Alcides Silva de Miranda: “Médicos não podem dar respostas somente aos interesses do mercado”

Marco Weissheimer – Sul 21 – 29/7/13

As entidades médicas estão revelando uma miopia estratégica ao se negar a discutir as propostas apresentadas pelo governo federal para o setor da saúde. Essas lideranças cultivam a ilusão que a nossa profissão ainda tem um perfil de profissional liberal, mas esse liberalismo profissional é, na verdade, uma farsa ideológica, porque não existe mais. Eles dizem que não querem ser escravos do SUS. “Já ouvi esse discurso muitas vezes. Parece que lhes apetece muito mais ser escravos dos planos de saúde, pois assim o são”. A avaliação é do médico Alcides Silva de Miranda, professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro da direção do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e da Comissão de Políticas da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em entrevista ao Sul21, Alcides de Miranda fala sobre a falta de médicos no país (um problema real, segundo ele), analisa as propostas apresentadas pelo governo federal por meio do programa “Mais Médicos”, faz algumas ressalvas a elas (como o caráter obrigatório do serviço civil no SUS), mas defende que as entidades médicas não se neguem a fazer esse debate e o façam pautadas por um compromisso com a saúde pública e não com os interesses do mercado.

“Como médicos, precisamos dar respostas não somente aos interesses do mercado que trata a doença como uma mercadoria. Precisamos discutir qual a resposta que vamos dar para o interesse público, como é que se produz saúde socialmente, de que maneira vamos vincular o nosso trabalho ao interesse público, mesmo que depois cada um tenha a opção de fazer o que bem entender de sua vida”, defende o professor da UFRGS.

Sul21: A falta de médicos no Brasil é um problema real, na sua avaliação?

Alcides Silva de Miranda: A falta de médicos é um problema real. Em Porto Alegre é um problema real. Alvorada, que fica aqui na região metropolitana, tem os piores indicadores de saúde em quase todas as perspectivas que tu possas imaginar. Ao olharmos para o caso de Alvorada, podemos constatar os indicadores de morte, de doença e de sofrimento da população e concluir que ela não tem a assistência devida. Esse é um problema real aqui em Porto Alegre, em Pelotas, em Caxias, em Passo Fundo, que são cidades-polo. Faltam médicos nas periferias dessas cidades. Há problemas de violência e de falta de condições para trabalhar? Sim, isso é verdade, mas também é verdade que, enquanto não for alguém lá para fazer alguma coisa, essa realidade não vai mudar. Precisamos enfrentar esse problema. E creio que a única alternativa para enfrentá-lo do é por meio de políticas públicas de governos, de ações do Estado.

Em primeiro lugar, devemos procurar entender como se dá a atual distribuição de médicos no Brasil. Por que alguns lugares têm uma maior concentração de médicos e outros uma concentração menor? Essa concentração menor tem que ser melhor qualificada. Há algumas especialidades onde o problema da falta de médicos é maior. E há lugares onde, de fato, não há médicos. É certo que há problemas como a falta de infraestrutura para trabalho, falta de condições para ser fazer uma boa clínica, dificuldades para criar os filhos (para quem é casado). Há uma série de questões que explicariam, em certa medida, essa dificuldade de ter trabalho médico em vários lugares do Brasil. Mas há outra variável que ajuda a entender melhor esse problema, que é a variável “mercado”.

Na verdade, quando falamos da falta de médicos não estamos só falando da periferia do Brasil, no sentido das cidades distantes, dos chamados grotões, ou das periferias das grandes cidades, onde faltam médicos. O que há em comum entre essas regiões é que elas são periferias do mercado. Boa parte do trabalho do médico está hoje vinculado ao SUS (Sistema Único de Saúde). Eu diria que algo em torno de 75% dos médicos hoje tem algum tipo de vínculo com o SUS, seja por meio de serviços públicos, seja por serviços privados, com ou sem fins lucrativos, que prestam serviços ao SUS. Mas, ao mesmo tempo, esses profissionais também prestam serviço ao mercado, via operadoras de planos de saúde, em sua maior parte. Eles constituem, assim, um duplo vínculo: em parte do seu tempo, estão no serviço público, no SUS; e em outra parte do seu tempo estão trabalhando para operadoras de planos de saúde.

