‘Em ano eleitoral, não há espaço para discutir a previdência’
Entrevista com Garibaldi Alves Filho, Ministro da Previdência Social
Publicado no jornal Brasil Econômico
A soma 85 /95 é razoável ou precisaria de um resultado mais alto, de 100 ou 105?
Ela precisaria ser progressiva de alguma maneira. O 85/95 não cobre o que nós temos hoje de redução de despesa com o fator. Ele cobre metade das despesas. Seria começar com 85/95 e ir aumentando esta soma progressivamente com o tempo. Não se faz este tipo de mudança em uma pancada. Por exemplo, a Europa está fazendo mudanças na idade. Não é jogar de repente de 65 para 67, vai aumentando um mês a cada ano e leva-se 20 anos para chegar ao final da mudança. Um dos sistemas mais maduros de previdência da Europa é a Holanda. Lá, ninguém se aposenta com menos de 40 anos de contribuição e a Holanda negociou com os sindicatos. Lá, os sindicatos defendem a progressividade do aumento da idade mínima de aposentadoria de 65 para 67. Quero fazer uma ponderação: estamos falando aqui de fórmulas prontas e acabadas, mas tudo isso depende da discussão no Congresso. É muito grande o leque de alternativas que podem ser discutidas em torno dessa progressividade.
Tem espaço para discutir isso em um ano eleitoral?
Essa é uma pergunta cruel, né? Porque não tem…
É uma discussão para 2015?
É, porque uma discussão dessas agora… se nem a gente aqui (referindo-se à equipe do Ministério) chegou a um consenso, quanto mais lá no Congresso.
Precisa de um cacife político renovado por uma eleição?
É. Sempre que se fala em reforma, se diz que o governo não pode perder tempo, tem que fazer a reforma logo no início. Para que os resultados possam valer desde logo, porque é quando o governo dispõe de uma conjuntura política mais favorável.
Há um sentimento de perda para quem ganha acima do salário-mínimo, de achatamento das aposentadorias…
A pergunta recorrente que eu sempre ouço é: “Eu sempre contribuí sobre cinco salários, mas hoje recebo somente dois salários-mínimos. Como é isso?”. A explicação é que o salário-mínimo, que corresponde ao piso das aposentadorias, vem recebendo aumentos reais. Há ainda a questão da média: pode ser que o segurando não tenha contribuído sempre sobre cinco salários durante um período que venha a impactar significativamente a média dos salários de contribuição no momento do cálculo da aposentadoria (a aposentadoria é calculada com base na média dos salários de contribuição). Ele pode, por exemplo, ter contribuído sobre cinco salários apenas ao longo do último ano. E preciso considerar, ainda, o fator previdenciário, que reduz o valor do benefício.
Se não tivesse o benefício rural, precisaria de reforma?
Precisaria de uma reforma muito menor. Mas de qualquer forma teríamos que retirar os recursos para financiar os benefícios rurais, para dar sustentabilidade a eles. Hoje, o rural é o responsável pelo déficit, já que o urbano é superavitário. Mas com o passar do tempo, o peso do rural tenderá a cüminuir, porque a população rural do país está diminuindo. Hoje, ainda está havendo um impacto grande dos benefícios rurais porque a população do campo está diminuindo pela saída dos jovens, mas os idosos continuam aumentando. A contribuição rural não é como a urbana. No caso do segurado rural, a contribuição corresponde a um percentual do que o produtor vende de sua produção. No caso do segurado especial, que é o agricultor familiar, ele é 2,1% e no caso do agronegócio, é 2,3%. Se o produtor não vender nada, produzir apenas para o próprio consumo, ele não paga nada, mas não perde o direito. Se ele vender, digamos, para a pessoa física, também não pagará nada. Se vender para exportação, também não gera contribuição previdenciária, em respeito à lógica de não exportar tributo.
De certa forma, é o aposentado urbano que financia boa parte da aposentadoria rural. É justo?
Não é o segurado urbano não. É a população como um todo. Os recursos vêm do Orçamento. Quem paga imposto financia a aposentadoria rural, porque ela é deficitária. Mas foi uma medida importantíssima para reduzir a pobreza no campo. Venho de uma região do Rio Grande do Norte onde a economia rural não tem bases sólidas, não é produtiva. Agora, temos controle de toda a contabilidade.
E o urbano, mesmo sendo superavitário hoje, também se tornará deficitário ao longo do tempo em conseqüência das mudanças demográficas?
Sim, a conta vai inverter a partir da segunda metade da próxima década. A gente tem aí pelo menos dez anos de de certa zona de conforto na Previdência.
Quais outras mudanças estão em estudo?
A grave injustiça é ter na legislação da Previdência benefícios com distorções, tais como a falta de carência em relação às pensões. Se eu faço uma contribuição para a Previdência e venho a falecer no dia seguinte, com uma única contribuição eu lego a meus dependentes uma pensão igual à de outro que contribuiu a vida inteira. É uma fraude legal. O sujeito está para morrer, a família vai e faz um casamento, e deixa essa pensão a vida inteira para uma pessoa qualquer. Não se pode fazer nada, há base legal para isso. Mas tem uma repercussão financeira. Hoje o Brasil é o país que mais gasta com pensões no mundo: 3,2% do PIB, somando o regime geral e os regimes próprios. Há outras mudanças. No caso dos chamados benefícios de risco – aqueles que podem acontecer a qualquer momento, como aposentadoria por invalidez, auxílio doença, auxílio-acidente. No Brasil, a quantidade de aposentadorias por invalidez é muito elevada. Hoje, no Brasil, 18% das pessoas se aposentam por invalidez. A União Européia considera que o máximo aceitável é 10%, tanto que uma das medidas que a União Européia exigiu da Grécia, que apresentava um patamar de 14%, foi a redução do percentual a 10%. Estamos trabalhando junto com os Ministérios da Educação, da Saúde e do Trabalho uma forma de integrar as políticas de reabilitação física do Sistema Único de Saúde (SUS), de reabilitação profissional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) a de qualificação do Pronatec, que é do MEC, e de qualificação para recolocação no mercado de trabalho. O objetivo é conseguir que as pessoas fiquem menos tempo em auxílio-doença e reduzir a quantidade de aposentadorias por invalidez, reabilitando essas pessoas para voltar ao trabalho.
