SUS: seus obstáculos e a busca de saídas

A força inicial

O SUS é obrigação legal há 22 anos, com as Leis 8080 e 8142 de 1.990. No seu processo histórico o SUS começou na prática nos anos 70, há 40 anos, com movimentos sociais e políticos contra a ditadura, pelas Liberdades Democráticas e Democratização do Estado, que se ampliava e fortalecia por uma sociedade justa e solidária e um novo Estado com políticas públicas para os direitos humanos básicos, com qualidade e universais. Na saúde, este movimento libertário fortaleceu-se com a bandeira da Reforma Sanitária, antecipando o que viria, anos depois, a ser as diretrizes constitucionais da Universalidade, Igualdade e Participação da Comunidade.

Também nos anos 70, a ausência de estatuto da terra e reforma agrária, no modelo de desenvolvimento, levou ao grande empobrecimento da população e provocou intensa migração da zona rural e pequenas cidades, para as periferias das cidades médias e grandes, o que gerou grande tensão social nessas periferias, de difícil controle pela repressão da ditadura, e as Prefeituras Municipais iniciaram várias providências, entre as quais, atendimentos precários à saúde com viaturas de saúde itinerantes em bairros e vilas, e também postinhos de saúde.

Essas providências precárias foram se beneficiando com propostas e iniciativas de um número crescente de jovens sanitaristas, que foram qualificando os serviços municipais de saúde e aplicando nas realidades brasileiras, as diretrizes da Atenção Primária à Saúde, inclusive com equipes compostas pelas várias profissões de saúde, integrando as ações preventivas e curativas e ganhando grande apoio da população antes excluída. Aconteceram inúmeros encontros estaduais e nacionais de troca de experiências municipais de saúde, configurando o movimento municipal de saúde que se fortaleceu, pressionou os governos nacional e estadual por mais recursos, e antecipou o que viria, anos depois, a ser as diretrizes constitucionais da Universalidade, da Descentralização, da Integralidade e da Regionalização.

Os movimentos: Municipal de Saúde e o da Reforma Sanitária conseguiram nos anos 80, convênios para repasses financeiros do governo federal que muito fortaleceu a prestação de serviços básicos e integrais de saúde à população. Conseguiram também importante apoio do Legislativo com simpósios de políticas de saúde na Câmara Federal. Como parte das lutas pelas liberdades democráticas, muito contribuíram para o fim da ditadura em 1.984.

No bojo do crescimento dos serviços básicos, vale lembrar que nos anos 80, antes mesmo da criação do SUS, já se consolidava o papel decisivo dos municípios em vários Estados, na erradicação da Poliomielite (paralisia infantil) e depois, do Sarampo. Para uma visão da descentralização, em 2005, dos 45 mil estabelecimentos públicos de saúde, 41.700 (92,7%) eram municipais, e os leitos hospitalares municipais cresceram em 95,4% entre 1.992 e 2.005 (de 35.800 para 70.000) com decréscimo dos leitos estaduais e federais. Nos empregos públicos, os municípios passarm de 16% a 69% entre 1.980 e 2.005, incluindo os médicos que cresceram em 130% (de 69.000 para 158.000). Deve ser lembrado que paralelamente aos bons resultados da descentralização e dos primeiros repasses de recursos federais, o governo federal, nos anos 80, inicia a retração da sua participação no financiamento da saúde, perante o crescimento da participação estadual e principalmente municipal. Foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1.986, que aprofundou e legitimou os princípios e diretrizes do SUS.

A força social e política desse movimento desdobrou na Comissão Nacional da Reforma Sanitária, composta pelos governos federal, estadual e municipal, pelas instituições públicas e privadas de saúde e pelas entidades da sociedade e dos trabalhadores sindicalizados, com a atribuição de elaborar proposta de sistema público de saúde a ser debatida na Assembleia Nacional Constituinte. Foi também criada a Plenária Nacional de Saúde que congregava todos os movimentos e entidades da sociedade civil, com a finalidade de participar e exercer o controle social nos debates da proposta de saúde na Constituição.

É importante lembrar que em todos os debates e posicionamentos políticos, as entidades, tanto das categorias de trabalhadores, incluindo as centrais sindicais, e as entidades dos profissionais de saúde e das classes médias, assumiram em todos os momentos e situações, a opção pelo SUS e não planos privados, que na época possuíam pequeno peso e expressão em comparação com o sistema público de saúde que incluía o previdenciário. Todas as expectativas eram de adesão e primeira opção pelo SUS, na crença de que o Estado seria democratizado e cumpriria as diretrizes constitucionais sociais. Foram os princípios e diretrizes do Direito de Todos e Dever do Estado, da Relevância Pública, da Universalidade, Igualdade, Integralidade, Descentralização, Regionalização e Participação da Comunidade.

Essa grande força social e política pelo SUS são da nossa história recente, e deve ser levada em conta para o entendimento das dificuldades e problemas que foram se avolumando desde então, de modo crescente até que se iniciaram as primeiras avaliações e análises reveladoras de outra política de Estado, real, com rumo desviado dos princípios e diretrizes constitucionais. Ao contrário de continuar avançando a partir de 1.990, exatamente quando eram esperadas e desejadas mais facilidades com a promulgação das Leis 8080/90 e 8142/90, um outro contexto global e nacional não esperado nem desejado, que será referido no penúltimo tópico deste texto, iniciou a efetivação de crescentes dificuldades.

Essas dificuldades tornaram-se verdadeiros obstáculos, que obrigam uma quase exaustão das forças que persistem em fazer do SUS o que está na Constituição: um sistema público de saúde de qualidade e universal, comprometido com as necessidades e direitos à saúde da população. Aos poucos, o que era avaliado por volta de 15 anos, como dificuldades e problemas a serem superados, foi clareando como sólida e consistente estruturação dessa outra política de Estado. Identificando 20 situações reais emergidas nos 22 anos do SUS, busca-se a seguir, qual a lógica e estratégia subjacentes. Em tentativa sujeita a reajustes, resultaram 4 obstáculos, 7 consequências, e 5 conclusões que parecem revelar de modo inequívoco, a real política hegemônica de Estado para a Saúde.

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