Sul21: E o que essa situação de duplo vínculo tem a ver, exatamente, com o problema da falta de médicos?

ASM: Essa duplicidade de vínculo provoca uma confluência do que há de pior. Muitas vezes, eles acabam utilizando o SUS como um espaço para encaminhar casos cujo tratamento é mais caro, e selecionando clientela para o lado privado de sua atividade. No momento em que o governo propõe a criação de uma política para distribuir médicos e para aumentar a convivência de estudantes de medicina com o SUS, acho que essa iniciativa deve ser apoiada, por várias razões. A população brasileira paga a universidade, principalmente a pública, mas também subsidia a universidade privada. E hoje nós formamos médicos para o mercado. A maior parte dos estudantes que ingressam hoje na universidade para fazer medicina recebe uma formação e um condicionamento que diz que eles serão profissionais liberais. O que não percebem, nem as lideranças das entidades médicas, é que não são mais profissionais liberais, no sentido daquele profissional que vai abrir um consultório para atender uma clientela privada. Na verdade, o liberalismo que existe hoje não é o liberalismo profissional ou individual, mas sim o liberalismo das operadoras de planos de saúde.

A maior parte da corporação médica é refém das operadoras de planos de saúde e os médicos continuam sendo formados com essa visão de que eles têm autonomia, que não pode haver nenhum tipo de imposição por parte do Estado brasileiro. No entanto, se não for por meio de uma ação do Estado, quem é que vai ocupar esses vazios de assistência? O mercado é que não vai. Não interessa ao mercado fazer isso. A atenção básica de saúde, por exemplo, não interessa ao mercado porque não dá lucro. E os procedimentos de alto custo, como transplante, hemodiálise, também não interessam ao mercado, porque dão prejuízo. Então eles transferem para ação governamental a ação básica e o alto custo, ficando com um nicho de mercado que a gente chama de média complexidade. Assim, se não for por meio de uma ação do Estado, nada será suficientemente interessante para essa corporação ocupar esse espaço.

Outro problema é que, quando o futuro médico termina o curso de medicina e vai fazer uma especialização, quem controla as vagas de especialização são as corporações de especialistas. Não há uma distribuição de especialistas no Brasil de acordo com o perfil de necessidades sociais em saúde. Quantos anestesistas são necessários no interior do Rio Grande do Sul? Quantos endocrinologistas são precisos no interior da Bahia? Nós temos vários estudos mostrando o perfil de necessidades de especialistas no país. Mas o que define essa distribuição não é uma política de Estado, mas sim, mais uma vez, as conveniências de mercado.

Sul21: E o que precisa ser feito, na sua opinião, para enfrentar essa situação?

ASM: Precisamos de uma ação do Estado brasileiro que garanta que esses estudantes de medicina convivam mais com o sistema público de saúde, saibam o que é e como funciona esse sistema, que saibam trabalhar em equipe e não fiquem alimentando o complexo de superioridade como muitas vezes acontece. Como eles não sabem trabalhar em equipe, acabam achando que a profissão médica é hierarquicamente superior às outras. E hoje nós precisamos, cada vez mais, de ações interdisciplinares e multidisciplinares e não de ações hierarquizadas, fragmentadas.

Sul21: Esses problemas, então, começam já na formação dos médicos?

ASM: Sim, começam na formação. Eu não defendo que se aumente o curso de medicina em dois anos e que se obrigue os estudantes a ingressar no SUS contra a sua vontade. Eles já fazem isso hoje. Eles vão fazer estágio no SUS durante o curso de medicina contra a sua vontade, na maior parte. Os estudantes são condicionados a pensar de uma forma diferente e enxergar o sistema público como um mal necessário. Então, aumentar o curso em dois anos e impor aos estudantes o contato com o SUS não me parece uma medida interessante. O que é interessante, sim, é discutir alterações nos cursos de medicina que possibilitem uma melhor convivência dos estudantes com o sistema público de saúde e que os treinem no trabalho em equipe. Nós vamos ter que discutir quais são os termos dessa proposta. Acho que a proposta feita pelo governo no programa Mais Médicos não é a melhor. Inclusive o governo já está recuando, admitindo estudar uma alternativa para esse tempo de dois anos, que poderia ser uma espécie de residência médica.

