frequentes também foram relatados: sensação de zumbido, alucinações visuais, tremores, coceira na pele, alterações no ciclo menstrual, disfunção sexual, palpitações cardíacas, problemas de controle da bexiga, perda de memória, visão turva, diarreia, entre outros. Para a maioria dos entrevistados (91%) o tempo de recuperação ultrapassou 35 semanas. Do total de participantes considerados recuperados, 23,3% não estavam trabalhando em razão das sequelas, incluindo os que tinham licença médica, licença por invalidez, tinham sido demitidos, desistiram ou não conseguiram encontrar um trabalho compatível com sua necessidade de saúde. Outros (45,2%) estavam trabalhando em regime de horário reduzido.
Recentemente, em estudo realizado pela Fiocruz Minas6, pacientes (n=646) domiciliares, ambulatoriais e hospitalizados, com testes positivos para Covid-19, foram acompanhados por um período maior que os estudos anteriores (14 meses). Destes, 50,2% apresentaram a síndrome da Covid longa, com 2 a 3 sintomas simultâneos, e 62,1% relataram comorbidades preexistentes, sendo as mais comuns: hipertensão arterial crônica (223; 34,5%), diabetes (114; 17,6%), doença renal crônica (92; 14,2%) e câncer (83; 12,8%). Do total estudado, 99,2% tiveram Covid-19 antes de se vacinarem, e, dos pacientes não vacinados, metade (50,1%) desenvolveu a Covid longa, com uma variação total de 23 sintomas, entre eles: fadiga (35,6%), tosse persistente (34,0%), dispneia (26,5%), perda do olfato ou paladar (20,1%) e dores de cabeça frequentes (17,3%), com duração de até 11 meses após a infecção aguda. Os pesquisadores ressaltaram que os pacientes mais velhos que apresentaram a forma agravada da Covid-19 tiveram os sintomas mais duradouros da Covid longa, embora 60% dessa síndrome tenha sido proveniente de doenças leves e 13% de doenças moderadas. Segundo os autores do estudo, a Covid-19 apresenta uma complexa patologia envolvendo infecção respiratória aguda grave, resposta hiperimune e coagulopatia, pois após qualquer grave infecção ou trauma, o organismo reage com uma resposta imune esmagadora, chamada de “Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica”, seguida por uma prolongada cascata anti-inflamatória compensatória, chamada de “Síndrome da Resposta Anti-inflamatória Compensatória”.
A Figura 1 ilustra a quantidade de sintomas associados a Covid longa, baseados em recente trabalho de Lopez-Leon e colaboradores (2021)3, dando destaque visual a todos os sistemas afetados por esta síndrome e a pluralidade de sequelas.
DESCOBERTAS RECENTES
Com o avanço da cobertura vacinal na população mundial foi possível comprovar a alta eficácia das vacinas contra a Covid-19, resultando na redução do agravamento dos sintomas da doença, bem como na diminuição dos casos de hospitalização e óbitos. Segundo artigo publicado em 2022 por pesquisadores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) o avanço da vacinação contra Covid-19 no Brasil reduziu 96,44% o número de óbitos pela doença7. Entretanto, as vacinas não impedem que a população se infecte com o SARS-CoV-2, e com a retirada das medidas sanitárias de proteção contra a Covid-19, tais como o uso de máscaras e não aglomeração, e o surgimento de novas variantes do vírus, ainda que sem desenvolver sintomas graves, a população se expõe ao risco de desenvolver Covid longa.
Em um estudo do governo inglês sobre a diminuição da Covid longa, numa amostra com 6.180 participantes vacinados com duas doses e não vacinados, os imunizantes diminuíram em 34,5% o desenvolvimento da doença8. Já em uma pesquisa americana, realizada pela Universidade de Washington com cerca de 34 mil pessoas vacinadas com duas doses e 113 mil não vacinadas nos EUA, a imunização diminuiu em apenas 15% a incidência de Covid longa9, o que pode resultar em altas taxas de infecção pela Covid-19 na população, e futuramente colapsar o sistema de saúde no atendimento dos acometidos pela síndrome.
