Impasse no combate à hipertensão
Paula Takahasho/ Correio Braziliense
Operação realizada na artéria do rim mostra bons resultados no controle do problema, mas estudo recente questiona a real eficácia do procedimento
Silenciosa e com consequências profundas para o organismo, a hipertensão acomete mais de 30 milhões de brasileiros, número que pode superar os 40 milhões se considerados aqueles que têm a enfermidade sem saber. Desses, entre 10% e 15% se enquadram na forma mais grave da doença, a chamada hipertensão severa. “São casos em que a pessoa precisa tomar três ou mais medicamentos”, explica Marcus Bolivar Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Belo Horizonte e coordenador da campanha “Eu sou 12 por 8”, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Mesmo com a associação de diferentes fármacos, inclusive diuréticos, a pressão ainda permanece em patamares elevados, o que coloca em risco o bem-estar e a saúde do paciente.
Desde 2011, a indústria de equipamentos médicos e a comunidade científica mundial se debruçam sobre um novo tratamento que promete trazer alívio para a parcela da população mais penalizada pela hipertensão. A denervação renal com cateter dedicado (veja procedimento completo no quadro ao lado) é um procedimento minimamente invasivo que tem como meta bloquear os estímulos do sistema nervoso simpático sobre o rim, um dos responsáveis pela regulação dos níveis de pressão arterial.
De forma equivocada, o cérebro avalia que a pressão está baixa e manda comandos para que o rim comece a atuar. “Um dos mecanismos utilizados pelo órgão para aumentar a pressão é a retenção de sal e água. Outro seria a produção de uma substância que causa vasoconstrição, ou seja, o estreitamento das artérias”, explica Alexandre do Canto Zago, médico cardiologista do Hospital Mãe de Deus e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O erro de comunicação justifica a alta descontrolada dos índices pressóricos.
Interromper essa troca de informações é, portanto, o principal objetivo da denervação renal, tratamento já realizado no Brasil desde novembro, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a comercialização do cateter no país. A maior parte dos procedimentos realizados por hospitais detentores de tecnologia de ponta ainda ocorre em protocolo de pesquisa. No Hospital Mãe de Deus, no Rio Grande do Sul, porém, a denervação renal já faz parte da rotina clínica. “Fizemos três procedimentos, todos com resultados positivos”, afirma Zago, coordenador da equipe responsável.
Modesta, mas decisiva
Em um dos pacientes, um homem de 71 anos, houve redução de 20mm/Hg na pressão sistólica e 10mm/Hg na diastólica, o equivalente a sair de 17/11 para 15/10. “Os resultados são compatíveis com os estudos. Os números podem parecer baixos, mas, a longo prazo, cifras dessa ordem podem ter efeitos sobre órgãos, como o coração e os rins”, observa Zago. Ao contrário do que se espera, a denervação renal não vai eliminar a necessidade de uso dos medicamentos, mas promete melhorar a qualidade de vida do paciente. “Conseguimos reduzir a quantidade desses remédios, principalmente aqueles com efeitos colaterais que não são tolerados”, observa o cardiologista do Rio Grande do Sul. Segundo Luiz Bortolotto, membro da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) e diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração (Incor), a média de sete remédios consumidos antes da intervenção pode cair para quatro.
O primeiro estudo realizado para comprovação da eficácia da denervação renal ocorreu em 2011 e revelou redução de cerca de 30mm/Hg da pressão sistólica e de 12mm/Hg a 15mm/Hg da diastólica. A grande surpresa para a comunidade médica mundial foi divulgada em janeiro passado, quando uma nova pesquisa colocou em xeque os reais benefícios do procedimento. “Surpreendentemente, não houve diferença entre os resultados dos dois grupos estudados, um que realmente fez a denervação e outro que fez uma intervenção com caráter de placebo”, explica o cardiologista Marcus Bolivar Malachias. O detalhamento completo da pesquisa ainda não foi publicado e, por isso, a grande apreensão no meio sobre as circunstâncias que justificam o resultado.
A expectativa agora gira em torno dos próximos estudos previstos para serem divulgados nos congressos internacionais ao longo do ano. “Apesar do desânimo da última pesquisa, estamos com expectativa de que os novos estudos venham mostrar resultados importantes. Ainda há otimismo”, garante Malachias. A principal dúvida a ser respondida é qual tipo de cateter alcançará maior eficácia. “Pode ser que o mecanismo de radiofrequência não seja o melhor. Já há possibilidades com ultrassom”, antecipa o especialista.
Normatização
Para Luiz Bortolotto, também é crítica a necessidade de estabelecer um protocolo exato de aplicação clínica do procedimento para que não seja realizado sem necessidade. “É preciso reforçar que os casos devem ser muito bem selecionados e deixar claro qual será o paciente realmente beneficiado”, pondera. Isso porque, diante da novidade da intervenção e das dúvidas que ainda pairam sobre sua eficácia, não há previsão de quando será coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos planos de saúde, tratamentos como esses podem demorar até dois anos para entrar no rol de cobertura. “Um estudo não favorável, como o publicado recentemente, dificulta ainda mais esse processo. A eficácia deve ser incontestável”, pondera o cardiologista Alexandre do Canto Zago.
Enquanto o paciente não tem qualquer amparo público ou privado para arcar com o tratamento, o custo gira em torno de R$ 25 mil, sendo R$ 20 mil apenas para aquisição do cateter. A secretária doméstica Lourdes Ferreira, 47 anos, trata da hipertensão há 14 anos e é uma entre os milhares de brasileiros que poderiam se beneficiar do tratamento caso fosse incorporado à cobertura médica. “Tomo cinco medicamentos e minha pressão ainda fica em torno de 14 por 8 quando estou tranquila”, conta. Episódios críticos, em que a pressão sistólica passa de 15, a obrigam a recorrer ao atendimento hospitalar e não são evitados pelos vários fármacos. “Sinto muita dor de cabeça e mal-estar. Quando a pressão sobe muito, ainda tenho náuseas”, descreve Lourdes.
Múltiplos benefícios
Há indícios de que a denervação renal também traga efeitos positivos na redução dos índices glicêmicos e de colesterol. “Poderia melhorar a insuficiência cardíaca, arritmias e até tendência de melhora metabólica como a redução do nível de glicose”, afirma o cardiologista Marcus Bolivar Malachias. Pesquisas dedicadas a comprovar os demais benefícios do procedimento começam a ser realizadas nos principais centros hospitalares do país.