Creio que seria muito mais adequado exigir que egressos dos cursos de medicina e de outras áreas da saúde, antes de fazer uma especialização, tenham essa vivência no Sistema Único de Saúde. Acho muito melhor um requisito obrigatório para o ingresso nas especializações, que são pagas com dinheiro público, do que o que foi proposto originalmente. Agora, eu defendo que essa questão entre na agenda e que nós discutamos qual é a melhor alternativa, ao invés de ficarmos usando as deficiências do sistema público como pretexto para não fazer nada. É isso que as lideranças das corporações médicas estão fazendo. Citam as deficiências do sistema para não fazer nada ou seguir fazendo a mesma coisa que fazem hoje, ou seja, trabalhando para o mercado e usando o SUS como um mal necessário. Acho que temos que pegar esse limão e fazer uma limonada.

Sul21: Qual sua posição a respeito da proposta da vinda de médicos de fora do país para suprir as carências internas?

ASM: Não me parece uma boa ideia trazer médicos de fora sem comprovação de que eles estão aptos a trabalhar. Em segundo lugar, trazer esses médicos de fora com uma vinculação de três anos, sem discutir como se estabelece o vínculo desses profissionais com as comunidades, como se mantem um trabalho de longo prazo, também não me parece uma boa ideia. Agora, que apresentem então uma ideia, uma proposta alternativa sobre como estabelecer esse vínculo com as comunidades. Acho que a ideia da carreira do SUS é uma boa proposta. O problema é que muitos médicos estão usando a questão da carreira como pretexto para não fazer a discussão, para denunciar e rejeitar toda e qualquer proposta que o governo apresentar, sem propor nenhuma alternativa.

Nós precisamos parar de ficar desqualificando toda e qualquer iniciativa – e aí eu não defendo o governo, tenho críticas a fazer sobre a maneira e o momento em que a proposta foi encaminhada. Mas é preciso lembrar o seguinte: três conferências nacionais de Saúde, extremamente participativas, tiveram deliberação em favor do serviço civil. Então, não é uma coisa inventada pelo governo. É uma discussão que já vem de mundo tempo. A maneira como o governo a apresentou, por meio de Medida Provisória, deve ser questionada, mas não o conteúdo da proposta. Precisamos fazer parte da solução e não apenas do problema. Neste ponto, eu discordo da posição das lideranças médicas que estão procurando muito mais desqualificar a proposta como um todo, jogando fora o bebê junto com a bacia e a água do banho, sem fazer a discussão que deve ser feita.

Se não são os termos da proposta do governo, qual seria a alternativa para vincularmos profissionais médicos ao SUS, a essas periferias de mercado que mencionei? É preciso ter uma resposta a essa questão. Não são apenas periferias rurais ou quase rurais, são periferias de mercado, que não interessam a ele porque não dão lucro. O mercado não vai ocupar esses lugares e a população vai continuar desassistida. Se não houver uma ação do Estado brasileiro, uma ação na defesa do interesse público, não ocorrerá o preenchimento destes lugares. Então precisamos discutir as propostas que estão sendo apresentadas e as possíveis alternativas, ao invés de ficar usando, como pretexto para não discutir, a maneira como as propostas foram encaminhadas, o contexto de sua apresentação, a falta de plano de carreira e uma série de argumentos que seriam válidos se fossem apresentados em um contexto mais propositivo. Essa é a minha posição e de outros profissionais que trabalham com saúde pública.

A questão do trabalho médico é um foco de um contexto mais amplo de um sistema de saúde que sofre um problema de desfinanciamento, que não tem uma política mais abrangente de trabalho que vincule esses profissionais, que não tem uma política para discutir serviço civil. Nós até podemos discutir se o serviço civil deve ser obrigatório ou voluntário e, se voluntário, quais devem ser os elementos para induzir a participação voluntária de quem teve a sua formação na universidade financiada pela população. O que não podemos é ficar desqualificando toda e qualquer iniciativa para não fazer nada.

