Onze meses depois, lei para tratamento de câncer na rede pública não funciona

Lígia Formenti/ O Estado de S. Paulo

O Instituto Nacional do Câncer estima que 518 mil novos casos de todos os tipos de câncer são registrados no País por ano

 

Quase onze meses depois de entrar em vigor, a lei que fixa o prazo de até 60 dias para pacientes com câncer iniciarem o tratamento na rede pública de saúde ainda não foi colocada em prática. O entrave para que pacientes vejam concretizado o direito de acesso a uma terapia no tempo considerado razoável é o Sistema de Informação do Câncer (Siscam), uma ferramenta anunciada poucos dias antes da vigência da lei e que, por ironia, foi classificada pelo então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como “uma nova etapa do tratamento do câncer no País”.

A presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi, avalia que a regulamentação limitou e desvirtuou a Lei 12.732/12, que determinou o prazo de 60 dias. “A criação do sistema, por si só, não é um problema. O erro foi condicionar o prazo de 60 dias ao funcionamento completo do Siscam”, afirmou.

O Ministério da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, afirma que o Siscam, por si só, não impede que a lei seja colocada em prática. Mas reconhece que, como ele não está em funcionamento, não há como fazer o controle de prazos.

O software foi ofertado gratuitamente pelo Ministério para todas as secretarias de Saúde em maio do ano passado. O recurso tem capacidade de reunir o histórico do paciente e do tratamento. A expectativa anunciada pelo ministério era a de que a partir de agosto do ano passado todo o registro de novos casos de câncer no País já estariam sendo feitos pelo Siscam. Na ocasião, a pasta anunciara que estados e municípios que não implantassem o sistema até o fim do ano teriam suspensos os repasses feitos para atendimento oncológico.

O prazo, no entanto, não foi sacramentado em portaria. A oficialização somente ocorreu em dezembro: e a data limite, concedida na época, era março deste ano. Na prática, uma folga dada para os municípios. Agora, o ministério avisa que a data será novamente prorrogada. Embora a portaria ainda não tenha sido publicada com a dada, Estados e municípios já foram avisados sobre o novo fôlego.

De acordo com o Ministério, a ampliação do prazo foi feita para tentar aumentar a adesão de municípios. Pelas contas da pasta, 3.961 municípios receberam senha e até o momento foram cadastrados 1.539 casos de diagnóstico positivo de câncer.

Dificuldades. Maira avalia que esse não é o único problema enfrentado na área de tratamento de câncer, sobretudo o de mama. Como exemplo, ela cita a limitação para o uso de medicamento trastuzumabe para pacientes com câncer de mama com metástase. “Há estudos mostrando que o medicamento traz benefícios para essas pacientes”, afirma. “Essas mulheres acabam sendo duplamente penalizadas: demoram para receber o diagnóstico, iniciam o tratamento muitas vezes numa etapa tardia, apresentam metástase e, quando isso ocorre, não têm direito ao uso do remédio.”

O Instituto Nacional do Câncer estima que 518 mil novos casos de todos os tipos de câncer são registrados no País por ano. Em 2010, ocorreram 179 mil mortes em decorrência da doença. O câncer dos brônquios e do pulmão foi o tipo que mais matou (21.779), seguido do câncer do estômago (13.402), de próstata (12.778), de mama (12.853) e de cólon (8.385).