Com a necessidade de aprofundar ainda mais os estudos sobre a Covid longa, e coibir o desenvolvimento da doença, grupos de pesquisadores em diversos países trabalham para apontar algumas de suas causas, sendo elas:
Dano endotelial
O dano ocorre quando a infecção do SARS-CoV-2 atinge as células endoteliais, membranas que revestem os vasos sanguíneos do corpo humano, ocasionando uma inflamação que afeta a circulação sanguínea, prejudicando o sistema cardiovascular, assim como outros órgãos e sistemas10.
Microcoagulação
Amostras de sangue dos acometidos pela Covid longa demonstraram uma quantidade maior de microcoágulos, que se desenvolvem durante a fase aguda da doença e continuam se formando depois desse período, reduzindo a capacidade sanguínea de transportar oxigênio para o corpo, por conseguinte, lesionando tecidos e órgãos11.
Reação imunológica anômala
Alguns indivíduos apresentam menores quantidades de anticorpos durante a fase aguda da Covid-19, possibilitando uma reação hiperimune de ataque do próprio sistema imunológico ao organismo e ação direta das citocinas inflamatórias 12.
Persistência do SARS-CoV-2 no corpo humano
Ainda que os infectados pela Covid-19 sejam considerados “curados” após o período de isolamento/quarentena recomendado pela OMS, em alguns indivíduos, foram encontrados fragmentos do vírus alojados nos intestinos por mais de 6 meses (indetectáveis em exame de sangue), o que pode causar novas inflamações nos sistemas do corpo13.
Reativação de outros vírus
A partir do enfraquecimento do sistema imunológico pela Covid-19, o corpo pode reativar vírus latentes dentro de si, a exemplo do vírus Esptein-Barr, causador da mononucleose, que normalmente não causa sintomas e 95% da população o apresenta14. O principal motivo para isso é a fadiga crônica, sintoma muito comum nos acometidos pela Covid longa independente das sequelas.
A partir do avanço das descobertas científicas sobre a Covid longa, passamos a compreender melhor como a doença se manifesta no corpo humano, causando danos na circulação sanguínea, desenvolvendo microcoágulos, desregulando o sistema imunológico, persistindo por mais tempo no organismo, inclusive, ativando outros vírus em latência, numa combinação de algumas ou de todas essas causas. Com esse panorama mais amplo de informações, podemos avançar no combate a esta doença, apontando novos caminhos de investigação clínica e possíveis tratamentos, o que não tínhamos até então.
COVID LONGA E TRABALHO
Depois do estresse, tanto físico como psicológico, associado a uma infecção por Covid-19 pode ser difícil regressar ao trabalho. O trabalhador ou trabalhadora pode sentir dificuldade nas suas atividades diárias, mas ainda assim precisa trabalhar por motivos financeiros ou sociais, ou para promover a sua saúde mental.
Caso o trabalhador apresente sintomas relacionados à Covid longa, deve ser afastado do trabalho com emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), como uma doença ocupacional15. Com o apoio e reabilitação especializada, pode ser possível a volta ao trabalho de forma faseada ou parcial até que o trabalhador esteja com sua capacidade funcional adequada, para o exercício de algumas funções16. Ainda estamos aprendendo sobre os efeitos da Covid-19 no organismo, mas sabemos que17:
- 1 em cada 5 pessoas têm sintomas ao fim de 4 semanas, e 1 em 10 tem sintomas durante 12 semanas ou períodos mais longos. Em alguns casos, os sintomas podem durar muitos meses;
- A maior parte dos trabalhadores com sintomas contínuos necessitam de adaptações no local de trabalho;
- A natureza imprevisível e variável da Covid longa significa que alguns trabalhadores poderão necessitar regressar ao trabalho gradualmente, durante um período de tempo longo;
- Existe uma variação importante nos sintomas de indivíduo para indivíduo e não existe um percurso de diagnóstico definido da Covid Longa;
- Os sintomas da Covid longa podem ser imprevisíveis e variar ao longo do tempo, podendo ser contínuos ou intermitentes;
- A Covid longa pode apresentar padrões diversificados: recaídas e fases com novos sintomas, por vezes pouco comuns. Um caso inicialmente leve, ou mesmo assintomático, pode ser seguido de sintomas graves, afetando as atividades cotidianas.