Sul21: Considerando a posição da maioria das lideranças das entidades médicas, parece haver pouco espaço para uma negociação em relação a uma proposta vinda do governo, seja esta ou qualquer outra. Você vê algum espaço para negociação?

ASM: Acho que as entidades médicas sofrem de uma miopia estratégica, mas eu vejo espaço para negociação, sim, e o governo já sinalizou nesta direção. Mas a miopia estratégica destas lideranças não permite que isso aconteça. Essas lideranças cultivam a ilusão que a nossa profissão ainda tem um perfil de profissional liberal, mas esse liberalismo profissional é, na verdade, uma farsa ideológica, porque não existe mais. Eles dizem que não querem ser escravos do SUS. Já ouvi esse discurso muitas vezes. Parece que lhes apetece muito mais ser escravos dos planos de saúde, pois assim o são. A maior parte dos planos de saúde explora o trabalho médico e isso muitas vezes não é colocado na discussão. Não se trata de definir quem vai ser o melhor patrão, se o SUS ou o mercado, mas de discutir claramente que o trabalho médico hoje se insere em uma perspectiva que precisa ser ampliada na direção de uma perspectiva de compromisso público. O serviço civil e a responsabilidade civil fazem parte dessa discussão.

Como médicos, precisamos dar respostas não somente aos interesses do mercado que trata a doença como uma mercadoria. Precisamos discutir qual a resposta que vamos dar para o interesse público, como é que se produz saúde socialmente, de que maneira vamos vincular o nosso trabalho ao interesse público, mesmo que depois cada um tenha a opção de fazer o que bem entender de sua vida. Ninguém está dizendo que os médicos devem pagar a dívida social brasileira. Mas, no outro extremo, não podemos dizer que os médicos podem ficar sem fazer nada, sem tomar nenhuma iniciativa para discutir. Então, eu vejo essa iniciativa do governo como uma oportunidade para discutir mediações, discutir quais são as alternativas que temos para garantir esse tipo de inserção e fixação, exigindo inclusive um plano de carreira que dê condições para que isso aconteça, investimentos na infraestrutura da saúde pública. Mas uma coisa é exigir tudo isso fazendo parte da discussão e estando na linha de frente da mesma. Outra é usar essas exigências como pretexto para não fazer nada.

Essa visão equivocada das nossas lideranças médicas precisa ser discutida, inclusive em conjunto com a população. Essas lideranças se afastaram durante anos do Conselho Nacional de Saúde porque acharam que tinham que ter cadeira cativa e, no momento em que tiveram que discutir com outras categorias profissionais, resolveram não participar da discussão. Voltaram recentemente e agora uma das reações dessas lideranças à proposta do governo federal foi se afastar novamente do conselho e se isolar de novo do debate em relação às demais categorias da área da saúde, vitimizando a categoria médica a partir de um discurso extremamente corporativo, no mau sentido do termo. Essa discussão tem que ser colocada na perspectiva do interesse público e daí é preciso ver quais são as mediações necessárias.

Infelizmente, não tem havido disposição para isso, mas sim para reações muito danosas. Ontem (23/07), houve uma paralisação de médicos no país. Quem pagou por isso? Mais uma vez, a população mais pobre do país. Pessoas que viajaram centenas de quilômetros para um atendimento e perderam a viagem porque os médicos não estavam trabalhando. Precisamos enfrentar esse debate e não recuar. Há muitos médicos que têm compromisso com o interesse público, não só no discurso, mas comprovada por sua história de vida. Eu trabalhei nos chamados grotões durante muitos anos da minha vida. Fui médico de família. Eu tenho uma experiência de vida que me permite dizer que o meu discurso não é o discurso teórico do professor universitário que não coloca a mão na massa. Eu vim desses lugares e participei dessa discussão.

