Sobre juízes, Mensalão, e conflito de interesses
Heleno R. Correa Filho
Recebi apelo de amigos condenando a participação do Ministro Dias Toffoli no julgamento do Mensalão, e obviamente, elogiando o Ministro Relator – Joaquim Barbosa. Traçam um perfil de cada um e acusam Toffoli de ser envolvido com os que vai julgar especialmente políticos do PT.
Respondi aos amigos buscando conter a ira dos mais bravos considerando que os demais juízes são TODOS envolvidos politicamente e não apenas um – o juiz Dias Toffoli que trabalhou para o PT e para a Assessoria Jurídica do Palácio do Planalto quando o Secretário Chefe da Casa Civil era José Dirceu. O que difere é o papel social de cada juiz (a) em um pleno que começa a apresentar um perfil mais diverso, e quem sabe, menos conservador. Esse é um bom debate especialmente por ser travado entre amigos e fora dos limites da página três da FalhadeSP. “Data Vênia” eu não vejo que seja assunto do mérito ou demérito dos juízes. Respeito todos os juízes, inclusive por temor reverencial.
Não acho que alguém deva acusar o Ministro Barbosa de nada. Impressiona-me muito o sofrimento dele ao trabalhar com dores na coluna. Penso que isso deve atrapalhar muito a capacidade de julgar. Não devemos acusar muito menos o Ministro Dias Toffoli uma vez que outros juízes chegaram ao STF cumprindo trajetórias políticas semelhantes em outros cenários políticos em que o PT não mandou. Não devemos acusar um juiz antecipadamente de nada por que eleger o mais safado deles seria um campeonato entre o ‘Dantas’, os representantes de agronegócio, empreiteiras e mineradoras, e outros que se acometeram da Síndrome de Estocolmo e disseram que a anistia valeu para torturadores também. Se a instituição do júri profissional fosse sempre assim vulnerável não teríamos a instituição do júri popular, onde jurado tem medo do bandido e o absolve.
A judicialização da política foi feita pelo Congresso brasileiro mobilizado por uma aliança entre ‘cansados’, ‘apartidários’ e alguns movimentos contrários à participação política popular organizada em MST-ViaCampesina-MTST, galvanizados por um notório político direitista, que se promoveu ao votar a lei da ficha limpa e acidentalmente quase virou vice-presidente do Brasil. Descobrimos lá naquela manobra que nada é tão claro nem tão direto quanto parece.
É ‘legal’ trazer a discussão para o conflito de interesse. Tensionar debates sem desqualificar é um mérito. Isso não nos desgasta e permite aclarar alguns argumentos. Discordo da opinião do Jânio de Freitas de que o Brasil seja um país primário por que essa ideia vai na linha do complexo de viralatas criado por um célebre direitista venerado (venéreo) pela mídia, Nelson Rodrigues. A moral da novela das oito é um plágio de obras dele. Apesar dessa opinião somos um país em evolução. Acho que nos últimos anos recuperamos o orgulho de ser brasileiros sem arrogância e sem patriotadas.
Nossas bancas de mestrado e doutorado não permitem avaliadores coautores ou associados por parentesco. Os regulamentos universitários ainda são geralmente omissos em relação a consórcios comerciais, de propriedade, de investimento ou de promessas de bom emprego. As definições de conflito de interesse no campo médico são sanitizadas embora na OMS não o sejam. (1, 2)
Minha posição foi corretamente mapeada. Sou simpatizante crítico do PT e do PSOL. A revelação dos interesses pode mapear conflitos. Os saxônicos chamam de ‘disclosure’. Para acalmar os leitores essa observação é boa. Defendo o direito das pessoas ao engajamento partidário pela base. É bom para quem discute fazer essa revelação e não esconder interesses. Isso não desmerece a nossa opinião. Posiciona. Qualifica.
Tenho trabalhado com uma definição operacional minha buscando reinterpretar a definição acima citada por Gabriel Wolf Oselka: _ Thompson, D.F. – Understanding financial conflicts of interest – NEJM (sem data) cit p.18 – Conflito de interesses é “situação na qual os interesses secundários influenciam indevidamente o julgamento profissional de uma pessoa no que diz respeito aos seus interesses primários”.
Apresento minha definição de conflito de interesse: _ “É prestar serviço ou elaborar produtos para alguém ou para um ator social escondendo que na verdade se atende a interesse não revelado de terceiros. A dissimulação ou não revelação da influência ou da intenção de atender ao interesse de terceiros é a base da traição dos objetivos, métodos e resultados empregados para atender aos interesses e necessidades de quem pagou, contratou e recebe o produto ou serviço”.
Sobre isso há um dado interessante. Os juízes do STF não podem ser acusados de trabalhar em conflito de interesses políticos uma vez que suas indicações e referendos pelo Congresso Nacional são todas políticas. Foram indicados por Collor de Mello (um parente), Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma. A Presidenta Dilma terá que indicar substitutos dos que forem aposentados antes do final de seu mandato atual.
Se os ministros fossem eleitos ainda assim seriam vinculados às políticas que propusessem em suas candidaturas. O surpreendente é que a maioria dos juízes consegue dar aparência de pura técnica jurídica para seus atos de caráter político. Isso de fato exige habilidades incomuns como as de um acadêmico na busca de contorção de fundamentos legais e filosóficos. O Ministro Joaquim Barbosa disse que o Dantas tem capangas e a imprensa do PIG caiu em cima dele quando se manifestou favorável à lei de quotas. Exemplo dessa parcialidade política é julgar o Mensalão Petista no STF com uma só instância colegiada e televisionada, julgar o Mensalão Tucano em MG, e o Mensalão Demoníaco no DF os dois últimos com três instâncias recursais em balcões longe dos olhos e com prescrição à vista para 2020, tudo por iniciativa do mesmo Brindeiro Gurjô Demóstenes Cachoeira.
