O corpo das mulheres é sempre a moeda de troca

A médica Ana Reis aborda o contexto das eleições presidenciais de 2022 do ponto de vista da luta pelo aborto e o conservadorismo da população brasileira, que usam o corpo da mulher como “moeda de troca” eleitoral. “Lula já perdeu uma eleição por causa do aborto. Não vai perder outra. É o que temos”, escreve a médica feminista. Veja o artigo a seguir.

Em 1990, as duas Alemanhas fizeram a reunificação, o que significava juntar um país dito socialista e um super capitalista.

Imagina a quantidade de questões incompatíveis a serem acordadas e implantadas.

Sabe qual foi última na pauta, deixada por último para não azedar as outras?

O aborto.

Era legalizado na DDR, a socialista, que seguira grande parte do sistema soviético, pioneiro nos direitos das mulheres. Afinal, as mulheres foram grandes protagonistas na revolução russa, e foi impossível não acatar as exigências emancipatórias das feministas.

Os homens não têm a menor MORAL para serem contra o aborto legalizado. Têm o COSTUME de negar a paternidade e abandonar mulher e filhos.

Matam a torto e a direito, e clamam hipocritamente pela defesa da vida.

Não questionam a MORAL das guerras, dos fabricantes de armas, o COSTUME que têm as polícias de matarem impunemente.

Mesmo que o que se aborte seja um embrião sem vida autônoma, numa condição semelhante a uma pessoa respirando por aparelhos e com “morte cerebral”, em cujo caso se desligam os aparelhos, a interrupção da gestação é configurada no imaginário coletivo (patriarcal) como assassinato. É evidente que os patriarcas se reservam o direito de vida e morte, um COSTUME que vem lá das cavernas, quando já queriam impedir as mulheres de caçar. Só recentemente se admitiu mulheres nos exércitos e nas polícias- uma “conquista” lamentável, na minha opinião.

Quando se questionou, aqui no Brasil, a inclusão dos embriões humanos na lei de biossegurança, que garantiu as patentes das sementes transgênicas vegetais, animais e por que não das humanas, o relator no STF decidiu que havia dois tipos diferentes de embriões: os dos donos das clínicas de fertilização e aqueles gerados nos ventres das mulheres. Simples assim. Pode manipular, usar pra fabricar medicamento, vacina, célula tronco, mas não pode abortar.

A luta pelo direito ao corpo é a mais fundamental na longa revolução das mulheres.

Não somos a Argentina, que prendeu os ditadores e torturadores. Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil todo.

Lula já perdeu uma eleição por causa do aborto. Não vai perder outra. É o que temos.

As mulheres são sempre a moeda de troca.

Podemos, pelo menos, começar a desmontar esse discurso de pauta moral e pauta de costumes. Não são pautas, são instâncias constitutivas fundamentais ao patriarcado.

Ana Reis