O Cebes na defesa do direito à saúde e do SUS

Representado pela sua presidente Sonia Fleury, o Cebes solicitou essa semana participação na Audiência Pública sobre o SUS, convocada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes — conforme o Despacho de Convocação do dia 5 de março de 2009. Ao todo, 126 entidades e pessoas interessadas em saúde pública se inscreveram e a seleção será divulgada no dia 13 de abril. A proposta da audiência, que será promovida nos dias 27 e 28 de abril, é ouvir especialistas no Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de buscar subsídios para o julgamento de ações que tramitam no STF.

Mas qual é o papel do STF frente às polítcas de saúde? Na análise de Sonia, “é preciso de alguma maneira impedir que o Supremo crie uma jurisprudência sobre questões de saúde”. Para ela, cabe ao STF defender os principios constitucionais da saúde e “não se meter a fazer política de saúde”. Seguindo a sua tradição de luta pela democracia desde a sua fundação em 1976, tendo elaborado em 1978 o documento “A Questão Democrática na Saúde” e que lançou as diretrizes da Reforma Sanitária Brasileira e os princípios organizacionais do SUS, o Cebes vem mais uma vez motivar o debate em defesa do direito à saúde e do SUS. Abre aqui espaço para que especialistas e a sociedade em geral possam apresentar suas opiniões.

Na pauta da Audiência Pública, destacam-se os temas:

– Responsabilidade dos entes da federação em matéria de direito à saúde;

– Obrigação do Estado de fornecer prestação de saúde prescrita por médico não pertencente ao quadro do SUS ou sem que o pedido tenha sido feito previamente à Administração Pública;

– Obrigação do Estado de custear prestações de saúde não abrangidas pelas políticas públicas existentes;

– Obrigação do Estado de disponibilizar medicamentos ou tratamentos experimentais não registrados na ANVISA ou não aconselhados pelos Protocolos Clínicos do SUS;

– Obrigação do Estado de fornecer medicamento não licitado e não previsto nas listas do SUS;

– Fraudes no sistema Único de Saúde.

As questões propostas têm origem nas múltiplas ações que transitam no STF. São elas:

– o valor positivo da constitucionalização do direito à saúde e da ampliação da consciência cidadã que levam a cidadania a recorrer à Justiça quando seus direitos são inviabilizados pelas políticas existentes;

– o risco de que se defina uma jurisprudência na matéria como forma de suprir a ausência de políticas públicas que regulamentem essas questões e de mecanismos de controle – político, jurídico e social – que assegurem o pleno gozo dos direitos;

– a particularidade das questões propostas demonstra a ausência de preocupações com o interesse público de fortalecimento da política de saúde e  da ação da Justiça em defesa da institucionalidade do SUS.

Nesse debate, as conquistas não poderiam estar de fora. Na tese encaminhada ao STF, junto com o requerimento de participação, o Cebes chama atenção:

Na Constituição Federal de 1988 o direito à saúde foi introduzido como direito universal de cidadania no art. 196, que reza: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

No art. 197 todas as ações de saúde são definidas como de relevância pública, portando subordinadas à regulação, fiscalização e controle por parte do poder público e no art. 198 define-se que a organização das ações e serviços públicos de forma integral organiza-se em um Sistema Único de Saúde, descentralizado, participativo e com direção única em cada esfera de governo.  A emenda constitucional 29/2000 acrescenta a este artigo as responsabilidades dos entes federados no financiamento do SUS, embora ainda não tenha sido regulamentada até hoje. No artigo 200 define-se a competência do SUS na vigilância sanitária e epidemiológica, dentre outras.

Ao colocar a saúde como um direito fundamental (Art. 6º) ficou assegurada a impossibilidade de que seja retirado do texto constitucional e passou-se a requer a vinculação dos Poderes Públicos (Legislativo, Executivo e Judiciário) na promoção e garantia do exercício desse direito.

A constitucionalização do direito à saúde nos termos acima descritos implica na garantia dos princípios fundamentais que informam as ações dos três Poderes Públicos neste campo: universalidade (acesso universal a serviços gratuitos fornecidos pelo SUS); integralidade (atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais); equidade (acesso igualitário e sem discriminação às políticas e serviços de saúde); relevância pública (todas as ações e serviços de saúde devem se subordinar à regulação, fiscalização e controle por parte do poder público); e autoridade pública do SUS (comando único da rede de ações e serviços públicos).

No entanto, a constitucionalização do direito à saúde não impediu a construção de poderosos interesses particulares, privatistas, lucrativos ou corporativos, que se beneficiam do SUS de forma a perpetuar a exclusão de interesses daqueles que sofrem com as dificuldades de acesso, ausência de qualidade ou desumanização da atenção nos serviços. Por outro lado, assistimos o predomínio de uma política macroeconômica cuja exigência de contenção dos gastos públicos para assegurar superávit primário e pagamento de juros comprometeu o financiamento das políticas sociais, aviltou o trabalho e a qualidade dos serviços.