Não gostamos do financiamento privado de campanha nem do caixa dois. Não gostamos da aliança escolhida por Dirceu e Genoíno com os tucanos da privataria, assim como não gostamos da prática antisindical e anti-ambiental do governo federal. Nem por isso teríamos derrubado Lula e substituído por Cerra ou por Herr Alckmin & Frau Loureiro Capez. Daí a caixa dois virar crime de um setor do PT que subiu ao poder para supostamente resolver a disputa política no campo amplo da esquerda vai longa distância. Alguém consultou a direita para saber os limites que ela impõe?
Essa discussão foi provocada por debatermos que não é comparando biografias de juízes que vamos resolver a justiça cujos limites são dados por quem não interessa aos trabalhadores. Enquanto os trabalhadores não tiverem os seus próprios meios de comunicação unificados não terão ações conjuntas que fortaleçam sua ação política. É necessário e é possível avançar.
A classe trabalhadora do Brasil não está subordinada ao mistério de separar condutas do PT e do PSDB. Provavelmente ela desliga qualquer TV ou rádio quando essa conversa começa. A luta dos trabalhadores tem agenda própria forçando governos de distintos partidos e coalizões a negociar o que interessa para os trabalhadores. Essa agenda não privilegia debater quem era mais amigo do Marcos Valério ou dos fundos de pensão da previdência privatizada pelos governos FHC e Lula.
Os trabalhadores rurais estiveram ontem na porta da Presidenta cobrando reforma agrária em pleno século XXI acompanhados de lideranças de Centrais Sindicais. Nem o Plínio Sampaio acreditaria que levaríamos tanto tempo se perguntassem para ele em 1990. Logo a seguir estiveram os funcionários públicos com seus salários cortados mostrando que o governo dialoga com a Monsanto, mas não com a ANDES.
Todos sabemos que partidos políticos ficam cada vez mais parecidos quando se isolam de suas bases e praticam o controle da política por meios autoritários. Insisto que nem por isso temos o direito de desarticular os partidos, pois eles são o único meio que a nossa sociedade criou para dialogar com as forças que o jogo democrático frágil ainda permite. Se o principal fosse distinguir PT de PSDB não teríamos dificuldades. Basta ler o noticiário local e saber como os comitês centrais decidem quem será o candidato em qualquer eleição por cima das decisões locais. Do lado do PT eu acompanho na cidade de Campinas o exemplo trágico desse tipo de decisão tomada por cima que levou ao fracasso de um governo de coalizão com o PTB, tudo para alimentar uma aliança nacional cujo líder é pessoa lamentável na mentira, na bravata e na autopromoção, o Roberto Jefferson.
O objetivo de uma discussão política e popular não é provar que a liderança do PT caminhou pelo mesmo trilho do caixa dois na disputa eleitoral. É apontar o que pode fazer sair desse beco político em que às vésperas de uma eleição municipal se monta um circo de mídia para afastar o povo de qualquer pretensão de eleger candidatos verdadeiros. Cada partido e cada pessoa tem sua responsabilidade nisso. Alguns se saem melhor por enquanto, mas nada vai mudar se não mudarmos as regras de financiamento de campanhas, de organização de eleições, e de uma lei de mídia que impeça o monopólio de informação por seis famílias poderosas endinheiradas.
Não se devem subordinar políticos populares, lideranças sindicais e intelectuais orgânicos a essa agenda política. Se ficarmos explicando o que separa cada partido chegaremos à desvalorização da ação unitária dos representantes dos trabalhadores. Suas lideranças doam diariamente suas energias e suas vidas para manter a presença de reivindicações que defendem o direito de continuar vivendo e criando suas famílias, garantindo saúde e trabalho.
Não estou preocupado em cobrar dos dirigentes do PT e dos outros partidos de política trabalhista e operária nada que não possa ser cobrado da política geral. A justiça política da classe dominante está fazendo isso separando quem interessa a ela proteger ou punir usando inclusive a falácia da ‘lei da ficha limpa’. Ainda vamos ver muito choro por causa dessa lei. Não há nenhuma vitória política em culpabilizar ex-líderes de trabalhadores que se bandearam para o outro lado. E os atuais, seguirão o mesmo caminho? O que vamos fazer para impedir?
Devemos insistir na implantação do financiamento público de campanhas eleitorais com proibição e criminalização civil e eleitoral do financiamento privado por pessoas físicas e jurídicas. Até hoje a reforma política não tornou proibido no Brasil o financiamento privado de campanhas. Aí sim mudaríamos. Não devemos judicializar a política. A justiça já está politizada. O Circus Maximus do julgamento do Mensalão contribui para apagar essa proposta. Será isso que queremos?
*Heleno é médico sanitarista, epidemiologista e professor associado/colaborador da FCM/UNICAM
Referências:
1. CREMESP, editor. Conflitos de Interesse em pesquisa clínica – Cadernos de Bioética do CREMESP. São Paulo SP: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2007.
2. WHO – World Health Organization. Declaration on Workers Health. Stresa, Italy, 8-9 June 2006: WHO – World Health Organization; 2006 [updated June, 2006]; 4]. Available from: http://www.who.int/occupational_health/publications/declaration2006/en/index.html.