REGRESSO AO TRABALHO APÓS ALTA MÉDICA
O regresso dos trabalhadores ao trabalho irá depender da capacidade em desempenhar suas funções. Para trabalhos que envolvam grande esforço físico e mental ou, em caso de doenças pré-existentes que possam ter se agravado, será necessário realizar avaliação clínica e de exames, principalmente de verificação das funções cardíacas, pulmonares, do sistema nervoso, entre outros. O retorno ao trabalho deve ocorrer somente quando os trabalhadores estiverem sentindo-se plenamente recuperados16. Caso não apresentem condições de retornar ao trabalho, deve ser solicitada a licença-saúde. O empregador deve se responsabilizar pela avaliação clínica, bem como pela licença-saúde.
Além das questões de saúde, o ambiente de trabalho deve ser avaliado quanto às possibilidades de retorno. Ambientes mal ventilados, com aglomerações e com toda ordem de insalubridades, existentes antes da pandemia, necessitarão de revisões e melhorias para reduzir a propagação, não somente dos vírus SARS-CoV-2, mas de outros de transmissão ambiental e respiratória.
RECUPERAÇÃO PARCIAL DA SAÚDE
Trabalhadores que apresentarem condições de recuperação parciais de retorno ao trabalho deverão seguir as orientações médicas de quais tarefas poderão executar, ou solicitar uma consulta com o serviço de medicina do trabalho vinculado à empresa para realizar essa avaliação clínica, ou mesmo de médico do trabalho vinculado ao sindicato da categoria. Após essa avaliação, poderão conversar com a chefia imediata e negociar algum ajuste nas funções laborais, na carga-horária de trabalho, bem como solicitar informações sobre as políticas de reabilitação da empresa. Lembrando, que o empregador deverá realizar a manutenção dos protocolos de saúde no ambiente de trabalho16.
ORIENTAÇÕES PARA GESTORE(A)S, EMPREGADORES E PLANOS DE REGRESSO AO TRABALHO
A OMS elaborou uma guia para gestores e empregadores17, devido a responsabilidade destes com o retorno seguro e saudável dos trabalhadores às suas atividades laborais. A sua função consiste em dar suporte ao retorno ao trabalho, mantendo a comunicação aberta e o apoio às alterações no trabalho. É importante que gestores e trabalhadores atuem juntos para um retorno ao trabalho mais produtivo para todos. De acordo com esse guia, as principais etapas no apoio ao trabalhador que regressa são:
- Etapa 1 – Mantenha-se em contato com o trabalhador durante a sua ausência do trabalho;
- Etapa 2 – Prepare o regresso do trabalhador;
- Etapa 3 – Converse com o trabalhador sobre o regresso ao trabalho, classifique as exigências do trabalho segundo exigências cognitivas, físicas e emocionais e, faça acordo sobre um plano de regresso ao trabalho factível e flexível às necessidades do trabalhador;
- Etapa 4 – Preste apoio durante os primeiros dias após o regresso ao trabalho;
- Etapa 5 – Preste apoio contínuo e efetue controles regulares.
ASSISTÊNCIA E REABILITAÇÃO NA REDE DE SAÚDE PÚBLICA E SUPLEMENTAR – O QUE FAZER E ONDE PROCURAR?
