Especialistas avaliam aprovação no Senado da reforma da saúde proposta por Obama

A aprovação, em dezembro pelo Senado, do projeto de reforma no sistema de saúde dos Estados Unidos, proposto por Barack Obama, pode ser considerada uma vitória política para o presidente norte-americano. Isso porque, como é sabido, o debate se arrastou no Congresso com direito a uma oposição ferrenha do Partido Republicado e resistência até de alguns Democratas. Mas a desconfiança não vem apenas daquele país. Há especialistas da área de saúde no Brasil olhando com suspeita a proposta. Mas o que está por trás da antipatia de pessoas ligadas a setores progressistas à concepção que, se bem-sucedida (depende da conciliação com o texto já aprovado na Câmara dos Representantes), poderá estender a cobertura de saúde para 97% dos norte-americanos até 2019?

Para José Mendes Ribeiro, professor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), a leitura às ressalvas à proposta de reforma do Obama, dentro do Brasil, pode ser feita a partir de comparações entre as bandeiras e lutas históricas levantadas pela esquerda dos dois países. “Como vimos, houve uma divisão clara entre republicanos e democratas e na própria opinião pública dos Estados Unidos. E há também resistência entre os grupos que discutem saúde no Brasil, porque nós fizemos uma reforma baseada no modelo europeu. Aqui, a discussão para melhorar a equidade foi sempre calcada em sair do seguro social para um modelo universal baseado no imposto. E a reforma do Obama não tem nada a ver com isso. Mas é preciso entender a realidade daquele país”, pondera. Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz, José Mendes vê com otimismo a reforma: “Para o país é um avanço importantíssimo”.

Lígia Bahia, professora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em Saúde Suplementar, também aponta aspectos positivos da proposta. “Há perspectivas muito promissoras. Vamos aos fatos: a aprovação da Reforma proposta pelo Obama pela Câmara e pelo Senado, em si é uma mudança importante, porque em agosto tudo parecia ter ido água abaixo”, avalia. Segundo ela, as relutâncias ao projeto também se explicam pelo caráter privatista da medida. “Há críticos ferozes do projeto em função da natureza privativista, pois o que foi aprovado é a extensão do seguro privado”, afirmou.

Apesar de ser uma universalização baseada no mercado do seguro saúde, Lígia não ocupa um lugar na oposição. “De todo modo, os Estados Unidos aprovaram uma universalização segmentada do seguro saúde e hoje o debate entre eles sobre as vantagens de um sistema single payer (tal como o Canadense) já está bem avançado”, disse, lembrando que a proposta não é novidade. “Não se pode esquecer que desde 1912, os democratas vêm sendo derrotados ao proporem um seguro nacional”.

José Mendes acrescenta que a essência do projeto aprovado no Senado já era praticada por alguns estados americanos, mas a tentativa da reformulação da saúde no aspecto federal, alcançada em 2009, não tinha passado de tentativas frustradas dos setores progressistas ao longo de décadas. O último fracasso ocorreu no governo Bill Clinton. Nesse percurso, conta o especialista, o projeto dos democratas sofreu alterações, se adaptando às mudanças do país, chegando à proposta do Obama. “A maioria das pessoas que se envolvem com a questão da saúde pública nos EUA trabalhou nessa questão com a proposta da Hillary Clinton, fracassada no governo Bill Clinton. Aqueles transferiram o apoio para a proposta atual que é diferente, mas, como as anteriores, aumenta a participação pública no jogo e busca um certo grau de universalização e acesso ao serviço de saúde público e privado nos EUA”, contou.

A mudança necessária

Grande aumento dos custos com cobertura de saúde, custos explosivos dos planos de saúde Medicare e Medicaid – relacionados ao déficit do orçamento – e acréscimo de pessoas excluídas de qualquer atendimento médico. Esse é um cenário perfeito para… ruir. Essa é opinião de José Mendes. Ele sustenta que a crise causada pelos custos com a saúde aliada à maioria da população desprotegida levou à aprovação do projeto, defendido por Obama.  Ou seja, o país mais rico do mundo tem um gasto enorme com o seu sistema de saúde, mas deixa a maior parte da população descoberta. Além disso, milhões de indivíduos dispõem de planos que não cobrem o total das despesas médicas, num país onde esses gastos somados aos dos preços dos medicamentos são considerados exorbitantes. “Ora, você tem algo caro, desigual com pouca cobertura, cria uma crise. Por isso, eles conseguiram a aprovação. Não havia saída. O custo com o setor chegava a 20% do PIB do país”, analisa o professor.

Ele explica que algo precisava ser feito para ampliar a universalização que está longe de ser contemplada com o sistema de saúde existente. Pela legislação, os idosos e as pessoas portadoras de alguma deficiência física (43 milhões de indivíduos) são beneficiados pelo Medicare (plano fornecido pelo Estado Federal). Os pobres (42 milhões) estão cobertos pelo Medicaid, cujo financiamento é metade do governo federal e metade dos governos estaduais. “Você faz um teste de pobreza. Passou, tem o direito ao Medicaid com serviços básicos. O governo cobre os pobres e os idosos e inválidos. E o resto? São jovens e adultos de classe média que estão no mercado de trabalho, que demite facilmente. Eles formam um contingente que vai de 40 a 60 milhões de pessoas dependendo da situação econômica do país. Quando a economia está em alta e absorve muita gente, quem está empregado tem o plano de saúde empresa. Se melhorar de posição no trabalho, melhora o plano, é assim, injusto”, critica José Mendes. O projeto ambiciona não apenas cobrir quem está sem plano, mas os que mesmo empregado têm medo de perder sua cobertura se ficar muito doente, for demitido ou mudar de emprego.