Dificuldades na atuação do Brasil contra o tabagismo

Paula Johns, diretora executiva da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) e presidente do conselho diretor da Framework Convention Alliance (FCA) concede entrevista para o Cebes, onde avalia a 5ª Conferência dos Estados-Parte da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP 5). Na ocasião, Paula Johns aponta ainda que ocorreram alguns episódios que “atrapalharam” a atuação da delegação brasileira. Confira a entrevista na íntegra:

1) Como a senhora avalia a 5 ª Conferência dos Estados-Parte da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, acontecida na Coréia do Sul?

A COP tomou algumas decisões muito importantes para a efetiva implementação do tratado. Entre os destaques da semana, vale mencionar a adoção de um conjunto de diretrizes e recomendações para adoção de medidas de aumentos de preços e impostos de produtos de tabaco. O documento será muito útil para auxiliar os países a adotar medidas nessa área que são consideradas as medidas mais custo efetivas de redução de consumo.

Também foi adotado o protocolo (que é um tratado por si só) para o combate ao mercado ilegal. Outro destaque foi o estabelecimento de um grupo de trabalho para tratar dos mecanismos de assistência para implementação do tratado cujo mandato e identificar e ajudar a sanar dificuldades que os países possam ter para efetivação das medidas a nível nacional, inclusive no que diz respeito a mecanismos de assistência financeira. Esse grupo de trabalho é especialmente importante para países em desenvolvimento que ainda não tem uma estrutura de governança que os permitam avançar no controle do tabagismo.

Também foi estabelecida um grupo de especialistas para analisar as melhores práticas no âmbito do artigo 19 (responsabilidade ) e os obstáculos a adoção de medidas litigiosas, como por exemplo ressarcimento do cofres públicos pelos custos causados pelo tabagismo. Foi ainda dado início ao trabalho de elaboração de um mecanismo de revisão da implementação do tratado com base em melhores práticas adotadas em outros tratados internacionais.

Nos artigos que tratam da regulamentação do conteúdo dos produtos de tabaco (artigo 9) e da regulamentação da divulgação das informações sobre os produtos de tabaco (artigo 10) , dois novos elementos foram acrescentados as diretrizes parciais adotadas na COP4: o primeiro diz respeito à redução da ignição dos cigarros (uma grande causa de incêndios) e a obrigação de divulgação das emissões e ingredientes por parte dos fabricantes.

Por fim, o grupo de trabalho que trata de alternativas para os agricultores que plantam fumo e da proteção ao meio ambiente e a saúde das pessoas (artigos 17 e 18 respectivamente) continuará os trabalhos até a COP6.

2) E quanto à participação da delegação brasileira na ocasião?

O Brasil costuma ter uma posição de liderança nas negociações, mas, dessa vez, gastou muita energia em torno dos artigos 17 e 18 em função da pressão de aliados da indústria do tabaco que vem se utilizando da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco como palanque para fazer política.

O setor produtivo enviou uma “delegação” enorme de deputados, dirigentes de associações da indústria do tabaco e profissionais de comunicação para Seul para enviar noticias para região produtora de fumo no Brasil de que a presença deles lá teria  “salvo” os fumicultores das ameaças impostas pela OMS.

Muito argumento falacioso circulando e o elo mais fraco da cadeia produtiva sendo usado como massa de manobra. Se tem algo que ameaça o agricultor familiar no Brasil que produz fumo é o próprio modus operandi das empresas de folha de fumo, cuja única preocupação real é com a manutenção dos seus lucros.

3) Em comparação com as demais conferências e encontros internacionais para tratar do controle do tabagismo, como você avaliaria a atuação da delegação brasileira (também na COP5)?

Nessa COP ocorreram alguns episódios que obviamente atrapalharam a atuação da delegação. O primeiro foi o foco excessivo nos artigos 17 e 18 cujo produto final não estava finalizado e nem seria durante essa COP. O Brasil sinalizou isso várias vezes, promoveu um seminário no Brasil anterior a COP5 reiterando sua posição, mas não foi suficiente para a indústria do tabaco parar de fazer falsas alegações e ir para Seul conforme relatado na resposta anterior.

Ademais, embora a posição oficial do Brasil em relação a fumicultura seja a de viabilizar alternativas para diversificação, esse entendimento não era compartilhado pelo delegado do Ministério da Agricultura que, além de fazer declarações públicas não condizentes com a posição do resto da delegação, passava mais tempo levando informações para os representantes da indústria (que não eram permitidos nas salas de negociação) do que participando das negociações.

Outra coisa que ocorreu (acompanho as negociações desse tratado desde a segunda rodada do órgão de negociações intergovernmental em 2001 e nunca testemunhei algo assim antes) foi o “recall” de quatro delegados da área da saúde de volta ao Brasil faltando 2 dias e meio para acabarem as negociações.

A única explicação plausível para os incidentes é que a indústria do tabaco está pressionando e tentando estabilizar o processo e que de certa forma tem tido sucesso. Falta uma posição de Estado em relação a esse tema no Brasil.

É preciso haver mais coerência entre os diferentes ministérios, a CQCT é um tratado internacional de saúde que busca salvaguardas para os agricultores familiares e o Ministério da Agricultura parece se recusar a desempenhar seu papel na promoção de alternativas para a diversificação da produção de tabaco.

4) A Convenção-Quadro estabelece em seu artigo 5.3 que os interesses da indústria do tabaco e os da saúde pública são definitivamente inconciliáveis. Nesse sentido, de que forma o Brasil tem avançado ou onde encontramos suas maiores dificuldades? Resistir ao forte lobby da indústria do cigarro seria a mais grave delas?

Nos últimos tempos temos vivenciado muita dificuldade para avançar no Brasil em função da interferência da indústria que se dá de diferentes formas e em várias instâncias. Nada, que não seja interferência da indústria, justifica o marasmo do governo em regulamentar a Lei 12.546/11 sancionada em dezembro do ano passado, as alegações de setores do governo em relação ao motivo da demora não se justificam.

Em outras situações, percebe-se o mesmo, a Anvisa proibiu os aditivos de sabores que comprovadamente tornam os cigarros mais atraentes para jovens e adolescentes em março desse ano depois de um longo processo de consultas e audiências públicas e mesmo tendo o respaldo de um tratado internacional, de evidências técnicas sólidas, de amplo apoio da população (75% da população apoiam proibição de aditivos segundo Datafolha).

Em havendo vontade política, resistir o lobby é possível, essa é a grande questão: há vontade política no Brasil hoje para resistir a esse lobby, ou o controle do tabaco vem sobrevivendo a duras penas graças a força e a garra de algumas pessoas? Acompanho o tema há mais de 10 anos e nunca vi tanta falta de liderança no controle do tabagismo, é como se estivesse órfão. O governo se vangloria dos louros das conquistas passadas, mas não consegue avançar.

Paula Johns é diretora executiva da ACT, presidente do conselho diretor da Framework Convention Alliance (FCA), empreendedora social Ashoka. Socióloga, mestre em estudos de desenvolvimento internacional pela Universidade de Roskilde, Dinamarca. Acompanha as reuniões de negociação da Convenção-Quadro e de seus protocolos desde 2000. Atua no terceiro setor desde 1998 coordenando projetos voltados à promoção dos direitos humanos, equidade de gênero, preservação do meio ambiente e saúde pública.