O acúmulo científico sobre Covid longa, ainda que o Ministério da Saúde não tenha elaborado um protocolo nacional para o tratamento da doença para os profissionais da Rede de Saúde Pública e Suplementar, nos permite destacar que é importante que se faça o monitoramento, avaliação, reabilitação e reavaliação periódica dos acometidos pela doença, de forma continuada, dada a complexidade multissistêmica das sequelas da doença. Também, é possível inferir que quanto maior o agravamento do quadro de saúde dos acometidos pela Covid-19, maior o risco de desenvolver complicações físicas, cognitivas e emocionais. É imprescindível que a emissão da CAT seja garantida.
Portanto, entende-se de extrema importância que as políticas de saúde pública devam orientar que o tratamento da Covid longa seja realizado por equipes multidisciplinares, compostas por: médicos cardiologistas, vasculares, neurologistas, pneumologistas, radiologistas, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos entre outros, imprescindíveis para uma avaliação mais ampliada da saúde do trabalhador acometido por Covid longa.
- Trabalhadores usuários do SUS com histórico de sintomas leves ou moderados pela Covid-19: buscar o atendimento através da Atenção Primária à Saúde (APS), isto é, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para avaliação clínica, realização de exames e, se for o caso, indicação de reabilitação por outras especialidades, assim como o encaminhamento para atenção especializada ou hospitalar.
- Trabalhadores usuários dos SUS, com histórico de internação e alta hospitalar: seguir as orientações da equipe multidisciplinar que os atendeu na rede hospitalar, fazendo o monitoramento da condição de saúde no próprio hospital ou atenção especializada indicada pela rede de saúde. Na ocorrência de piora dos sintomas, deverão imediatamente procurar os serviços de emergência do SUS.
- Trabalhadores usuários do sistema suplementar de saúde (planos ou seguros de saúde), com históricos de casos leves ou moderados pela Covid-19: buscar o atendimento através de consulta clínica, para avaliação, realização de exames e, se for o caso, indicação de reabilitação por outras especialidades, bem como o encaminhamento para rede hospitalar.
- Trabalhadores usuários do sistema suplementar de saúde (planos ou seguros de saúde), com históricos de internação e alta hospitalar: realizar o monitoramento, avaliação clínica e de exames de forma contínua com equipe multidisciplinar de referência no atendimento anterior à alta hospitalar, ou em centros de reabilitação e clínicas especializadas em reabilitação que disponham de equipe multidisciplinar. Na ocorrência de piora nos sintomas, procurar imediatamente os serviços de emergência conveniados ao seu plano ou seguro de saúde.
BIOMARCADORES RELACIONADOS À COVID
A utilização de biomarcadores na avaliação de processos fisiológicos e bioquímicos é uma prática na medicina, contribuindo no diagnóstico e como guia de tratamento. Eles são fundamentais e auxiliam no entendimento dos processos inflamatórios e infecciosos. Especialmente no caso dos processos infecciosos, eles podem caracterizar o estágio e a forma da doença, se assintomática, oligossintomática e a doença clássica18,19. Portanto, têm um valor preditivo para a cronologia e evolução desta. Estas informações precoces sobre o processo de adoecimento são de grande valia para evitar um agravamento no quadro de saúde, sendo fundamentais no campo da Saúde do Trabalhador, uma vez que impedem o avanço da doença e o comprometimento do indivíduo.
Na busca por definições consensuais, um grupo de trabalho conjunto entre as agências americanas U.S. Food and Drug Administration e National Institutes of Health criou o BEST Resource – Biomarkers, Endpoint S, and other Tools (FDA-NIH Biomarker Working Group), que apresenta biomarcador como “uma característica definida que é medida como um indicador de processos biológicos normais, processos patogênicos ou respostas biológicas a uma exposição ou intervenção, incluindo intervenções terapêuticas”. Os biomarcadores podem incluir características moleculares, histológicas, radiográficas ou fisiológicas20. Assim, um biomarcador deve ter: relação clara com o processo fisiopatológico, sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo elevados; flutuações em sua concentração proporcionais ao estágio da doença e à intervenção realizada; reprodutibilidade qualitativa e quantitativa18. Os biomarcadores podem ser definidos também, de forma mais simples, como variáveis genéticas, imunológicas e bioquímicas que se relacionam com a expressão de doenças. O Quadro 1 apresenta alguns biomarcadores que podem contribuir para o diagnóstico, tratamento e expressão da Covid longa.