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado no ano passado apontou piora no atendimento aos segurados. O que houve?
Não houve piora. O que houve foi um período em que esse tempo médio de espera do segurado subiu. Mas, agora, já houve uma queda, de modo que estamos em um patamar médio considerado razoável, de 18 dias entre a agenda marcada, pelo telefone ou na agência, e o atendimento. Um ponto importante: o benefício passa a ser contado a partir da data do agendamento. Não há prejuízo para o segurado na concessão. Também estamos implantando um plano de expansão de agências, iniciado em 2009, que nos levará a ter 720 novas agências. Já inauguramos 309 novas agências e a meta é chegar em 2015 com todas inauguradas. Isso ajudará e esses tempos cairão mais.
Sobre o depósito das aposentadorias só depois do Carnaval, houve erro do INSS?
Olhe, desde 2008, segundo nos informou o INSS, quando a data de pagamento do benefício cai em um dia útil de expediente bancário reduzido – por exemplo, véspera de Natal ou quarta-feira de cinzas – o INSS passa para o dia seguinte. O calendário foi divulgado formalmente em dezembro para bancos e beneficiários, e no contracheque anterior, saiu no aviso para o aposentado, mas muitos não olharam.
Mas deu confusão, não foi?
É… porque o banco estava aberto, lá foi o aposentado, e, quando chegou, não encontrou…
A política de correção do salário – mínimo tem grande impacto sobre a Previdência. Alguns defendem a desvinculação dos benefícios em relação ao valor do mínimo. Qual sua posição?
Sou contra porque, hoje, são 20 milhões dos benefícios na faixa do salário-mínimo. Se houver uma desvinculação, pode haver uma deterioração da política de valorização do benefício.
Há um complemento que o Tesouro garante à Previdência para compensar as perdas decorrentes da desoneração da folha. A Fazenda vem dizendo que essa política veio para ficar. Não há o risco de se tentar embutir, na reforma em estudo, uma forma de compensar os repasses do Tesouro?
Não existe essa articulação da Fazenda. O que a Fazenda desonera, tendo em vista a política econômica, eles o fazem em nome de uma melhoria geral das condições econômicas, e aí a Previdência vai continuar a exigir apenas essa compensação. Além disso, essa compensação não é uma decisão do Tesouro, está em lei.
Como o senhor avalia essa revolta do PMDB?
Eu sou senador, a qualquer momento, posso estar lá. Você sabe que o panorama no Senado está mais tranqüilo do que na Câmara. Mas, ao mesmo tempo, sendo ministro, vejo por dentro o que acontece no governo. Eu acho que o PMDB deveria, nessa hora – pelo menos aqueles que estão liderando isso – perceber que este não é o momento para puxar o tapete, esticar a corda. Eu considero que o governo não merece que se faça isso assim da maneira como está se fazendo. E acho mais inconveniente ainda o momento escolhido. É um momento de julgamento do governo, de eleição, e nós fomos solidários esse tempo todo com o governo, mesmo que não tenhamos sido tratados com tanta solidariedade, como os deputados alegam. Esse debate, se é que deveria ter sido iniciado, deveria ter acontecido antes. O momento agora não é o de pular do barco ou ameaçar fazer isso.
O sr. tem conversado sobre isso com o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, seu primo?
Eu já manifestei minha posição a ele, mas compreendo que ele tem outras responsabilidades. Nós somos muito mais integrados e solidários na política estadual que na nacional.
Qual a sua avaliação do cenário eleitoral? A presidenta Dilma ganha no primeiro turno?
As pesquisas estão aí dizendo que ela ganharia no primeiro turno. E eu não vejo qualquer tendência de que ela venha a perder credibilidade e, consequentemente, pontos nas pesquisas.
Alguns dizem que a oposição é fraca. O senhor concorda?
Eu não diria que a oposição é fraca porque, senão, vou cutucar o cão com a vara curta. Mas está faltando à oposição credibilidade, um discurso mais consistente. Porque se há mesmo, como afirmam jornalistas, alguma insatisfação, a oposição não está capitalizando. O governo está fazendo sua parte. Não está havendo da parte da oposição um debate que chegue a emocionar a população, a levar o cidadão a se pronunciar. Por isso, aposto que o governo tem condições de ganhar no primeiro turno.
O sr. avalia que os movimentos de rua podem ser um obstáculo à reeleição de Dilma?
As manifestações são legítimas, mas elas se descaracterizaram no país. Com esse vandalismo todo, perderam aprovação. A própria população que ia para as ruas, não vai mais. Não precisamos de pesquisas para ver que as manifestações minguaram. Basta ver como era uma manifestação em junho, e como é hoje.