Isso tem irritado profundamente alguns colegas que se sentem traídos quando me ouvem falar. Dizem que estou traindo a corporação. Se trair a corporação é defender o interesse público, talvez eu seja isso mesmo. Eu vi passeatas de médicos e estudantes de medicina contra a proposta do governo carregando uma faixa que dizia “Em defesa do SUS”. Isso é hipocrisia, porque eles não estão defendendo o SUS, mas sim mascarando um interesse corporativo usando uma faixa com um slogan de interesse público. Isso tem que ser dito e discutido claramente. Faz parte do nosso compromisso, inclusive compromisso ético profissional. Não nos formamos médicos para sermos porta-vozes ou marionetes do mercado, mas sim para lidar com vidas humanas. E isso tem implicações importantes do ponto de vista do interesse público e da saúde pública.

 Sul21: Na sua opinião, a polêmica envolvendo o Ato Médico tem relação com esse debate? Qual sua posição sobre o Ato Médico?

ASM: A questão do Ato Médico tem a ver com o que chamamos de biopoder. Se definimos que uma determinada categoria profissional tem uma prerrogativa exclusiva para fazer diagnóstico e prescrição, estabelecemos uma lógica de hierarquia que dá um poder especial a esta categoria. Essa relação de poder, na saúde, existe há séculos. Só que o mundo mudou. Até meados do século XIX só havia médicos e assistentes de médicos. De lá para cá foram surgindo outras profissões. Os médicos foram respondendo a essas mudanças por meio da criação de especialidades-espelho. Na nutrição, por exemplo, foi criada uma especialidade médica de nutrição. O mesmo ocorreu em outras áreas. Mas o conhecimento foi se ampliando por várias áreas, tornando impossível para os médicos ter o domínio sobre todas elas. Foram sendo criadas novas categorias profissionais que estão buscando o seu espaço.

Não há nada de errado em querer regulamentar o ato médico. Toda e qualquer profissão pode fazer esse tipo de regulamentação. Inclusive, a tradição brasileira é de autorregulamentação via os conselhos profissionais. Quando uma categoria tenta transformar o que deveria ser autorregulação em lei também não há grandes problemas. O problema é quando se pretende incluir nesta lei cláusulas de exclusividade, de prerrogativas exclusivas, excluindo outras profissões. Isso é uma tentativa de manter esse biopoder. É claro que as outras categorias vão reagir. A primeira versão dessa lei, que era bem pior inclusive, foi apresentada há onze anos. Essa versão foi sendo atenuada chegando à proposta atual que foi aprovada no Senado, mas teve itens vetados pela presidenta Dilma Rousseff. Os itens que foram vetados foram o que trata dessa prerrogativa exclusiva de fazer diagnóstico e de definir uma prescrição, e o que trata da chefia de serviços. Este último diz que onde houver serviço médico o chefe tem que ser médico. Mas a lei não define o que é um serviço médico. Qualquer serviço onde houver um médico trabalhando é um serviço médico? Só médicos podem chefiar médicos?

Esses dois itens vetados tem relação com o tema mais abrangente que estamos conversando aqui. Na verdade, o veto não foi simplesmente para suprimir, mas para abrir uma negociação. Diagnóstico e prescrição são prerrogativas médicas? Sim. Há séculos é assim. Mas é uma prerrogativa exclusiva de médicos? A maioria dos médicos acha que sim. Isso precisa ser discutido. E creio que o debate aqui não gira em torno de saber qual é a corporação que vai deter o domínio sobre esse biopoder, sobre essa exclusividade de diagnosticar, até porque o saber científico também não tem exclusividade. Nós temos outros saberes que confluem na questão do cuidado que precisam ser respeitados e trabalhados conjuntamente. E esse debate versa muito menos sobre qual corporação vai ter o domínio sobre o biopoder desse saber científico, de dizer o que é doença e o que não é, o que é tratamento e o que não é.

Essa é uma construção que vem sendo feita há séculos e não me parece correto ou proveitoso entregar todo esse domínio para uma categoria só, embora seja uma categoria que, reconhecidamente, tem condições de fazê-lo e deve fazê-lo. Daí a dizer que só ela pode fazer isso, é outra conversa…