AUTOR/ANO | BIOMARCADOR | INTERPRETAÇÃO |
---|---|---|
Biomarcadores imunológicos | ||
Lasso et al., 202221 | IgG anti-SARS-CoV-2 Spike, contagem de glóbulos brancos (WBC), neutrófilos e linfócitos, juntamente com a proteína C-reativa e os níveis de nitrogênio ureico no sangue | Estão correlacionados com a gravidade da doença e a mortalidade de maneira dependente do tempo. A flutuação dos biomarcadores pode definir parâmetros e informar modelos clínicos para monitoramento de pacientes com Covid-19, de acordo com o tempo após o início dos sintomas. |
Haroun et al., 202122 | Proteína 10 induzida por interferon-y (IP-10) e amiloide A sérico (SAA) | Essas proteínas podem ser utilizadas na classificação do paciente quanto à gravidade e na evolução clínica, auxiliando na tomada de decisões acerca de cada paciente. |
Biomarcadores inflamatórios | ||
Lage et al., 202223 | Estresse Oxidativo (superóxido mitocondrial e peroxidação lipídica) Inflamassoma (citocinas pró-inflamatórias (IL-1?, IL-2, IL-12, IL-18, IFN-? e TNF-?) | O estresse oxidativo descontrolado pode aumentar o estímulo de ativação do inflamassoma NLRP3 e a produção de citocinas pró-inflamatórias, durante a Covid-19. Portanto, a resposta hiperinflamatória sistêmica e a imunopatologia da Covid-19 se potencializam por essas duas vias (inflamassoma e o estresse oxidativo) que contribuem cooperativamente para a gravidade da doença. |
Biomarcadores para transtornos psiquiátricos | ||
Fried et al, 202024 Senra et al., 202125 | Interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-?) | Há evidências crescentes de que o aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias ocorrem em transtornos psiquiátricos. |
Biomarcadores plasmáticos de neuropatogênese | ||
Hanson et al., 202626 | Cadeia leve de neurofilamento plasmático (pNfL), proteína ácida fibrilar glial plasmática (pGFAP) e antígeno nucleocapsídeo SARS-CoV-2 plasmático (pN Ag) | Indicam disfunção neuronal e envolvimento sistêmico em pacientes hospitalizados com encefalopatia decorrente da Covid-19. A detecção de SARS-CoV-2 no sangue, três semanas após o início dos sintomas em um paciente não hospitalizado, sugere que pode ocorrer produção prolongada de anticorpos, ou possivelmente infecção latente, o que levanta a hipótese de neuropatogênese do SARS-CoV-2. |
RECOMENDAÇÃO
Diante de todas as evidências apresentadas e discutidas no decorrer deste artigo, recomenda-se a adoção do princípio da precaução frente a incerteza científica dos potencial comprometimento da saúde dos trabalhadores que foram acometidos pela Covid-19, o que deve estar previsto em planos de retorno ao trabalho e no estabelecimento de acordos coletivos das diversas bases sindicais.
Esses acordos devem prever proposições que visem a estabilidade de todos os trabalhadores que tiveram Covid-19 e, portanto, possam precisar adequar funções, bem como a garantia de assistência à saúde nas diversas especialidades, assim como a adoção de biomarcadores relacionados aos eventos sistêmicos do coronavírus, assim que estejam devidamente fundamentados, para que estes possam orientar as melhores práticas para o tratamento, reabilitação física e funcional, segura e eficaz, para os trabalhadores que convivem com a Covid longa.
REFERÊNCIAS
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