A “caso” e a “crise” do Mais Médicos

De Pedro Carneiro, diretor do Cebes

Depois de uns dias de embates e debates em torno da questão, vale (se) questionar: Como foi mesmo que essa questão, que as próprias entidades médicas colocam que não é central na saúde pública brasileira, virou essa “crise” que está posta?

“Puxemo” aqui da memoria, pra mor de “alembrá”…

Inicialmente, houve o anuncio do governo que haveria um acordo para trazer médicos cubanos ao Brasil. Na época, não foi anuncio nem da Presidência, e nem do Ministério da Saúde. Foi anunciado pelo Itamarati, sem grandes ares de visibilidade, como quem anuncia mais um acordo bilateral de comércio de gás, ou de lã, ou qualquer coisa assim.

As entidades médicas protestaram. Revalida já virou foto de perfil de facebook, absurdo trazer médicos sem revalidação, etc.

O governo recuou. Surge a fala do Ministério da Saúde. Disse que daria prioridade aos brasileiros. Descortinou mais concretamente o que seria isso, que agora recebia o nome de “Mais Médicos”.

Essa era a hora. As entidades médicas poderiam ter colocado condições para o programa. Poderia ter dito “aceitamos esse programa temporário desde que se cumpra 1, 2, 3, 4, 5”, condições que poderiam ser desde coisas muito concretas como exigir 13º e férias, como poderiam trazer questões estruturais como exigir que houvesse o compromisso com os 10% pra saúde. Enfim, extrair concessões, obter avanços concretos para a categoria e para a sociedade.

Opta pelo discurso: “Não faltam médicos! Estão mal distribuidos. É só ter estrutura que nós iriamos”.

Quando ouço isso, me pergunto como um médico reagiria se colocasse que “faltam condições de trabalho!” e ouvisse como resposta “Não faltam condições de trabalho. Apenas estão mal distribuidas”.

Foi isso que as entidades médicas fizeram com a população. Vejam, para o Sr. João, morador de um municipio rural de 6.974 habitantes onde o médico dá aquela passadinha (“aquela”, bem caprichada!) uma vez por semana, para ele, ELE, faltam médicos. Mudar o nome do problema dele, não faz o problema sumir!

Da mesma forma, para ele pouco interessa se um médico iria no municipio dele. Para ele interessa se vai um médico. Não é uma questão meramente semântica, tendo em vista que o cubanos vão, e não, iriam.

Depois disso, o programa voltou para os cubanos, e já me pronunciei bastante sobre a baixaria subsequente.

Mas ao relembrar, volto ao meu primeiro post sobre o assunto… que se espera disso tudo?

Me parece claro que as entidades médicas não esperavam obter avanços concretos para a categoria. Esperavam barrar o programa, e com isso desgastar o governo federal.

Não vejo como considerar a não-vinda dos cubanos como estratégica para a categoria médica. A ausência dos cubanos não irá melhorar em nada a vida e o trabalho dos médicos brasileiros. Assim, a intenção de desgastar o governo demonstra uma falta de visão estratégica das entidades, indigência estratégica como colocou o mestre Alcides Silva de Miranda. Também entra no pote o interesse político partidário de lideranças médicas ligadas fisiologicamente com os partidos de oposição ao governo federal (não acha, Gerson Salvador de Oliveira?) – que, na minha cabeça, nada têm a contribuir para as principais questões da categoria.

Desperdiça-se, assim, a visibilidade que o assunto ganhou e que poderia ter sido usada para fazer avançar questões que tenham caráter estrutural e estruturante.